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3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS – B: A PSIQUIATRIA E O ENSINO EM SAÚDE MENTAL

3.11 O ensino da Psicologia Médica

Numa revisão da literatura sobre o ensino da Psicologia Médica com especial referência ao ensino da Psicanálise, os artigos são escassos e destacam as dificuldades da integração do ensino da Psiquiatria com a Psicologia Médica. No

excelente artigo de BROWN e ZINBERG (1982), do American Journal of Psychiatry, os autores discutem 5 fontes de dificuldade na aplicação prática desta integração:

1. diferenças nos valores e, consequentemente, nos sistemas de prática; 2. influências de treinamento;

3. diferenças no manejo das emoções; 4. expectativas conflituosas do paciente; e

5. limitações no grau de intimidade tolerável nas relações profissionais. Estes autores discutem pormenorizadamente as fontes dessas dificuldades de integração, referindo-se clara e continuamente a “abordagens psicoterapêuticas”, recordando que o foco no diagnóstico da “doença” leva os médicos a pensar em termos de exclusão, refletindo “a atitude na qual o diagnóstico ou implica a ação ou sugere ação futura”. Referem-se a uma “incompatibilidade sistêmica” das práticas médicas e psicológicas, descrita por Brodsky (apud BROWN, 1982, p. 1579).

Ainda referem-se a estrutura do “caráter” e de “personalidade” dos pacientes, sem se deter nesses conceitos. Citando-os:

“Sem este conceito estrutural, o médico fica facilmente distraído ou incomodado por esta aparente irracionalidade do paciente em se queixar do que eles consideram questões relativamente menores enquanto ignoram a melhora pertinente.” (BRODSKY apud BROWN, 1982)

Apontam o fosso entre as práticas médicas e psicológicas, denunciando a tendência de encaminhamento dos pacientes:

“Embora nem sempre viável, interconsulta psiquiátrica fora do setting tradicional, estendida aos ambulatórios, pode fazer uma ponte neste fosso entre as práticas médicas e psicológicas e evitar a abordagem obviamente inapropriada e inchada de encaminhar todo paciente com um problema psicológico.” (BROWN, 1982) Concluindo, endossam o ponto de vista de Gill (apud BROWN, 1982, p. 1580): “Esta mudança de modelo parece requerer uma extraordinária habilidade; mas pode ser que se os dois modelos forem rigorosamente definidos, a tarefa vai se tornar mais fácil.”

Em KAPLAN (2003), pode-se ver a importância dada ao estabelecimento do “rapport”. No capítulo “O relacionamento médico-paciente e técnicas de entrevista”, item “Entrevistas psiquiátricas contra médico-cirúrgicas”, encontra-se o subitem “estabelecimento do “rapport”. Entre as estratégias definidas por Othmer e Othmer (apud Kaplan, 2003, p. 18-19) para estabelecimento do rapport, temos: “avaliar o insight do paciente e tornar-se uma aliado.” Em seguida, estes autores fornecem uma lista de verificação de 31 itens para permitir ao médico avaliar suas habilidades

para o estabelecimento e manutenção do rapport, entre os quais: “Tomei

consciência do nível de insight do paciente.”

Em que consiste essa avaliação do nível de “insight” do paciente?

Os autores não formulam, entretanto, de que maneira deve ser avaliado esse nível de “insight” do paciente. Em que se baseia esta avaliação? Na “personalidade”, no “caráter”, no Quociente de Inteligência (Q.I.), na cultura, no próprio chamado “rapport”, na capacidade de comunicação do médico e do paciente, ou em quais fatores mais exatamente?

As definições dos conceitos de “personalidade” e “caráter”, que se encontram nos livros de Psicologia, por sua vez, implicam forçosamente num julgamento subjetivo por parte do examinador. Portanto, conclui-se ser absolutamente inafastável, na entrevista psiquiátrica, o ponto de vista do observador, o que deixa margem para avaliações subjetivas discrepantes e julgamentos moralistas e preconceituosos.

LOPEZ-IBOR (1999), em excelente revisão sobre o ensino da Psicologia Médica, também aponta várias dificuldades, relatando a divisão histórica entre a Psicologia Médica e a Psiquiatria:

“Na Espanha, a divisão entre Psicologia Médica e Psiquiatria é tradicional desde 1944. Esta separação da aprendizagem permite destacar aspectos essenciais da prática clínica geral sem confundi-los com o ensino de uma especialidade concreta. A tradição espanhola insiste em que a Psicologia Médica não é uma propedêutica da Psiquiatria, mas que surge de uma necessidade da prática clínica.” (LOPEZ-IBOR, 1999)

Este autor, mais uma vez, se apóia na introdução de um novo princípio, que ele chama de “personalidade”. Entretanto, não discorre sobre o que consistiria este conceito. Esta é sua proposta: “É necessário introduzir um novo princípio, que não é

o das ciências naturais, mas que procede de outro ramo das ciências, das que se chamam culturais e históricas, e este princípio é o da Personalidade.” (LOPEZ-IBOR,

1999, p. 99)

Na trilogia Biopsicossocial, originalmente proposta por Dejarlais et al (apud Lopez-Ibor p. 102), temos: “A patologia social, as situações exacerbantes e os

problemas de saúde, entre os quais se incluem a depressão, doenças relacionadas com o stress, comportamentos que contribuem a doenças crônicas, etc.”

Nesta citação, percebe-se como os sintomas são vistos como “doença”. Mais à frente, referindo-se à medicina Psicossomática: “As ‘doenças psicossomáticas’

poderiam aparecer ou descompensar-se coincidindo com estresses ambientais.”

(LOPEZ-IBOR, 1999, p.129)

Assim, pode-se constatar uma confusão do conceito freudiano do “trauma” com o stress ambiental ou agente desencadeante, o que favorece o conceito do corte transversal proposto pelo perfil biopsicossocial, sem levar em consideração o fator temporal e do “a posteriori” na constituição do sujeito e dos seus sintomas. Os acontecimentos vitais estressantes são entendidos como os desencadeantes das doenças psicossomáticas, as quais são “os correlatos vegetativos das emoções”:

“Em essência, a patologia psicossomática é uma patologia das emoções e seus correlatos vegetativos.”

O autor aponta uma relação entre traumas psíquicos infantis e predisposição no adulto, mas destaca o fracasso da patologia psicossomática de orientação psicanalítica ortodoxa (LOPEZ-IBOR, 1999, p. 136). A teoria da especificidade do conflito psíquico, proposta pela escola de Chicago ou de Alexander, propôs uma “linguagem dos órgãos”, o que não foi confirmado na prática e por isso caiu no descrédito. “A patologia psicossomática psicanalítica mais pura, a da escola de

Alexander, não conseguiu seu objetivo de psicologizar a medicina por várias razões.”

(LOPEZ-IBOR, 1999, p. 136).

O autor conclui dizendo que “o tratamento analítico é inespecífico, igual para

todos”, ao que ele atribui a razão necessária para a mudança do rumo das

investigações. É importante ressaltar que toda essa concepção de psicossomática se coaduna com o modelo biopsicossocial de Engel e se fundamenta numa visão da psicanálise ortodoxa vista com finalidade terapêutica ou psicoterápica. Lopez-Ibor insiste no conceito mal-definido de “personalidade” do “doente”, preocupando-se em

“como o indivíduo se adapta a alterações biológicas e psicológicas”. A teoria geral

dos Sistemas propostas por Von Bertalanfy (apud Lopez-Ibor, 1999) é endossada por ele, com a proposta de análise de sistemas que se organizam de maneira hierárquica, com uma estrutura de sistemas de processamento de informação que altera o sistema de decisão e impede o desenvolvimento normal da “personalidade”. (LOPEZ-IBOR, 1999)

Admite-se que a escuta do doente seja necessária pois, aliada aos medicamentos, pode ser mais um recurso terapêutico a ser empregado. Entretanto, o estatuto desta “escuta” não ficou bem esclarecido ou determinado.

3.12 Escuta enquanto vista como “Terapêutica”

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