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3. Narratividade da emancipação nas entrevistas

3.2. Virtualização e atualização nas entrevistas

3.2.2. Modalizações do fazer

3.2.2.1. Querer-fazer

Barros (2002, p. 53) traz um encaminhamento para a problemática postulada por Greimas e Courtés (2012, p. 406), quando estes afirmavam que a semiótica de então não estava em condições de oferecer uma terminologia à lógica volitiva. A autora denomina as posições querer-fazer e não-querer-fazer, respectivamente, como “vontade ou volição” e “má vontade ou nolição”. No que toca ao querer-não-fazer e ao não-querer-não-fazer, propõe que estes se chamem “abulia” e “vontade passiva”, também respectivamente. Como alternativa terminológica às posições do quadrado do querer-fazer, propõe-se aqui a utilização da nomenclatura abaixo, trazendo uma outra forma de nomear alguns dos valores modais volitivos.

Figura 8 – quadrado do querer-fazer

Reconhecendo-se a “falibilidade” das denominações postas acima, dado ser uma iniciativa ainda experimental, ainda assim não parece incorreto valer-se dela para o presente trabalho, tendo em vista a farta ocorrência da modalidade volitiva nos textos analisados e, consequentemente, a oportunidade de verificação do funcionamento da terminologia proposta no âmbito deste estudo. Assim sendo, seguem as explicações para cada posicionamento.

O estado de conjunção com o valor modal do querer-fazer, equivale ao que se propôs denominar disposição, um estado de “abertura” volitiva do sujeito para o fazer. A partir da negação dessa atividade, chega-se ao conceito de indisposição, que seria como um “fechamento recente” do sujeito diante da ação. Para o querer-não-fazer, implicação do não-querer-fazer, manteve-se a formulação de Barros (p. 53), abulia. Esta diferencia-se da indisposição por ser, contrariamente, uma “disposição” do sujeito para a “não ação”. Por fim, o termo reconsideração foi a melhor formulação encontrada para designar a posição esquerda inferior do quadrado modal volitivo. Essa escolha parece responder especialmente bem à ideia de negação da negação, na qual se situa. A elaboração da terminologia acima foi realizada a partir das reflexões sobre o quadrado semiótico realizadas por Bertrand (2003, p. 176). Na obra citada, o autor realiza um resumo didático a respeito do funcionamento do dispositivo teórico e auxilia na compreensão da história de tal metodologia, que é uma das bases fundantes do instrumental da semiótica.

Posto isso, segue o panorama de temas e figuras. A escolha metodológica feita no momento privilegia a obtenção de uma visão de cada articulação da categoria volitiva, segundo a classificação dos elementos discursivos. Os temas, distribuídos em menor número na coluna do meio, estão muitas vezes vinculados a mais de uma figura. As construções figurativas encontram-se na coluna da direita.

Modalidades Temas Figuras

Querer-fazer Formação Cursar universidade Multiplicar formação Transformação social

Transformação Servir de inspiração a outros jovens Multiplicar formação

Transformação social Trabalhar no terceiro setor Trabalhar como autônomo Mudar a história da família Construir os seus sonhos Habitação Morar em casa de laje

Profissão Servir de inspiração a outros jovens Multiplicar formação

Trabalhar como autônomo

Viajar a outros países, estados, cidades Lazer Promover e participar de saraus e debates

Ser artista

Passear no bairro onde se mora Viajar a outros países, estados, cidades Nadar

Relacionamentos Namorar Ter amigos

Não-querer-fazer Formação Estudar

Ganhar bolsa em escola particular Profissão Trabalhar em regime CLT Habitação Morar sozinho

Morar em local inadequado (barraco, insalubridade) Tristeza Morte de familiar

Lazer Nadar Violência Abuso sexual

Querer-não-fazer Violência Não vivenciar rejeição por parte de colegas Não ter que conviver com violência policial Formação Não vivenciar bagunça na escola

Transformação Não ter que usar ônibus lotado

Não-querer-não- fazer

Formação Falta de estudo na família Ter acesso à cultura

Lazer Transitar pelo centro da cidade

Viajar para outros países, estados, cidades Habitação Morar na casa dos pais

À primeira vista, há um quadro até certo ponto equilibrado, com um peso quantitativamente maior de figuras relacionadas à categoria do querer-fazer. Alguns temas repetem-se em diferentes linhas do quadro. Isso deve-se ao fato de terem sido abordados mais de uma vez no corpus, recobertos por diferentes figuras e estando, em cada momento, investindo um tipo distinto de modalidade. É o caso do tema “formação”, que é o mais polivalente, pois chega a ser abordado pelos entrevistados em todos os desdobramentos da categoria do querer-fazer. Outras instâncias temáticas acontecem com mais direcionamento modal.

Ao observar-se a modalidade do querer-não-fazer, verifica-se uma sequência de figuras iniciadas pelas sequências de palavras “não vivenciar” e “não ter que”. Estas expressões que antecedem as figuras discursivas da abulia foram tidas como as melhores formulações linguísticas encontradas para expressá-las. Isso ocorre porque há, nesses casos, no nível narrativo, além da categoria volitiva, uma confrontação modal. Trata-se da contradição entre as categorias querer-não-fazer e dever-fazer, homologação de incompatibilidade contraditória, encontrada em Greimas, também denominada resistência ativa pelo autor (2014, p. 98). Nesses casos, a configuração volitiva está ligada ao ponto de vista do sujeito, e a transferência do valor deôntico a cargo do antidestinador. A contradição que permeia estas duas modalidades é a responsável pela tensão gerada entre o programa e o antiprograma narrativos. Voltando aos comentários gerais sobre o quadro, no nível discursivo, cada manifestação textual traz uma forma diferente de lidar com a situação e de dar encaminhamento aos obstáculos que surgem, variando, por exemplo, no que tange às suas determinações fóricas.