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4. O ANO LETIVO NUM TGV

4.1 O centro do meu Estágio Profissional – os meus alunos

Somente aquilo que passou por uma emoção, evocou-nos um sentimento profundo e provocou cuidado em nós deixa

marcas indeléveis e permanece definitivamente em nós.

(Boff, L., 2005, p.33)

A primeira experiência com um novo contexto, um novo espaço regido por regras e responsabilizando com novas funções, necessita de um conhecimento abrangente acerca do mesmo. É fundamental que o sujeito conheça não só a cultura da instituição, como também as caraterísticas dos agentes que incorporam a sua função. Só assim será possível uma adaptação coerente e eficaz, de modo a que os objetivos possam ser formulados e o processo de “transformação” possa ter início.

O sujeito referido acima é atribuído ao professor que para o estabelecimento das suas metas e o respetivo planeamento, necessita de um conhecimento detalhado acerca da sua “matéria-prima”, os alunos. Também a adaptação à cultura escolar e da própria comunidade, antecipa um conhecimento geral acerca do possível ambiente escolar a encontrar. Por este facto, previamente antes de iniciar o ano letivo recorri à leitura de documentos vitais à escola, como o regulamento interno, o projeto educativo da escola e o projeto curricular da escola.

Segundo Freire (1996, p.77), “toda prática educativa demanda a

existência de sujeitos, um, que ensinando, aprende, outro, que aprendendo ensina”. "Isso significa que deve haver a interação entre o ensino e a aprendizagem e que, a educação provém da relação entre professor e aluno”.

O aluno integra uma posição fundamental, elevada, quando olhámos para a importância que este tem na escola. Como é referido por Rolim (2013, p.62), a realidade da turma e os respetivos alunos, são definidos como um dos três pilares caraterísticos do EP. Também Santaella (citado por Nascimento, 2006, p.196), ao dividir os conhecimentos profissionais em três grupos de competência, incorpora o conhecimento do contexto, onde para além do

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domínio sobre as principais caraterísticas do funcionamento educativo e desportivo, inclui o conhecimento sobre as necessidades, expetativas e interesses dos sujeitos a perspetivar a intervenção. Sem dúvida este foi um pilar fundamental nesta minha experiência enquanto professor, onde o assumo como o mais complexo e gratificante.

O aluno é um ser possuidor de uma personalidade, de cultura, valores axiológicos, conhecimentos e opiniões. É alguém com mais ou menos experiência em determinada atividade, com os seus interesses e paixões, com as suas motivações. Deste modo, o processo de aprendizagem assume um papel cooperativo entre o professor-aluno, entre o aluno-professor e entre aluno-aluno. A forma como as aulas foram planeadas, como adaptei a minha forma de comunicar, de instruir, de agir, completam uma fonte de preocupações constantes centradas na eficácia que tinha sobre os meus alunos, isto é, para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.

No início do ano letivo, distribuí a cada aluno uma ficha de caraterização, para reunir a informação básica acerca dos mesmos e, mas especificamente a sua relação com a disciplina. A minha turma continha trinta alunos inicialmente, passando a vinte e nove no segundo período, devido a anulação de matrícula por parte de uma aluna. Correspondente ao primeiro ano do ensino secundário, caraterizava-se por ser maioritariamente feminina (vinte e quatro alunas) e bastante heterogénea. Esta heterogeneidade diz respeito à maturação, à aptidão física e competência desportiva, bem como à excelência demonstrada por alguns alunos em todas as disciplinas e a alguma mediocridade apresentada por outros. O escalão etário da turma situava-se entre os dezasseis e os dezoito anos, contendo três alunos repetentes e dois que optaram por alterar o curso específico a seguir.

Em conversa com amigos experienciados neste ano de EP, bem como em seminários do núcleo de estágio, as caraterizações eram repetitivas. Sendo o primeiro ano de estudos num ciclo de ensino, a probabilidade de os alunos serem provenientes de outras escolas, com outros hábitos, com outras regras, tornava-se um ponto de partida a respeitar, pois teríamos a tarefa de formar os alunos adaptando-os à nossa escola. Após a confirmação desta hipótese,

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formulei imediatamente uma preocupação inerente durante as minhas aulas, a criação de rotinas. Note-se o registado no meu bloco de notas:

“(…) Seria facilitador se o aluno viesse para a escola formatado para aprender. Chegar, sentar, questionar se fosse motivo e cumprir. Mas não é isso que acontece. Somos nós enquanto professores que temos que criar as rotinas.” (23 de Outubro de 2012)

O primeiro contacto com a turma foi um momento único, onde além de me sentir entusiasmadíssimo por estar em frente aos meus primeiros alunos, também perspetivei o longo trabalho que teria a implementar hábitos comportamentais. A turma afirmava-se como bastante participativa e ao mesmo tempo irrequieta, onde não pairava a má educação, mas onde a distração era caraterística. O motivo seria a afirmação de alguns alunos perante a turma, procurando se tornar mais engraçados. Assumindo que um professor nunca desiste dos seus alunos, que não é punidor, mas sim educador, estratégias de atuação e de tomada de posição assertivas seriam e forma imprescindíveis. Carecia a criação de um vínculo, como explanado no excerto seguinte:

“Com o avanço da aula, procurei criar o tal compromisso nos alunos, sensibilizando-os para as normas regulamentares e deveres de civilização. A tendência nestas aulas é os alunos não darem muita importância ao que está a ser dito, pois é algo semelhante todos os anos e que, pensam eles, toda a gente sabe. A questão fulcral, penso eu, é procurar sensibilizá-los através de exemplos práticos que se aproximem do seu quotidiano, que os coloque nessas determinadas situações, a tal envolvência, procurando criar neles um pouco de reflexão, que visualizem mentalmente determinada situação, ou que recordem outras já passadas ou vividas, pois só assim é que o transmitido não será em vão e/ou tão ignorado.” (reflexão nº 1 – Primeiro Impacto, 25 de Setembro de 2012)

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A motivação para as aulas de EF não era evidente por todos os alunos, onde alguma falta de gosto pela prática desportiva prevalecia. No entanto, no decorrer das primeiras aulas senti que estava perante uma turma dedicada, mas bastante desorganizada e algo irresponsável, como demonstra o seguinte excerto:

“É caraterística da minha turma ser bastante irrequieta e reativa, onde todos querem participar e expor a sua opinião, que a meu ver, é um fator bastante positivo. No entanto, não existe rotinas criadas de organização, como levantar o dedo para puder falar (…)” (reflexão nº4 – Novo desafio, 4 de Outubro de 2012)

Com o passar das aulas, após uma análise e conhecimento mútuo entre mim e os alunos, algumas rotinas começaram a se evidenciar, desenrolando-se de forma mais organizada. A criação de soluções para potenciar a dinamização da aula, contribui para um maior empenho nas tarefas propostas. Energia e diversão são dois fatores caraterísticos destas aulas, mas que por vezes tinham que ser controlados, pois nem todos os alunos conheciam os limites a cumprir.

Tendo experiência enquanto treinador, determino como vital para a criação de uma relação de respeito, admiração e de cooperação, a afetividade e proximidade criada. Desta forma, procurei desde logo interagir de forma assertiva, mas com proximidade, de preocupação e esclarecimento que a minha função seria potenciar e ajudá-los ao máximo. Os alunos necessitam de atenção, de “cultivo” e admiração, no sentido de elevar o seu interesse pela aprendizagem. Este será a retribuição dos alunos à nossa atenção. No entanto, a hierarquização entre professor e aluno não deve ser esquecida, correndo o risco de ultrapassar o comportamento cooperativo para o “abusivo”. Visto todos os alunos serem distintos, possuírem a sua personalidade e individualidade, reagem também de forma diferente. Foi de facto fabuloso conhecer cada um deles, a maneira como se comportavam em sua defesa, a forma possível para chegar a cada um deles, mais fácil nuns do que noutros, mas que de uma maneira mais acentuada ou ligeira, todos estiveram comigo e eu com eles.

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Apesar de um grupo significativo de alunos já terem contactado de forma prática com modalidades desportivas, poucos se mantinham em atividade. Estes dados levaram-me a questionar quais os motivos para o abandono, que me foram descritos como falta de tempo, desmotivação ou impossibilidade financeira. Transparecer o meu gosto pelo desporto, e fomentar o mesmo gosto nos meus alunos foi algo que procurei durante todo o ano letivo. A atenção dada aos alunos foi fundamental no re (criar) deste gosto. O constante questionamento acerca das modalidades em que estavam inseridos, do decorrer dos treinos, de uma palavra de motivação, de desafio, foi algo que fiz intrinsecamente e que me satisfez muito. Foi notável perceber que algumas alunas voltaram para o desporto escolar de ginástica, que outras gostariam de jogar voleibol, que outros me desafiavam a ficar a jogar com eles no final das aulas. Foi um enorme contentamento quando alunos que se mostravam com pouco interesse inicialmente, demonstravam a sua evolução de condição física semana a semana, afirmando com satisfação que estavam a fazer exercício físico frequentemente e quais os conselhos e exercícios que sugeria.

Inequivocamente, cada aluno faz parte do professor, da sua atuação, da sua vida profissional. É muito bom quando percecionamos que tal como a pessoa que mora no aluno nos marcou, nós também o marcámos de alguma maneira.