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4. O ANO LETIVO NUM TGV

4.2 Entre reflexões capitulares

4.2.1 Combate às dificuldades encontradas

4.2.1.6 Transmitir VS Compreender – o papel da instrução

O ato de comunicar é vital no dia-a-dia de cada um de nós. Sem este, a indefinição acerca da nossa existência era contínua, e o ser humano não sofria qualquer tipo de desenvolvimento. A relação humana foi fundamental para que a evolução ocorresse e nos tornasse no que somos hoje. Transportando esta relação para a escola e, propriamente, para a minha aula, denoto que sem a comunicação, o processo ensino-aprendizagem não seria exequível. E quando refiro comunicação, abranjo todas as suas formas.

De acordo com Rosado e Mesquita (2009, p.69), “a capacidade de

comunicar constitui um dos fatores determinantes da eficácia pedagógica no contexto do ensino das atividades físicas e desportivas. Esta envolve a transmissão de elementos informativos mas, também, um efeito persuasivo, abrangendo processamento consciente e inconsciente”. Esta capacidade de

comunicar implica adequação aos alunos, aos objetivos e situações da aula. Saber comunicar com os alunos, saber transmitir o pretendido ou comunicar

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agindo, é caraterística essencial no professor. Aqui, a instrução assume um papel indispensável na eficácia e condução da aula.

A instrução é o modo como o professor transmite informação de acordo com o reportório de comportamentos de ensino que possui. Esta informação é relacionada com os objetivos e conteúdos do ensino (Siedentop, 1991). Deste modo, emerge a questão, “(…) como é que o professor transforma o

conhecimento do conteúdo para que os alunos estejam aptos a compreender?”

(Cardoso, 2009, p.13).

Esta dúvida esteve bastante presente principalmente no primeiro período letivo. A dificuldade era evidente, como relato no seguinte excerto:

“Pensar que a aula está planeada, está organizadas, com as equipas construídas, num jogo básico (para mim), e chegar a aula, dispor os alunos, transmitir as equipas, enunciar a estrutura do jogo - “joguem 2x2 com 2 apoios!”- qual o seu objetivo, e logo de seguida, quando já me encontro a pensar no passo seguinte, de observar a aderência ao exercício, de ver se é necessário observar e/ou adaptar mais alguma coisa, surgem as questões inesperadas: “Oh professor, poderia repetir as equipas”; “o que são apoios?”. É ai que eu penso – “ESQUECE! VAIS TER QUE REPETIR”. Tudo o que tinha imaginado, tudo o que é lógico para mim, que não precisaria de ser transmitido, pois está inerente ao conteúdo, é ilógico para os alunos. Compreendi que, partindo do princípio que ninguém tem o poder de leitura “mental”, que os alunos não têm a vivência desportiva que possuo, pois grande parte deles não estão próximos a modalidades desportivas, ainda menos coletivas. Compreendi que a explicação de cada momento, do que pretendo, deverá ser minuciosa. Compreendi que deverei questionar todos os pequenos pontos, esclarecer todos os conceitos que utilizo, que para mim são tão naturais, mas para os alunos, são inexistentes.” (Reflexão nº5 – Transmitir VS compreender, 09 de Outubro de 2012)

Ainda que no início da aula transmitisse os objetivos e conteúdos que iriamos abordar, destacando o caso de os conteúdos serem novos, esta foi uma dificuldade mais evidente no primeiro período. O conhecimento acerca dos meus alunos, a sua caraterização mais pormenorizada, facilitou-me a utilização

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de uma linguagem mais adequada e focada. Contudo, apesar de adotar uma linguagem mais compreensível para os alunos, procurei usar a terminologia específica das modalidades, de forma a transmitir esses conceitos aos alunos.

A previsão é outro conceito que deve estar inserido nas preocupações do professor. Prever quais as reações que os alunos irão ter, quais as possíveis dúvidas que poderão suscitar, são inquietações que um professor deverá ter constantemente. A procura de solucionar este problema levou-me a concluir que:

“(…) devo-me colocar no lugar dos alunos, restringir-me a algum conhecimento que é tão óbvio para mim, mas que, provavelmente, nem sequer é conhecido por eles. Devo-me centrar em alguns aspetos, para mim, básicos, e explicar cada nome ou conceito que insiro na aula. Juntamente com tudo isto, o perfecionismo e o preciosismo nos termos a usar no discurso, deverão ser máximos, facilitando a compreensão por parte dos alunos, e elevando o rigor, que um professor deve possuir.” (Reflexão nº9 – resulta ou não resulta, 23 de Outubro de 2013)

Outra preocupação recaiu no conceito de afunilamento instrucional que Rosado e Mesquita (2009) sugerem. Nem sempre o que é idealizado pelo professor é o que ele transmite, bem como a compreensão que os alunos interiorizam poderá ser errada, ou não percebida. Repensar a forma como instruía a turma, dizê-lo em voz alta para outras pessoas e, pedir a ajuda do núcleo de estágio para ouvirem a minha instrução, foram estratégias usadas. Assim, através do feedback que ia recebendo, consegui a melhoria da minha comunicação verbal.

Em outra análise feita pelo núcleo de estágio, foram-me focados cuidados a ter na colocação da voz. Sem ter essa perceção, por vezes instruía demasiado alto com os alunos próximos de mim, criando algum constrangimento. Talvez a primeira experiência a lecionar no pavilhão, tenha contribuído para este comportamento.

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“(…) com o espaço dividido por mais duas turmas, o ambiente transpôs o limite máximo de decibéis recomendados (90 dB).” (Reflexão nº3 – o aprimoramento de um professor, 02 de Outubro de 2012)

De acordo com Rosado e Mesquita (2009, p.95) “o professor deve dirigir-

se aos alunos de tal modo que seja ouvido por todos. Deve fazê-lo de forma fluída, enfatizando, pelo bom uso da voz, pela entoação ou repetição, os aspetos essenciais da sua comunicação, devendo, ainda, dirigir o seu olhar para vários participantes, garantindo assim, maiores condições de atenção e comunicabilidade”. Estabelecer contacto visual com todos os alunos é uma

necessidade que tinha em todos os momentos, o que me foi benéfico principalmente na instrução geral à turma. Não só me permitiu controlar alguns comportamentos desviantes, como também observava as reações dos alunos, percebendo se tinha sido explícito ou não.

No início desta minha experiência, foquei-me no objetivo de reduzir significativamente os tempos em que os alunos não estavam em atividade. Esta obsessão levava-me a instruir de forma individual a cada aluno, ou, a parar rapidamente a atividade e, mantendo os alunos nas posições que ocupavam, instruir rapidamente para toda a turma. Compreendi que este método, ao contrário do procurado, ainda fazia com que o tempo de aula fosse menos proveitoso. Isto porque alguns alunos não ouviam a instrução, outros não compreendiam, obrigando-me a parar de novo ou a ir instruindo pelos grupos que passava. Retive que a instrução tem que ser efetuada com os alunos próximos de mim e, as reuniões mais frequentes eram uma estratégia que rentabilizava a aula. Testemunho esse facto no seguinte excerto:

“Optei também por nos momentos de instrução, reunir todos os alunos, evitando assim a dispersão e a desatenção. Apesar de ocorrerem algumas paragens e possíveis quebras na aula, com esta estratégia, consegui uma maior rentabilização do tempo de aula, com uma instrução objetiva e direcionada para os alunos, o que não ocorria em aulas anteriores, pois procurava instruir cada grupo separadamente. A aula foi

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bastante mais produtiva (…)” (Reflexão nº12 – aplicação de uma nova organização, 6 de Novembro de 2012)

Num olhar mais global, todas estas estratégias estão inseridas no plano da organização, na criação e seleção das atividades de aprendizagem, nos objetivos do plano de aula e do modo de atuação do professor. Tal como referiu o meu professor cooperante, tudo está intimamente ligado. A instrução não será bem sucedida se não houver controlo da turma, uma postura assertiva e, um conhecimento contextual e do conteúdo. “(…) A organização do

processo de instrução decorre da relação que se estabelece entre o objetivo, o conteúdo, os procedimentos metodológicos e as formas de organização, estando esta relação intimamente dependente das condições situacionais em que se aplica” (Rosado & Mesquita, 2009, p.76). Após entender estas

conexões, a aula flui de forma mais natural, pois a confiança era evidente, como relato de seguida:

“Assim, com base em alguns conhecimentos provenientes de alguma prática e experiências passadas, optei por clarificar desde cedo o que queria, reunir a turma sempre que necessário, atuar logo após o momento do acontecimento a corrigir ou a empregar feedback. Todas estas preocupações são premissas que me foram transmitidas desde o início do ano, que tenho vindo a aperfeiçoar, a experimentar, a testar, e à volta das quais, estou a criar um produto, um modelo da minha personalidade enquanto professor. Esta maior descontração e confiança que senti, deixou- me liberto para outras preocupações, para uma maior objetividade e qualidade de transmissão do meu discurso, sendo resultado disso, um melhor controlo da turma.” (Reflexão nº24, 03 de Janeiro de 2013)

De facto, cada dificuldade (desafio) que fui enumerando teria um significado mínimo na atuação do professor, se fosse praticado isoladamente. A identidade do bom professor pressupõe que este controle todas elas e, que as saiba interligar no seu modo de atuar.

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