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Para quê, então, a Psicologia Médica? 1 A degradação da Psicanálise

3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS – B: A PSIQUIATRIA E O ENSINO EM SAÚDE MENTAL

3.15 Para quê, então, a Psicologia Médica? 1 A degradação da Psicanálise

As noções de Psicanálise, incorporadas gradativamente aos currículos de Psicologia médica, tentaram de certa forma fazer um certo contraponto a esta concepção transversal do desencadeamento dos quadros. Entretanto, sob a égide da Psicologia do Ego americana que, por sua vez foi herdeira das contribuições Kleinianas e Anna Freudianas (KAPLAN, 2003, p.246), a chamada “Psicodinâmica” de Gabbard (apud KAPLAN, 2003, p. 772) tentou compatibilizar estas concepções desenvolvimentistas do Ego – denominadas estágios psicossexuais – para se coadunarem com a idéia de uma evolução e amadurecimento da personalidade segundo um estadiamento psicossexual que seria correlato do desenvolvimento neuro-cognitivo-comportamental.

Foram incorporados canhestramente ao jargão psiquiátrico termos técnicos psicodinâmicos tais como: “complexo de Édipo mal-resolvido”, “regressões” e “fixações” em etapas anteriores do desenvolvimento, com a utilização sistematizante dos “Mecanismos de defesa do Ego” propostos por Anna Freud.

Assim, a concepção tranversal do Perfil bio-psico-social foi aperfeiçoada pela concepção desenvolvimentista, com o advento de propostas para a colheita da história de vida do paciente, como a da chamada “Anamnese Biográfica” (CALDEIRA e MARTINS, 2001, p. 113). Em que pese a relevância e o mérito desse esforço de conjugar a teoria psicanalítica com a Anamnese tradicional, a conotação “biográfica” remete à concepção desenvolvimentista que tende a se ater ao tempo cronológico, estabelecendo uma “cronoligização” dos fatos atrelados a uma pressuposta realidade consistente, que ignora o “tempo lógico” do inconsciente e sua ressignificação no “a posteriori”. (LACAN, 1998, p. 197-213).

No âmbito desse paradigma desenvolvimentista chegou a florescer nos meios acadêmicos, como artifício didático para o ensino dos conceitos freudianos de Consciente e Inconsciente, tendo se difundido entre os alunos, uma analogia grosseira com os conceitos extraídos da informática de “Software” e “Hardware.”

Vejamos como os autores se pronunciam:

“Tomando o computador como uma analogia, podemos entender o dito lacaniano de que “o simbólico pré-existe” pensando que este enunciado pode ser comparável ao software windows de um microcomputador, que é o programa de uma ambiente prévio, necessário ao funcionamento de outros programas, tais como o word, o excel, o power-point, o corel, etc. De início há o hardware, o corpo bruto e material do computador, com suas placas, espécies de matrizes capazes

de receberem inscrições, e o software windows ou o programa prévio, possibilitador de que os outros programas possam ser instalados num arquivo de memória. Estes são elementos capacitadores e possibilitadores `espera de imagens e de palavras que sejam digitadas e registradas, produzindo um texto. É assim que se forma o campo do imaginário – efeito de imagens – e o campo do simbólico – efeito de palavras.” (CHAVES, in: CALDEIRA e MARTINS, 2001. p.27) E acrescentam, mais adiante: “Pode-se dizer que o resultado de toda essa operação da origem mítica do ser humano engendra uma matriz simbólica, comparável a uma espécie de ambiente windows de um computador, onde ficarão registrados o que é da ordem do real (pulsão), o que é da ordem do imaginário (imagem) e o que é da ordem do simbólico (palavra). Uma vez registrados, inscritos, nessa matriz original, contituirão a estrutura de funcionamento do ser humano.” (CHAVES, in: CALDEIRA e MARTINS, 2001, p.42)

Esta rudimentar analogia até se poderia fazê-la, muito forçadamente, à teoria da “Bejahung” de Freud, construída por ele em seu artigo “A Denegação”, em que o sujeito neurótico teria inscrito, no juízo de atribuição, esse primeiro tempo de afirmação (“Behajung”). Valas (1990) diz claramente:

“A foraclusão (Verwerfung) incide sobre este primeiro tempo, no qual a realidade é rejeitada, foracluída (Verworfen), de sorte que o sujeito, não dispondo se sua representação sob forma de traços no inconsciente, não pode recuperá-la em seu novo encontro com ela.” (VALAS, 1990, p.94).

Ou seja, diversos autores da área da psicossomática desconhecem as diferenças entre as estruturas clínicas Neurose, Psicose e Perversão, tratando a todos os seres humanos como iguais na constituição do sujeito psíquico, como se fora uma mera questão de desenvolvimento libidinal.

Além disso, desconhece-se sistematicamente a diferença entre os conceitos de “Nível neurológico de Consciência” e o conceito qualitativo derivado da fenomenologia jasperiana de “Consciência do eu”, confundindo-se totalmente. Essa confusão talvez pudesse ser evitada com o aprimoramento da formação teórica dos psiquiatras, nas áreas da Neurologia e da Fenomenologia.

Estas noções toscas e reducionistas, numa violenta deturpação e degradação da psicanálise, além da pretendida simplificação teórica, oferecem a disposição de se adequar aos mecanismos das neurociências adotados pelas Terapias Cognitivo- Comportamentais (TCCs).

Posicionadas apenas sob o enfoque psicoterápico, estas concepções ficaram desmembradas do ofício médico para servir às conseqüências inevitáveis: como os médicos não são preparados para este tipo de atendimento, que não é realmente da sua alçada, eles se sentem aliviados ao encaminhar o paciente.

Não é raro que este encaminhamento seja feito quase que às escuras do ponto-de-vista diagnóstico, como uma forma do médico amortecer a angústia de sua

impotência e de sua ignorância. O papel do médico, nesse paradigma que é encampado pela medicina de massas do Sistema de Saúde, não raramente passa a se reduzir a prescrever psicofármacos e encaminhar para uma psicoterapia, se possível.

Este é o panorama que se descortina ao ver o desamparo do médico ao fazer os atendimentos em saúde mental, o que certamente deve contribuir para os “Estresses específicos do médico” citados no início deste texto. Por tudo isso, surgiu a questão: se o médico não vê vinculação entre os conceitos da psicanálise e as propostas terapêuticas, se sentindo despreparado e impotente para fazer qualquer coisa além de prescrever e encaminhar, para quê então estudar Psicologia Médica?

Em suma, o risco dessas concepções reducionistas e degradadas da psicanálise serem veiculadas no ensino de Psicologia Médica no currículo impede por si mesmo que sejam totalmente integradas à concepção da prática médica. Assim, o ensino da Psicologia Médica, no relato de diversos alunos, tem contribuído pouco para a clínica nos moldes atuais.

3.15.2 A introdução do sujeito psíquico na relação médico-paciente: uma relação “médico-sujeito”

Acreditamos que poder-se-ia contribuir partindo de uma outra concepção, tal como foi formulada pela psicanálise lacaniana, para introduzir uma nova possibilidade de se aproximar de uma concepção do sintoma psíquico.

Essa concepção autoriza a esquematizar o surgimento do sofrimento psíquico da seguinte forma:

Pode-se incluir o sujeito psíquico como uma dimensão que interfere, como uma variável, na expressão sintomática de quadros fenomenologicamente indistinguíveis entre si. Nesta concepção, os sujeitos não se diferenciam apenas

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