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4. O ANO LETIVO NUM TGV

4.2 Entre reflexões capitulares

4.2.1 Combate às dificuldades encontradas

4.2.1.10 Entre a teoria e a prática – o papel da reflexão

“Teoria sem práxis é vazia e práxis sem teoria é cega!” (Erdmann, citado por Mesquita, 2006, p.160)

Teoria e prática assumem uma relação de complementaridade mútua. No entanto estas não se avocam como congruentes, pois a justificação da teoria e a inovação da prática constroem um caminho de constante evolução e conhecimento.

“Pensar, imaginar e compreender a prática, quer seja produtiva (atividade produtora de coisas reais), quer seja moral (ação concretizadora de valores ideais) – eis a função da teoria” (Bento, 1995, p.48). O mesmo autor acrescenta que “a prática pertence à esfera do pôr em prática, do realizar,

exercer, fazer e exercitar o que previamente foi pensado e, quiçá, teorizado”.

Colocar em prática o conhecimento declarativo que assimilei ao longo do meu percurso académico e da vida, é sem dúvida um motivo catalisador deste meu sonho de ser professor. Adequar o modo de atuar, as atividades de aprendizagem, conseguindo intrometer todos os princípios pedagógicos que me tinham sido transmitidos, foi um grande desafio.

Ramos et al. (2008) salienta a necessidade de distinguir o conhecimento declarativo do processual, expondo que “o conhecimento declarativo refere-se

a um conhecimento semântico, descontextualizado dos fatos e de relações de entidades com o meio ambiente. Por outro lado, o conhecimento processual faz referência ao conhecimento ou memórias sobre os episódios e eventos que ocorreram em um momento específico” (p.165). Ambos os conhecimentos são

fundamentais para o desempenho do professor. Este deve possuir saberes acerca do conteúdo a lecionar, bem como das estratégias a aplicar para a criação das melhores condições no processo ensino-aprendizagem. Estas estratégias provêm do conhecimento pedagógico, de todas as vivências acumuladas pelo professor, e também da reflexão acerca da sua ação.

Cardoso (2009, p.10) refere que “a preocupação com a prática deve

basear-se na compreensão mútua situada na ação e na procura da teoria que sustente essa ação. Trata-se de um saber e de um saber-fazer que apele à

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atuação inteligente e criativa e permita ao docente atuar em contextos diferenciados (instáveis, indeterminados e complexos), num permanente diálogo com a realidade que a cada momento se lhe depara. A reflexão deve, portanto, ocorrer antes, durante e depois do ato educativo”. A reflexão acerca

da prática surge assim, como um ato determinante no crescimento do professor. Nos momentos iniciais do meu EP, fui continuamente incentivado a refletir acerca da melhor forma de chegar aos meus alunos, de melhorar as minhas aulas, complementando com uma investigação teórica e sustentada. Este incentivo desencadeou uma dependência de me interrogar acerca de tudo, que me levou a outro patamar de conhecimento.

A reflexão prévia à minha ação, na elaboração do plano de aula, constitui-se determinante na prevenção de situações menos adequadas à turma, facilitando a minha abordagem à aula.

No decurso da aula, senti por vezes necessidade de modificar situações de aprendizagem, de atuar segundo estímulos provenientes dos meus alunos. Esta necessidade enquadra-se na reflexão na ação, onde prevendo a reação dos alunos, fruto de um maior conhecimento, e valorizado pelas experiências passadas, procurava corrigir possíveis erros observados. Acerca deste ponto, segue-se um excerto que carateriza este cuidado:

“(…) as decisões tomadas no momento de aula, sobre o “calor” da mesma, são fruto de experiências vividas e de um conhecimento mais profundo acerca da turma, onde o professor, quase inconscientemente, altera de forma a conseguir uma melhor e maior resposta por parte dos seus alunos. A consciência destas decisões, bem como um aumento preventivo na construção da aula, vão sendo aprimoradas com o acumular de vivências, pelo que a minha prática tem sido fundamental para as conseguir.” (Reflexão nº26 – Experiência e tomada de decisão, 10 de Janeiro de 2013)

À posteriori da minha ação, ocorre a reflexão sobre a mesma. Sem descurar as anteriores, esta identifica-se como a que mais contribuiu para a minha evolução. A procura de soluções aos problemas encontrados na prática,

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isto é, durante a lecionação da aula, conduziu-me a aprender a experiência. Contudo, como referem Batista e Queirós (2013, p.45) “aprender com a

experiência não é simples, não é fácil nem necessariamente enriquecedor, a reflexão sobre a ação carece, por isso, de apoio, de desenvolvimento de competências, de aconselhamento da experiência refletida e de ideias penetrantes para ajudar a extrair lições da prática”. A realização dos

seminários de núcleo de estágio, bem como conversas informais tidas com as minhas colegas e, principalmente com o meu professor cooperante, suportaram as dúvidas suscitadas e contribuíram intensamente para a construção de uma identidade profissional.

4.2.1.11 Preocupações no processo de ensino-aprendizagem: a importância de definir níveis

A perspetiva salientada exteriormente à profissão de professor, onde a sua principal função é a transmissão de conhecimento e, mais especificamente na disciplina de EF, a prática única do jogo, está muito longe da realidade, quando a palavracompetência é atribuída ao professor.

A heterogeneidade na aptidão desportiva apresentada pelos alunos, devido a diferentes vivências de práticas desportivas, bem como a diferentes ritmos de aprendizagem e disponibilidade para as modalidades, é uma preocupação determinante do professor na aula de EF. A análise e sensibilidade do professor são aspetos fulcrais para a direcionalidade correta do processo ensino-aprendizagem. Deste modo, “deve-se conhecer o aluno a

fim de poder oferecer atividades que estejam de acordo com o seu desenvolvimento, ou seja, não se pode trabalhar com graus muito elevados ou muito baixos de complexidade” (Belotti & Faria, 2010). De outra forma, deve-se

adequá-los às necessidades dos alunos, promovendo a motivação através da criação de desafios.

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Este tema surgiu do dever que sentia em possibilitar aprendizagem a todos os meus alunos. As diversas inquietações traduziram-se em reflexão, conduzindo-me a uma maior eficácia no processo ensino-aprendizagem.

Partindo dos factos expostos, a primeira questão levantada foi: será que no planeamento das minhas aulas de EF, todos os alunos deverão executar a mesma situação de aprendizagem? Acredito que não. Este não será o caminho a seguir para o desenvolvimento dos meus alunos. Um dos grandes desafios do professor é procurar descentrar-se do todo, da generalidade da matéria em questão, dando maior enfoque à criação efetiva de condições de aprendizagem para os alunos. A diferenciação que devo encontrar em cada aluno não é sinónimo de desvalorização, mas sim de especificidade. Isto porque, percebendo os diferentes momentos de aprendizagem de cada aluno, da etapa em que este se posicionava, permitiu-me direcionar determinada exercitação no sentido de este cumprir uma correta progressão de aprendizagem.

Apesar da pouca experiência acarretada, senti com o prosseguir das aulas, a necessidade de especificar as atividades de acordo com o nível de desempenho dos alunos. Isto porque, em situações de aprendizagem simples, frequentemente observava desconcentração nos alunos com maior nível de desempenho. Inversamente, a incapacidade de ter sucesso em determinada atividade associava-se à desmotivação e à falta de empenho nas aulas. “A

adequação das exigências das tarefas motoras à capacidade de resposta dos praticantes tem surgido de forma particular na agenda da investigação, centrada na eficácia pedagógica do ensino das actividades desportivas, constatando-se que a inadequação das tarefas ao nível dos praticantes, isto é serem demasiado fáceis ou difíceis, dificulta a progressão na aprendizagem”

(Graham, 1987; French et al., 1991; Rink et al., 1992; Macedo et al., 2003, citados por Mesquita et al., 2009, p.948). Estes factos são grande parte dos problemas que um professor deve anular.

A frase tão ouvida e pronunciada entre os agentes da formação desportiva de não ultrapassar etapas é completamente aplicada à EF. Um aluno só pode avançar para a etapa seguinte se tiver efetivamente consolidado a anterior. A vontade de que o aluno aprenda, que evolua o seu desempenho,

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levava-me a querer introduzir uma nova habilidade motora, que o aluno efetuasse novas tarefas, quando o aluno ainda não estava pronto para tal. Penso que este erro é bastante frequente nesta etapa inicial da formação do professor, pelo qual deve incidir todo o cuidado, pois respeitar o ritmo de evolução e de assimilação de cada aluno é determinante para o sucesso da sua aprendizagem.

Outro facto que denoto em variadas situações é a procura quase incessante da eficácia nas tarefas propostas. Concordo que a eficácia seja uma componente determinante para a obtenção do sucesso do aluno, mas não a única. O sucesso engloba também outra componente, a eficiência, sem a qual a eficácia mais elevada é inexistente. O feedback positivo sobre um aluno que lançou ao cesto ou colocou a bola do outro lado da rede conseguindo efetuar ponto, mesmo quando a qualidade do gesto técnico foi nula, é bastante comprometedor na evolução do aluno. Esta rotina de fazer erradamente, mas com eficácia será criada e, na maioria das vezes, o aluno avança para a etapa seguinte sem ter consolidado a anterior. Apesar de durante as primeiras fases de aprendizagem o aluno tenha “sucesso”, pois é eficaz, este irá diminuindo com o avanço da complexidade e qualidade do jogo. Penso ser um problema bastante enraizado, sobre o qual deverá incidir um processo reflexivo, analisando se as vantagens superam as desvantagens. Estas são preocupações que devem estar inerentes à qualidade do processo de ensino- aprendizagem.

Na realização do trabalho por níveis de aprendizagem, existem também inúmeras vantagens para o professor. Partindo do princípio que a criação de condições propícias à aprendizagem dos alunos é a principal vantagem, a organização e controlo da aula também são de salientar. Concluí com este método que, a cooperação entre os alunos é mais significativa, pois nenhum se sentia inferior no seu grupo. Além disso, a minha participação na aula era mais incisiva e direcionada, pois facilitava-me a rápida adequação do feedback em cada grupo.

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