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8.8 Pontos de virada e mudanças

8.8.1 A contraposição do segundo caso ao primeiro: a falta do Édipo

Al. 1: – “O outro é que fica muito gritante. Esse além do delírio, né? Porque eu também não sei se ela deixa de delirar quando ela fala que é normal, sabe? É o resto que está além do delírio. Tudo fica gritante, fica muito diferente, não dá pra

passar batido quando você vê.”

Al. 10: – “Ela sempre fugia, ou sempre negava; não sei se negava é a palavra pra sentimentos, mas ela não abordava esses sentimentos...É como se ela fugisse, não tem, não dá pra construir Édipo igual dá pra construir no neurótico. Você não

tem as características que te remitam a Édipo, sabe? Identificação com um dos parentais, sabe? Ela não dava pra perceber isso na fala dela.”

Al. 5: – “Depois que você perguntou se ela tinha sofrido algum tipo de violência, ela falar que não. Ela falar que ela não ficou com raiva da mãe por causa disso... Se ela fosse neurótica, teria que ter um ódio, ia criar algum sentimento em relação à mãe.”

Conclusão da aluna-colaboradora: “Não é o “trauma” que faz a pessoa surtar.”

Este “ponto-de-virada” no processo de construção da pesquisa-ação foi a comparação entre os dois casos. Somente após esta comparação entre os dois casos, vivenciada a partir da segunda entrevista – com o paciente de estrutura psicótico, é que o aluno se desprende do conceito anterior de “trauma” e deduz a diferença entre as estruturas. Este foi um momento fecundo de elaboração do novo conhecimento.

8.8.2 A pergunta a mais

Os alunos perceberam que, ao se colher a História de Vida, com o objetivo de se poder formular uma hipótese diagnóstica qualitativa precoce, é necessária a formulação de uma pergunta a mais: “Por quê?”

Vejamos como mudaram suas percepções tanto da relação do paciente com o médico, quanto com sua própria doença.

Al. 3: – “Eu espero que as pessoas parem de pensar assim: ele é obeso porque ele come, ele quer comer e ele não quer melhorar.”

A pergunta a mais: Al. 4: – “Era simplesmente um piti. A paciente não tinha mais nada. Mas por quê que ela fez isso? Não é uma coisa especialmente normal a paciente dar um piti.”

Al. 6: – “O foco da psicoterapia: tipo assim, do escutar só, sem tentar fazer diagnóstico nenhum.”

Al. 8: – “Eu atendia um menino que o pai tinha morrido há um mês e o menino estava assim tipo ótimo, sabe? Achando lindo estar dormindo na cama com a mãe. Se fosse nesse período, era uma paciente que eu ia querer fazer uma colheita de história, para realmente saber o quê que estava levando ela a isso.”;

Percepção da estrutura familiar influenciando a criança: Al. 8: – “Na Pediatria eu fiquei impressionada: eu nunca tinha visto como que a avó ou mãe...a gente trata

de criança, mas na verdade você está atendendo o adulto, né?”; – “Ficou tão claro isso, como que a estrutura da família, como que o pai e a mãe, como é que a casa se forma, aquelas confusões, como que isso influencia, sabe?”

O por quê: Al. 8: – “Os colegas não sejam capazes de entender as individualidades, sabe? Que pelo menos exista um por quê. Às vezes a gente não sabe um porquê, mas as vezes a gente pode imaginar e falar: se isso não está tão assim, é porque deve ter alguma coisa aí, sabe?”

8.8.3 Revisão dos conceitos de “Normal” e “Patológico”

Pode-se constatar ter ocorrido uma revisão dos conceitos quantitativos de “Normal” e “Patológico” em Saúde Mental, que anteriormente eram atribuídos a pretensas “doenças”, para o conceito qualitativo de diferenças estruturais, como veremos a seguir.

Partimos do princípio de que todos somos iguais: Al. 8 – “A gente tem que ficar atento porque não tem só neurótico, só normal em consultório, eu acho que tem uns mais complicados, sabe?”

Confusão entre estrutura psíquica e constituição biológica: Al. 8: – “O conceito anterior de “estrutural” era como “constitucional”: “Achava que era uma coisa tipo meio “estrutural” assim, sabe? Só porque não descobriram ainda o defeito do cérebro.”

Conceito de “Psíquico” como doença: Al. 8: – “Eu imaginava que era só uma coisa funcional, achava que era um trem que estava no cérebro assim...que daqui a algum tempo ia existir um exame que mostrava...que todo mundo ia concordar que isso era uma doença.”

Conceito de “patologia” como fuga para o preconceito em SM: Al. 8: – “É difícil você falar que você tem esquizofrenia que se tem que tratar, sabe? Então eu achava que a solução da Psiquiatria era que todos os exames provassem e aí depois eu vi que não era assim, igual eu imaginava que era.”

Comentário da aluna colaboradora: “A entrevista ajuda a ir além, a perceber a dor, a queixa do paciente, mesmo que não seja curável ou tratável, aquela queixa para a qual estamos preparados. Aquela queixa que a gente diz, por exemplo, que ‘a dor não é real, não existe’.”

Al. 4: – “Uma colega acha que SM é um mais profundo assim, um pouco íntimo demais, né, se comparado com outras matérias, mas você vê que a maioria dos pacientes até gosta, né? Nossa!... Elas se dispuseram e se sentiram super- felizes de estar fazendo isso.”

Comentário da aluna voluntária: “O desconhecimento é que faz o médico dar essa conotação de íntimo, profundo, intocável, inalcançável. É você que fica constrangido, porque isso invade a sua própria intimidade.”

Al. 6: – “Dependendo da abertura que o paciente te deu, eu não enxergo como uma invasão. Invasão para mim seria o paciente colocar barreira: Não quero falar sobre isso.”

Al. 7: – Diminuiu o medo de “prejudicar” o paciente: “Creio que é possível a gente conversar sem prejudicar o paciente... A gente não vai injetar nada no paciente”

Escrúpulos por “usar” o paciente: Al. 7: – “Tá! Fez o diagnóstico, e aí? Nós vamos deixar o paciente no posto?”

Mudança: Al. 7: – “Depois do caso da Nadia não se perguntou mais isso, porque viu a utilidade”.

8.8.5 Desaparecimento do medo de perguntar: “Alívio”

A mudança na expectativa e na intenção psicoterápica ficou patente, aliviando o peso da responsabilidade de ter que “resolver o problema” para o paciente, sem desresponsabilizar o médico pela condução e acompanhamento do paciente dentro desta nova perspectiva, como vemos:

Al. 1: – “Tirou um sofrimento de ter obrigação de ouvir todo mundo e assim sem saber se ia ajudar ou não.”

Al. 6: – “Selecionar os pacientes que ele vai ter uma vantagem fazendo isso”. Concordando com Winnicot (1993): Al. 3: – “O objetivo não é você dar conselho, não é terapia.”

A mudança de concepção alivia o peso da responsabilidade: Al. 3: – “A gente estava achando que tem que resolver e não era isso, que não era resolver, não era

fazer a terapia, que era abordar e chegar como um todo e a partir dali nortear as

condutas mas não determinar tudo... que você não vai ser o “guru” espiritual do seu paciente.”

Al. 3: – “A colega “ficava com medo de ouvir tudo que o paciente tinha, acho que ela começava a se encontrar com as coisas do paciente, não queria mais ouvir. Mas agora vê que não é ouvir pra absorver tudo, nem pra resolver tudo.... foi bom para estabelecer uns limites.”

Mudança de objetivo da intenção terapêutica para o diagnóstico: Al. 6: – “Só no final do curso que a gente realmente pegou que o negócio, a intenção não era

fazer psicoterapia.”; – “Pode ser que você não está ali para ficar consolando o

paciente, sabe?”

Percepção dos limites do médico: Al. 6: – “Hoje acho que não está tanto nas nossas mãos... até que ponto que a gente pode ir e até que ponto que a gente tem que parar e falar assim: daqui pra frente eu acho que não sou eu mais que vou resolver esta situação.”

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