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Panoramas temático e figurativo articulados em forias

2. Discursividade da emancipação nas entrevistas

2.1 Panoramas temático e figurativo articulados em forias

Além da identificação dos elementos discursivos presentes no corpus, discrimina-se aqui a sua classificação nas categorias fóricas. Essa escolha justifica-se por conta dos seus ganhos analíticos, pois oferece ao pesquisador, de modo esquemático, um vislumbre do que é dito nos textos, e do valor que isso possui, do ponto de vista da foria, para o sujeito. Outra razão que determina esse procedimento é a confrontação que assim pôde ser estabelecida com os resultados encontrados nos estudos de Harkot-de-La-Taille (2011) e Harkot-de-La-Taille e

Françoise Bariaud (2013). Esses dois artigos são dedicados à compreensão do discurso de jovens brasileiras e francesas e procuram investigar a construção do conceito de adultez por meio da análise de material coletado. Em uma das suas seções, as autoras utilizam como base a metodologia de discriminação de temas e forias, que inspirou o procedimento adotado abaixo.

A classificação dos temas presentes nos textos do corpus em exame dividiu-os como eufóricos, disfóricos ou mistos. Quando se fala nesta última possibilidade, isso significa que os temas são tratados ora como eufóricos, ora como disfóricos nos textos.

Tabela 1 – temas presentes nos discursos dos jovens entrevistados

Apenas eufóricos Ambos Apenas disfóricos

Independência* Liberdade* Transformação social Cultura Diversidade Beleza Relacionamentos Moradia Conquistas Respeito às diferenças Convívio

Desejo de criar algo Colaboração Conhecimento Viagem

Cuidado com os outros

Mudança Assentamento Formação Trabalho Família Responsabilidade Recursos Dependência Estaticidade / estagnação Rejeição Medo Perda Ensimesmamento Solidão Cansaço Tristeza Dúvida Pressão social Abandono Segregação Peso Contenção Violência

* Os termos autonomia e emancipação foram omitidos por serem entendidos como pertencentes ao mesmo campo temático de independência e liberdade.

Harkot-de-La-Taille e Bariaud realizaram uma análise semiótica sobre discursos coletados em cinquenta entrevistas compreensivas (com duração entre oito e 45 minutos), realizadas com jovens francesas (14 informantes da cidade de Rennes, feitas em 2007) e brasileiras (36 informantes da cidade de São Paulo, em 2010). A idade das entrevistadas variava entre 15 e 25 anos de idade. Nesse artigo, intitulado “‘Ser adulto’, por jovens francesas e brasileiras em 2007 – 2010”, as autoras analisam os resultados ora de maneira integrada entre as informantes de cada um dos países, ora vislumbrando as diferenças que cada nacionalidade trazia aos discursos.

Ao se realizar uma comparação entre os resultados das pesquisadoras e os do presente estudo, a variante gênero não pode ser levada em conta. Isso ocorre porque o corpus dos artigos acima mencionados compõe-se apenas de informantes do gênero feminino e as entrevistas deste trabalho contam com 50% de homens e 50% de mulheres (dois informantes de cada sexo). Apesar dessa diferença, as relações aqui identificadas permitem ressaltar os temas que estiveram presentes no discurso dos jovens, independente dos gêneros. Assim, podem ser feitas asserções relativamente gerais quanto ao grupo dos jovens de São Paulo. A importância das relações de gênero para a compreensão dos fenômenos analisados no segmento dos jovens é, contudo, indiscutível, entre outras razões, pela necessidade de implementação de políticas públicas que visam à obtenção de mais igualdade de oportunidades para a população17.

A amostragem que esta pesquisa traz é significativamente menor que a de Harkot-de- La-Taille e Bariaud (quatro versus 50 entrevistados) e não poderia aspirar à mesma abrangência que a investigação das autoras. Além disso, há que se levar em conta o fato de que cada estudo partiu de roteiros de entrevista diferentes, embora relacionados, e que os perfis sociais dos jovens são, também, divergentes. No artigo das autoras, as entrevistadas foram divididas em três segmentos etários: 15 a 17, 18 a 22 e 23 a 25 anos (2013, p. 414). O cruzamento de informações realizado aqui precisou desconsiderar essa partição, pois os informantes do presente trabalho tinham entre 20 e 28 anos na data das entrevistas e a sistematização de temas e figuras foi feita sem a diferenciação por idade.

O corpus desta dissertação deu prioridade a informantes negros que tivessem projetos pessoais ou profissionais propositivos no sentido de empreendimentos ou transformações sociais e culturais dentro da sociedade. Os temas juventude, emancipação e visão de adultez fizeram-se presentes nos textos de ambos os trabalhos (neste e nos artigos mencionados). Não deixa de ser intrigante, contudo, o fato de que essas duas investigações, realizadas com jovens de perfis sociais bastante variados, respondendo a perguntas diferentes e em contextos distintos, tenham resultado em configurações bastante semelhantes, no que se refere ao panorama de temas discursivos encontrados.

À primeira vista, a coincidência de alguns temas e de suas forias, encontrada pela comparação dos resultados obtidos pelas autoras e pelo presente estudo, respalda a hipótese de considerar como próprias dos jovens de São Paulo tais associações discursivas. A juventude francesa, representada pelas 36 informantes entrevistadas, vista em comparação com a do país

17 Alves e Cavenaghi (2013) expõem essa importância em seu artigo “Indicadores de desigualdade de

latino-americano, também parece gozar de muitas semelhanças quanto a essas particularidades.

Quando analisam o discurso das jovens brasileiras e francesas, Harkot-de-La-Taille e Bariaud identificam como eufóricos os temas relações amorosas, plenitude (ter), sabedoria, desejo de criar algo, conquistas, desenvolvimento moral, desejo de criar família e desenvolvimento afetivo. Foram identificados como co-ocorrentes nesta dissertação os temas relacionamentos18, sabedoria (conhecimento, no presente trabalho), desejo de criar algo e

conquistas. As entrevistas colhidas para este estudo, por outro lado, excedem essas tematizações, trazendo independência, autonomia, transformação social, cultura, diversidade, beleza, moradia, respeito às diferenças, convívio, colaboração e viagem como temas somente eufóricos.

A coincidência temática nas categorias mistas de euforia e disforia deu-se nos temas mudança, família e assentamento. No que toca aos temas apenas disfóricos, são pontos de convergência entre os resultados deste trabalho e os do artigo os temas pressão social, estresse, rotina (aproximado do que aqui foi nomeado como estagnação / estaticidade) e perda (2013, p. 414).

Apesar de trazer aspectos oportunos para a reflexão, a listagem temática obedece a critérios de classificação que possuem possibilidades descritivas relativamente abertas, o que dificulta um pouco o trabalho de comparação. Outro ponto digno de nota é a problemática da delimitação entre os elementos temáticos e figurativos. Esses conceitos são, até certo ponto, permeáveis, do ponto de vista teórico. Ainda assim, os resultados encontrados são úteis porque trazem uma compreensão panorâmica do campo discursivo tratado pelas entrevistas. Isso facilita a compreensão do objeto de estudo (a emancipação dos jovens) e seus contrastes em relação aos resultados de Harkot-de-La-Taille e Bariaud.

No momento no qual se focalizam as figuras discursivas dos textos coletados, pode-se trabalhar com uma metodologia semelhante à realizada acima, os termos são divididos por suas disposições fóricas. O número de ocorrências encontradas é maior do que o de temas, como era de se esperar, por tratar-se de um nível mais superficial do ponto de vista do percurso da significação.

Tabela 2 – Figuras presentes no discurso dos jovens entrevistados

Apenas eufóricas Ambas Apenas disfóricas

Trabalhar no terceiro setor Enxergar a própria beleza Banda de música Maternidade Namorar

Viajar para outros países, estados, cidades

Querer estar entre amigos

Atuar pela transformação do país, da sociedade e da cidade

Transitar pelo centro da cidade Passear no bairro onde se mora Passar conhecimentos a outros jovens Cultura (capoeira, música, dança, cinema, teatro, literatura, saraus e debates)

Conviver com pessoas de outras idades

Encontrar / proporcionar alternativas ao sistema

Viver em São Paulo / em uma cidade grande

Autoconhecimento Identidade racial

Transitar por vários grupos / comunidades

Produzir cultura Cabelos afro

Redes sociais

Morar na casa dos pais Universidade Arrumar emprego Sair de casa Dependência Vestibular Escola Trabalhar em ONGs Rotina

Falta de estudo na família Zona de conforto

Vergonha do próprio corpo Rejeição por parte de colegas Escola

Bagunça

Preconceito e discriminação racial Morar em local insalubre / de risco Morte de irmão

Faltar comida / passar fome Ônibus lotado

Muitos anos trabalhando na mesma empresa

Trabalhar em empresa de grande porte

Bolsa em escola particular

Cobrança por mais presença na família

Sistema CLT

Viver em cidade pequena Violência policial Violência doméstica Violência racial Racismo Abuso sexual Distúrbios mentais Assistencialismo

Como se vê, a variedade de figuras é relativamente grande e elas encontram-se distribuídas em um número equilibrado entre as articulações apenas da disforia e aquelas apenas da euforia, estando em menor quantidade as que são vistas ora como eufóricas, ora como disfóricas. Mais do que comparar as figuras por quantidade de ocorrências e variedade de campos semânticos, é interessante analisar algumas particularidades que são disparadoras de reflexões oportunas. Primeiramente, as diferentes articulações fóricas dadas aos temas da dependência e da independência são tomadas como foco, na compreensão dos processos de emancipação presentes no corpus.