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2.2 PRÁTICA

2.2.1.3 Equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo (ADO

Através do MI 4733 e da ADO 26, a ABGLT e o PPS fizeram, fundamentalmente, dois pedidos. O primeiro foi a fixação de um prazo para criação de lei, pelo Congresso Nacional, que punisse criminalmente a homofobia e a transfobia. O segundo foi a regulamentação temporária da matéria, através da aplicação do tipo penal de racismo, contido na lei 7.716/89, às práticas de homofobia30.

O Plenário do STF atendeu a ambos os requerimentos, declarando a existência de omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei

27 Apesar de que, no caso, pelo seu posicionamento pessoal, o Ministro revela que o caso dos autos

se inscreve numa “zona de certeza negativa”, em que certamente a norma proibiria o que ocorreu (BRASIL, 2013, p. 30). Faz isso, contudo, referindo-se ao fato de que foi absolutamente extrema a conduta adotada, isto é, de realizar os dois turnos da votação da emenda em apenas uma noite, o que não indica, contudo, que se tivesse durado um pouco mais, mas ainda menos de cinco dias, que essa “zona de certeza negativa” ainda poderia ser reconhecida.

28 Evidentemente, é possível a oferta de múltiplas interpretações para o presente caso, inclusive, por

exemplo, no sentido sistemático de que outros dispositivos constitucionais confeririam à norma do art. 60, § 2° a suficiência normativa para que ela comandasse a existência de um interstício razoável entre os dois turnos. A questão que se coloca, todavia, é outra. O ponto é que a assunção definitiva de uma postura interpretativa ou outra, no sentido de determinar se a norma é completa ou não, altera diretamente tudo que se segue na resolução argumentativa do caso.

29 Ressalva-se que os acórdãos de nenhuma das duas ações haviam sido publicados à data de

apresentação deste trabalho, mas tão somente votos em separado de alguns Ministros.

30 A esse respeito, cf. REDLER, Ivana. Criminalização da homofobia no STF: veja como votou cada

ministro. 2019. Disponível em: <https://masterjuris.com.br/criminalizacao-da-homofobia-no-stf-veja- como-votou-cada-ministro/>. Acesso em: 05 abr. 2020.

criminalizadora de atos de homofobia e de transfobia, bem como o enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na referida Lei do Racismo, até a superveniente elaboração de lei a esse respeito pelo Congresso31.

No caso, a constatação de omissão legislativa em editar lei não consagrou, por si só, a existência de norma complexa, mas sim o passo seguinte, que foi a verificação da insuficiência do tipo penal da lei 7.716/8932. Nesse sentido, inclusive, é que a formulação dos pedidos foi realizada:

O autor defende não só a existência de inércia legislativa, a caracterizar omissão inconstitucional, nos termos do inciso XLI do art. 5° da CF; mas também a necessidade de edição de norma penal específica, que, efetivamente, puna qualquer discriminação atentatória dos direitos e

liberdades fundamentais, relacionada à homofobia ou transfobia, uma vez

que a legislação atual é esparsa e insuficiente (“proteção insuficiente”) (MORAES, p. 15, 2019, grifo nosso).

No julgamento da matéria houve, contudo, controvérsia a esse respeito. Para a maioria dos Ministros33, a tipificação penal de racismo era incompleta, pelo fato de não abranger normativamente a homofobia e a transfobia. Conforme ressaltado nos votos de Celso de Mello34, Edson Fachin35, Alexandre de Moraes36 e Gilmar Mendes37, a aplicação da teoria da vedação da proteção insuficiente era fundamental e induziria a uma complementação normativa do tipo penal para imprescindivelmente incluir também a criminalização que se pleiteava.

31 Cf. Supremo Tribunal Federal. STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo

ao reconhecer omissão legislativa. 2019. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010>. Acesso em: 04 abr. 2020.

32 Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou

procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

33 Nomeadamente Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa

Weber, Luiz Fux, Carmén Lúcia e Gilmar Mendes (Supremo Tribunal Federal, 2019).

34 Cf. MELLO, Celso de. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 Distrito

Federal. 2019. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 72.

35 Cf. FACHIN, Edson. Voto no Mandado de Injunção 4.733 Distrito Federal. 2019. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/dl/leia-voto-ministro-fachin1.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 15.

36 Cf. MORAES, Alexandre de. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26

Distrito Federal. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/ado-26-voto-alexandre- moraes.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 20.

37 Cf. REDLER, Ivana. Criminalização da homofobia no STF: veja como votou cada ministro. 2019.

Disponível em: <https://masterjuris.com.br/criminalizacao-da-homofobia-no-stf-veja-como-votou-cada- ministro/>. Acesso em: 05 abr. 2020.

Para Ricardo Lewandowski38 e Dias Toffoli39, de outra parte, não obstante o reconhecimento da mora e omissão da atuação legislativa, o tipo penal não poderia ser interpretado largamente, em virtude da magnitude do princípio da reserva legal no direito penal. Por esse fundamento, esses Ministros, com votos vencidos, reconheceram a completude normativa do direito posto.

Com discordância ainda também do Ministro Marco Aurélio, foi afirmada, em resultado, a existência de norma insuficientemente adequada no sistema jurídico. Para a decisão material a esse respeito, cada julgador, como no caso da ADPF 132, fundamentou suas conclusões a partir de suas próprias razões, alcançando-se o resultado já mencionado.

Vale destacar que nesses dois casos ouviu-se amigos da corte e diversas entidades40, o que em ambas as vezes ocorreu antes das decisões prolatadas que tanto identificaram a insuficiência de normas quanto que, substancialmente, decidiram sobre elas.