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Da Legislação a uma Jurisdição Democrática: caminhos à legitimação das decisões judiciais nos casos de normas complexas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

DIEGO ALONSO BARBOSA DE ALBUQUERQUE PEREIRA

DA LEGISLAÇÃO A UMA JURISDIÇÃO DEMOCRÁTICA: CAMINHOS

À LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NOS CASOS DE

NORMAS COMPLEXAS

NATAL/RN

2020

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DA LEGISLAÇÃO A UMA JURISDIÇÃO DEMOCRÁTICA: CAMINHOS

À LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NOS CASOS DE

NORMAS COMPLEXAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tinoco de Góes

NATAL/RN 2020

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Pereira, Diego Alonso Barbosa de Albuquerque.

Da Legislação a uma Jurisdição Democrática: caminhos à

legitimação das decisões judiciais nos casos de normas complexas / Diego Alonso Barbosa de Albuquerque Pereira. - 2020.

91f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2020.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tinoco de Góes.

1. Normas complexas - Monografia. 2. Jurisdição - Monografia. 3. Poder Legislativo - Monografia. 4. Legitimidade - Monografia. 5. Insuficiência normativa - Monografia. I. Góes, Ricardo Tinoco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.

Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 342.56

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ATA Nº 1/2020 - DEPRO/CCSA (16.19) 23077.037001/2020-73 Nº do Protocolo:

Natal-RN, 04 de junho de 2020.

ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Aos vinte e nove dias do mês de maio do ano de dois mil e vinte, as quatorze horas por videoconferência, conforme orientação da PROGRAD, para a defesa oral da MONOGRAFIA intitulada: "DA LEGISLAÇÃO A UMA JURISDIÇÃO DEMOCRÁTICA: CAMINHOS À LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NOS CASOS DE NORMAS COMPLEXAS", de

, matrícula n° 2015051609, como

DIEGO ALONSO BARBOSA DE ALBUQUERQUE PEREIRA

trabalho de conclusão do Bacharelado em Direito. A Comissão Examinadora, designada pela Portaria n. xxx/2020-DEPRO foi composta pelos. Professores: RICARDO TINOCO DE GÓES, lotado neste Departamento, LEONARDO OLIVEIRA FREIRE, mestrando da UFRN, e.

, docente externo da UNP, após a banca

CARLOS ANDRÉ MACIEL PINHEIRO PEREIRA

emitiu o seguinte parecer: APROVADO. A comissão após a defesa oral e cumprimento dos demais procedimentos considerou a monografia APROVADA. A comissão decidiu atribuir à , atribuindo a nota: , Por fim a comissão decidiu que este TCC

MENÇÃO HONROSA 10,0 (dez)

é um trabalho de excelência e considerou-o INDICADO a concorrer ao prêmio de melhor TCC do Curso neste semestre.

MEMBROS DA COMISSÃO

________________________________ ___________________________________ LEONARDO OLIVEIRA FREIRE CARLOS ANDRÉ MACIEL PINHEIRO PEREIRA

(Assinado digitalmente em 04/06/2020 16:14) RICARDO TINOCO DE GOES PROFESSOR DO MAGISTERIO SUPERIOR

DEPRO/CCSA (16.19) Matrícula: 1675264

Para verificar a autenticidade deste documento entre em https://sipac.ufrn.br/public/documentos/index.jsp informando seu número: , ano: , tipo: , data de emissão: e o código de verificação:

1 2020 ATA 04/06/2020 da04392412

Assinado de forma digital por CARLOS ANDRE MACIEL PINHEIRO PEREIRA

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Dedico este trabalho à abalada democracia brasileira e ao Jesus que conheço, que não se contenta com a injustiça e protege os que firmam a esperança no seu amor.

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“Eis que me deito e durmo, e me acordo, pois o Senhor me sustenta” (Sl 3:5). Agradeço ao Deus que me dá vida! Sem ele, nada do que aconteceu até aqui teria sido possível. Louvores sejam dados àquele que me ama como ninguém e responde-me quando falo com Ele.

À minha família, que em toda minha vida me deu suporte e confiou amorosamente em mim. Em especial, agradeço aos meus pais, Henrique e Iara, e às minhas irmãs, Ravena e Rebeca. Alegro-me por seus cuidados quando precisei, pela paciência, pelos incentivos à persistência, pelo carinho e pelos ouvidos atentos a “insuficiências normativas”,

A Maike, que além de ter provido uma motivação sem tamanho para a escrita deste trabalho e corrigido o “Zusammenfassung”, sempre acreditou em mim. Sou grato pelas aventuras que a vida nos tem proporcionado. Adiante!

A todos os meus queridos amigos, que saberão reconhecer que esse agradecimento é para vocês. Não irei nominá-los, porque são muitos, e não quero deixar nenhum de lado. Vocês foram muito importantes para a minha caminhada, e sabem disso.

Ao professor e amigo Ricardo Tinoco de Góes, sem o qual o desenvolvimento das ideias neste trabalho não teria sido viável.

Aos demais professores que tive no decorrer da minha educação básica e universitária. Em especial, sou grato ao casal de amigos Yanko Xavier e Wiebke Roben, que contribuíram significativamente para o fortúnio da minha vida acadêmica e pessoal. Também à professora Dra. Cristina Foroni Consani, pelo seu exemplo de seriedade e estímulo ao estudo da Filosofia do Direito.

À Aliança Bíblica Universitária (ABU) e à IFES (International Fellowship of Evangelical Students), por meio das quais fiz muitas amizades profundas e entendi a razão de por que e para que estive na universidade até aqui.

A Giovanni Begossi, Ravena Cristianny e Leonardo Cardoso, pelas atenciosas e preciosas correções e leituras prévias deste trabalho.

A todos os colegas e queridos(as) supervisores de estágio da 6ª Vara Cível do TJRN, da 14ª Vara Federal da JFRN e da DPU/RN, com quem que tive o prazer de aprender bastante.

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À Universidade Federal do Rio Grande do Norte e à Westfälische Wilhelms-Universität Münster, incluindo todos os seus funcionários, pelo apoio à minha formação acadêmica.

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O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.

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aplicação do direito. Em casos concretos com essas características, questiona-se como se pode afirmar que nenhuma norma é perfeitamente aplicável e, havendo essa constatação, como a Jurisdição deve decidir diante delas. Além disso, é incerto se a adoção discricionária pelo Judiciário de um procedimento decisório confere completa legitimidade às decisões nessas situações. Diante disso, o objetivo geral deste trabalho é fundamentar como pode e como deve ocorrer a legitimação das decisões judiciais nos casos de normas insuficientemente adequadas. Os objetivos específicos são circunstanciar criticamente os campos teórico e prático em que essas normas complexas se inserem, explorar como o Judiciário deve decidir legitimamente nesses casos e justificar como a ação do Legislativo é capaz de legitimar a tomada dessas decisões no âmbito jurisdicional. A metodologia da pesquisa é qualitativa, representativa da realidade e normativa. É feito uso tanto do método indutivo como do dedutivo. O caráter do trabalho é exploratório, contendo subseções descritivas e exemplificativas. Seu desenvolvimento dá-se através de revisão bibliográfica, estudo de casos e senso crítico. O resultado geral do trabalho é a devida justificação da ação do Legislativo como instrumento à legitimação de decisões jurisdicionais sobre normas complexas. Suas conclusões atinam ao contexto das normas insuficientemente adequadas, à prática da constatação e tomada de decisões frentes a elas, à coerência normativa, ao problema do dissenso, a diversas questões acerca da aplicação dessas normas, à legislação como mediadora à legitimidade e às tarefas do Legislativo nessa conjuntura.

Palavras-chave: Normas complexas. Jurisdição. Poder Legislativo. Legitimidade.

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the law. In specific cases with these characteristics, it is questionable how it can be said that no norm is perfectly applicable and, if so, how the Jurisdiction should decide before them. Moreover, it is uncertain whether the discretionary adoption by the Judiciary of a decision-making procedure confers full legitimacy to decisions in such situations. Therefore, the general objective of this work is to ground how the legitimacy of judicial decisions can and should occur in cases of insufficiently adequate rules. The specific objectives are to critically circumscribe the theoretical and practical fields in which these complex norms fit, explore how the Judiciary should legitimately decide in these cases, and justify how the action of the Legislative is able to legitimize the making of these decisions in the judicial sphere. The research methodology is qualitative, representative and normative. Both the inductive and deductive methods are used. The character of the work is exploratory, containing descriptive and exemplifying subsections. It is developed through literature review, study of cases and critical sense. The general result of the work is the due justification of the Legislative action as an instrument to legitimize judicial decisions on complex rules. Its conclusions reach the context of insufficiently adequate norms, the practice of verification and decision making in front of them, the normative coherence, the problem of dissent, several questions about the application of these norms, the legislation as mediator of legitimacy and the tasks of the Legislative in this conjuncture.

Keywords: Complex norms. Jurisdiction. Legislative. Legitimacy. Normative

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Rechtsanwendung. In Fällen dieser Art ist es fraglich, wie darüber behauptet werden kann, dass keine Norm vollkommen anwendbar ist, und, wenn dies der Fall ist, wie die Rechtsprechung entscheiden soll. Darüber hinaus ist es unsicher, ob die diskretionäre Annahme eines Entscheidungsverfahrens durch die Judikative den Entscheidungen in solchen Situationen volle Legitimität verleiht. Daher besteht das Ziel dieser Arbeit darin, zu begründen, wie die Legitimität von Gerichtsentscheidungen in Fällen unzureichender Regelungen aussehen kann und soll. Die spezifischen Ziele bestehen darin, die theoretischen und praktischen Bereiche, in die diese komplexen Normen passen, kritisch zu umschreiben; zu untersuchen, wie die Justiz in diesen Fällen legitimerweise entscheiden sollte; und zu rechtfertigen, wie das Handeln der Legislative in der Lage ist, das Treffen dieser Entscheidungen im Justizbereich zu legitimieren. Die Forschungsmethodik ist qualitativ, repräsentativ und normativ. Es werden sowohl induktive als auch deduktive Methoden verwendet. Die Arbeit hat explorativen Charakter und enthält deskriptive und beispielhafte Unterabteilungen. Sie wird durch Literaturrecherche, Fallstudien und kritischen Sinn entwickelt. Das allgemeine Ergebnis der Arbeit ist die gebührende Rechtfertigung des gesetzgeberischen Handelns als Instrument zur Legitimierung gerichtlicher Entscheidungen über komplexe Normen. Schlussfolgerungen gelangen in den Kontext unzulänglich adäquater Normen, der vor ihnen liegenden Verifikations- und Entscheidungspraxis, der normativen Kohärenz, des Dissens-Problems, mehrerer Fragen zur Anwendung dieser Normen, der Gesetzgebung als Vermittler von Legitimität und der Aufgaben der Legislative in diesem Bereich.

Schlüsselwörter: Komplexe Normen. Gerichtsbarkeit. Gesetzgeber. Legitimität.

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ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos

ADI – Ação direta de inconstitucionalidade

ADO – Ação direta de inconstitucionalidade por omissão ADPF – Arguição de descumprimento de preceito fundamental

BVerfGE – Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht) CC – Código Civil brasileiro

CCC – Corte Constitucional da Colômbia

CF – Constituição da República Federativa do Brasil ECI – Estado de coisas inconstitucional

EUA – Estados Unidos da América

GG – Lei Fundamental alemã (Grundgesetz) MI – Mandado de injunção

PPS – Partido Popular Socialista RE – Recurso extraordinário STF – Supremo Tribunal Federal SU – Sentencia de Unificación

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1 INTRODUÇÃO ... 12

2 TEORIA E PRÁTICA DAS NORMAS INSUFICIENTEMENTE ADEQUADAS 2.1 TEORIA ... 16

2.1.1 Discursos de fundamentação e discursos de aplicação na Jurisdição ... 17

2.1.2 Zonas cinzentas e normas em situações complexas ... 21

2.2 PRÁTICA ... 24

2.2.1 STF ... 26

2.2.1.1 O reconhecimento da união estável homoafetiva (ADPF 132 e ADI 4277) ... 26

2.2.1.2 O “silêncio eloquente” e a constitucionalidade formal da Emenda Constitucional 62/2009 (ADI 4.357) ... 28

2.2.1.3 Equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo (ADO 26 e MI 4377) ... 30

2.2.2 Tribunais constitucionais estrangeiros ... 32

2.2.2.1 Ativismo judicial na história da Suprema Corte dos EUA ... 33

2.2.2.2 O estado de coisas inconstitucional na Corte Constitucional da Colômbia ... 37

2.2.2.3 O apelo ao legislador e a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade no Tribunal Constitucional Federal alemão ... 40

2.2.3 Pensando indutivamente: o que aprendemos com a prática das normas complexas? ... 44

3 A INTERPRETAÇÃO DE NORMAS COMPLEXAS NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO ... 46

3.1 Entre a coerência sistêmica e a integridade normativa ... 46

3.2 O dissenso na interpretação jurídica de uma insuficiência normativa ... 53

3.3 Alternativas discursivas à aplicação de normas complexas ... 57

4 AÇÃO DO LEGISLATIVO PARA UMA TRANSIÇÃO ... 70

4.1 A legislação como mecanismo de retorno à tensão entre facticidade e validade das normas complexas ... 70

4.2 Um consenso em dois níveis: da deliberação legislativa à decisão jurídica legítima ... 72

4.3 Duas tarefas para o Poder Legislativo ... 76

5 CONCLUSÃO ... 80

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1 INTRODUÇÃO

Uma realidade que se apresenta frequentemente na aplicação do direito é a da insuficiência normativa, ou seja, o fato de que as regras e princípios existentes não são suficientes a um caso concreto. Nessas circunstâncias, costuma haver somente uma norma aplicável que é, contudo, incompleta: um vácuo normativo existe.

Esse problema permeia a atividade jurisdicional em todas as instâncias e chega a conectar-se intimamente inclusive com decisões paradigmáticas de diversos tribunais constitucionais. Decisões marcantes do STF – como a sobre uniões estáveis homoafetivas –, o desenvolvimento do ativismo judicial nos EUA e a doutrina colombiana do estado de coisas inconstitucional, por exemplo, precisam enfrentar diretamente adequações normativas que, do modo que estão constituídas, são insuficientes.

A questão, além de dramática, é sutil. Distintamente dos casos de anomia – em que nenhuma norma se aplica –, a situação da incompleta adequação tem suas complexidades próprias. Ela gera discordâncias, primeiro, de se ela é de fato imperfeita e, segundo, caso seja, como se decide frente a ela.

Nesse cenário, surgem dois desafios concretos à Jurisdição, que precisa lidar com a matéria sem haver qualquer norma regrando-a: i) o que define, no fim das contas, uma incompletude normativa e o que permite a identificação dela? e ii) como uma decisão judicial pode ser legítima se não há nenhuma norma suficientemente aplicável?

A dificuldade, todavia, não para por aí. Ainda que essas perguntas sejam retrucadas pelo Judiciário, elas terão sido respondidas apenas pelo Judiciário. Nesse sentido, seria válido que ante absolutamente nenhuma previsão normativa de como proceder nesses casos o Judiciário decida ou adote o procedimento decisório que quiser? A atividade jurisdicional não seria legítima somente quando se submete a algum princípio de autoridade? Ainda que os fundamentos sejam baseados em questões democráticas, teria o Judiciário completa autonomia para adotar a concepção de “democracia” ou “legitimidade” que melhor lhe apraz em termos teóricos? Isso não feriria o princípio democrático da separação entre os poderes?

(15)

Considerando que a ciência do direito tem também a tarefa de formar criticamente a estrutura do direito1, esta pesquisa se propõe a lidar com todas essas problemáticas, por três razões.

Em primeiro lugar, é preciso investigar o ambiente em que essas normas complexas se inserem e ter uma dimensão de como elas são enfrentadas na vida real do Judiciário. O exame sistemático dessas duas questões, sob o prisma das insuficiências normativas, é consideravelmente escasso na doutrina jurídica – quiçá especialmente na brasileira.

Em segundo, é importante refletir sobre como a Jurisdição deve lidar com essas normas e compreender como as decisões judiciais podem ser legítimas nessas situações.

Finalmente, em terceiro, é pertinente pensar se o Poder Judiciário tem autonomia para decidir nesses casos de acordo com a forma de legitimidade ratificada por ele mesmo ou pela ciência do direito. Em outras palavras, importa saber se há alguma alternativa que autorize e, nesse sentido, legitime decisões judiciais desenvolvidas, elas mesmas, por meio de um conceito de legitimidade.

Por causa disso, o objetivo geral deste trabalho é fundamentar como pode e como deve ocorrer a legitimação das decisões judiciais, nos casos de normas insuficientemente adequadas.

Os objetivos específicos, por sua vez, são: i) circunstanciar criticamente os campos teórico e prático em que as normas complexas se inserem; ii) explorar como o Poder Judiciário deve decidir legitimamente nesses casos; e iii) justificar como a ação do Poder Legislativo é capaz de legitimar a tomada dessas decisões no âmbito da Jurisdição.

A pesquisa assumirá, metodologicamente, uma abordagem qualitativa, representativa da realidade e, também, normativa. Em razão dessa configuração mista, será feito uso tanto do método indutivo como do dedutivo, com o fito de, respectivamente, compreender nuances do tema a partir de casos concretos e, também, a partir de teorias gerais. O caráter do trabalho será eminentemente exploratório, contendo, todavia, subseções descritivas e exemplificativas. O desenvolvimento da investigação se dará através de revisão bibliográfica, estudo de casos e senso crítico.

1 Cf. LEPSIUS, Oliver. Rechtswissenschaft in der Demokratie. Der Staat, Berlin, v. 52, n. 2, p. 157-186,

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Também como opção metodológica, os termos “normas complexas” e “normas insuficientemente adequadas” serão usados como sinônimos2.

O trabalho será subdivido em três capítulos, cada um com suas respectivas seções e, eventualmente, subseções, destacados a seguir.

O primeiro deles terá por intento, na seção inicial, contextualizar o plano teórico em que as normas complexas se inserem, especialmente situando as peculiaridades dos discursos de fundamentação e de aplicação, bem como a questão da zona cinzenta – de incerteza normativa. Em seguida, examinar-se-á na próxima seção como se dá a aplicação dessas normas por tribunais constitucionais. Esses serão tomados como exemplo na Jurisdição, pois entende-se (i) que quanto maior é a instância de uma Corte em um ordenamento maior é a necessidade sistêmica de legitimidade de seus pronunciamentos e (ii) que explorar esse tema no terreno de sentenças constitucionais relevantes alarma o leitor à urgente importância que o presente tema precisa assumir.

Em virtude disso, exemplificar-se-á o tema com decisões do STF, da Suprema Corte estadunidense, da Corte Constitucional colombiana e do Tribunal Constitucional Federal alemão. A escolha desses quatro tribunais coaduna-se com razões específicas, relacionadas ao assunto ou ao contexto da pesquisa.

O primeiro é o tribunal constitucional do país no qual esta investigação se produz e possui casos recentes que apresentam importantes nuances para a temática desta investigação; o segundo é marcado por uma história de “ativismo judicial”3, que fomenta a Jurisdição a agir construtivamente frente a insuficiências (também normativas); o terceiro precisou lidar com a incompletude de normas através da famosa tese do “estado de coisas inconstitucional”; e o quarto desenvolveu institutos jurídicos próprios para o enfrentamento de lacunas e de normas complexas.

Serão propostas, ao fim dessa seção, conclusões indutivas acerca da prática das normas insuficientemente adequadas.

O segundo capítulo, fazendo uso de diversos elementos teóricos já alcunhados no primeiro, colocará em perspectiva três problemas que se relacionam com as insuficiências normativas: o da coerência, o do dissenso e o da aplicação. Enfrentando diversas opções científicas diversas, será exposta e fundamentada,

2 O primeiro deles remete-se à teoria de Klaus Günther e o segundo à de Ricardo Tinoco de Góes. 3 Esse termo não será previamente conotado, nesta pesquisa, como algo positivo ou negativo, mas

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nesse momento, a possibilidade discursiva capaz de legitimar a produção de uma complementação normativa nos casos de normas complexas.

O terceiro e último capítulo, por fim, defenderá ineditamente a tese de que a legitimidade das decisões judiciais nas situações de insuficientes normativas pode ser alcançada através da ação legislativa. Para isso, sustentar-se-á, primeiro, a legislação como meio para o retorno a uma tensão entre facticidade e validade, necessária ao direito; segundo, a tese de um consenso em dois níveis para fundamentar a transição da deliberação legislativa a um decisão jurisdicional autêntica; e serão propostas, em terceiro lugar, duas tarefas concretas ao Poder Legislativo – conceituar o que é uma insuficiência normativa e determinar que o Judiciário somente possa decidir diante dela mediante um procedimento discursivo e participativo.

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2 TEORIA E PRÁTICA DAS NORMAS INSUFICIENTEMENTE ADEQUADAS

Sob um ponto de vista formal, a completude ou incompletude de um microssistema normativo depende das circunstâncias avaliadas como relevantes para identificar o caso particular, das fontes do direito que são levadas em consideração e das normas extraídas dessas fontes por meio da interpretação (GUASTINI, 2005, p. 183).

À aplicação do direito é indispensável, portanto, tanto o juízo de adequação das normas possivelmente aplicáveis quanto as suas validades, encaradas de formas confrontativa e sistêmica no ordenamento jurídico. Nesse sentido, a positividade ocupa um papel fundamental no âmago da concretização do direito frente a casos concretos. Por positividade entende-se um conjunto de normas estabelecidas conscientemente, criando uma fração de realidade social artificial que só existe prima

facie (a uma primeira vista), pois pode ser alterada ou anulada em cada um dos seus

componentes (HABERMAS, 1994, p. 57).

Considerando, contudo, a possibilidade de existência de uma insuficiente adequação de uma única norma existente para o caso (GÓES, 2013, p. 144), a própria positividade existente encontra-se fragmentada. Dessa forma, a sua complementação normativa parece fazer-se necessária.

Por conseguinte, com o objetivo de ambientar a hipótese das normas complexas no prisma teórico de como esse fenômeno se situa e se opera no direito, bem como na conjuntura da sua aplicação por tribunais constitucionais4, proceder-se-á a uma sistematização deste capítulo em duas seções, que atenderão progressivamente aos dois assuntos.

2.1 TEORIA

As hipóteses de uma única norma aplicável que não é suficientemente adequada podem ser descritas como casos difíceis (hard cases), apesar de não se caracterizarem pelo aspecto da colisão normativa. Enquanto Dworkin (1978, p. 82-84) apoia-se na distinção entre princípios e políticas para discorrer sobre esses casos em

4 O trato dessas decisões será tido como exemplificação da temática. Será considerada, especialmente,

a realidade brasileira, através do STF, em confronto com tribunais constitucionais estrangeiros, cuja relevância nessa matéria está elucidada na introdução deste trabalho.

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conflitos de normas jurídicas, Klaus Günther (2004) lança bases abrangentes para a análise dessas situações a partir da diferenciação entre discursos de fundamentação e discursos de aplicação, que circunstanciam amplamente o campo no qual elas estão inseridas.

De toda maneira, em razão de sua indeterminação, esses casos desafiam o poder judicial a tomar decisões em uma “zona cinzenta” entre os programas legislativos e a concretização da lei (HABERMAS, 1994, p. 530). Esse, precisamente, parece ser o terreno em que a figura da norma complexa se encontra (GÓES, 2013, p. 150).

Diante de tudo isso, para uma abordagem teórica da temática, serão pormenorizados, em princípio, os sentidos e correlações entre discursos de fundamentação e de aplicação de maneira geral, para, em seguida, usando esse pano de fundo, identificar-se a inserção de normas complexas em zonas cinzentas ou hard

cases.

2.1.1 Discursos de fundamentação e discursos de aplicação na Jurisdição

Centralmente, discursos de fundamentação são voltados à criação normativa. Discursos de aplicação, por outro lado, se orientam a verificar qual a norma – que se pressupõe já ter sido criada por meio de um discurso de fundamentação – adequada às circunstâncias de um dado caso concreto.

Os discursos de fundamentação também podem ser designados como discursos de justificação jurídico-normativa. Eles se dão primordialmente através de um processo legislativo constitucional, que se delineia pela argumentação de razões morais, éticas e pragmáticas à luz do princípio democrático (OLIVEIRA, 2004, p. 62). Com o fim de harmonizar os interesses individuais com as consequências e efeitos da aplicação de normas, Günther caracteriza esse tipo de discurso tendo por base a aplicação do princípio da universalização ou universalidade (“U”). Esse, a partir de Kant, assume uma dupla conotação no âmbito de processos legislativos: a de uma universalidade semântica da lei moral, que é geral e abstrata, e uma universalidade procedimental que, num ambiente democrático, é expressão da “vontade popular reunida” (HABERMAS, 1994, p. 596)5.

5 A respeito da distinção e independência entre esses dois tipos de universalidade, esclarece Habermas

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Para Günther, há, entretanto, uma complexidade de situações características na aplicação de uma norma. À vista disso, essa própria diversidade de particularidades produz o material pelo qual a validação de uma norma pode ser discursivamente aferida (GÜNTHER, 2004, p. 61).

Diante dessa necessária adequabilidade normativa a cada situação, Günther propõe inicialmente uma versão ideal de “U”, através da qual o princípio pressupõe a consideração integral de todas as circunstâncias e interesses específicos para a assunção, por todos, da inteireza dos efeitos gerados pela observância da norma. Ela estabeleceria, dessa maneira, o sentido semântico, o universal-recíproco e o aplicativo da imparcialidade (GÜNTHER, 2004, p. 65).

Logo após, na linha proposta por Habermas e divergindo dessa formulação em razão das limitações práticas contidas na historicidade e tradição de cada participante do discurso, Günther (2004, p. 67) propõe sua própria versão enfraquecida de “U”, em que: “Uma norma é válida se as consequências e os efeitos colaterais de sua observância puderem ser aceitos por todos, sob as mesmas circunstâncias, conforme os interesses de cada um, individualmente”.

Nessa versão mais fraca, é desconhecido o juízo perfeito de “cada situação adequada”, tornando-o carente pela previsibilidade e vulnerável à perda do sentido aplicativo de imparcialidade (GÜNTHER, 2004, p. 68). A questão é que, na vida prática, é impossível antever todas as situações possíveis de aplicação de uma norma no momento de sua formulação (SIMIONI, 2007, p. 192)6.

Essas considerações são importantes, pois os discursos de justificação se distinguem e lançam as bases para um discurso de aplicação na medida em que estabelecem um complexo de normas válidas e aplicáveis prima facie. Não os havendo, como regra, de forma precedente a discursos de aplicação, o resultado seria o surgimento de validades normativas sempre para um e apenas um caso (GÜNTHER, 2000, p. 92).

semântica da lei parlamentar pode levar a enganos quanto à problemática da aplicação do direito, que é independente. Pois, mesmo que a racionalidade procedimental dotada de conteúdo moral estivesse assegurada institucionalmente, as leis não poderiam normalmente atingir uma forma semântica e uma determinação tão completa a ponto de se transformarem em algo parecido com uma tábua de algoritmos a ser aplicada pelo juiz”.

6 Essa versão guarda um certo paralelo com o que, em Perelman, é a ideia de que verdades universais que se impõem a todos estão mais próximas dos “lugares comuns” de cada sociedade do que da versão

rigorosa do imperativo categórico kantiano, apesar de não se situar na doutrina dos topoi (CAMARGO, 2003, p. 219-220).

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Esses discursos aplicativos deixam-se compor, então, tendo em conta tanto a referência universalista a normas morais e legais como à cultura e à ancoragem específica da situação em que as normas são produzidas e aplicadas (BRUGGER, 1990, p. 492). Eles apresentam-se como uma fase autônoma de legitimação concreta de uma norma, no sentido de adequabilidade, que se soma à perspectiva dos discursos de fundamentação, responsáveis pela incorporação de interesses oriundos do próprio procedimento discursivo.

No seio desses processos dialógicos está o juízo de adequação de normas jurídicas válidas prima facie. Na situação de saber qual prescrição normativa deve prevalecer em um caso concreto de colisão, existe, assim, um conflito antagônico somente aparente entre normas distintas, pois a questão significativa é saber apenas qual delas é adequada àquele específico caso (BAHIA, 2004, p. 329).

Os discursos de aplicação, nesse toar, pautam-se na conjunção de circunstâncias e argumentos diversos tendo em vista a possibilidade de uma interpretação completa da situação. Para isso, é fundamental uma reunião de todas as razões pertinentes, bem como das situações envoltas no dado contexto (OLIVEIRA, 2004, p. 65).

No dizer de Simioni (2007, p. 194), esses procedimentos comunicativos desdobram-se progressivamente da seguinte forma na teoria güntheriana:

Propedeuticamente, pode-se sistematizar procedimentalmente os discursos de aplicação de Günther em quatro etapas: a) a definição completa da situação concreta; b) relacionamento da situação concreta definida com todas as normas possivelmente aplicáveis; c) seleção da norma adequada à situação concreta definida; e d) análise da coerência entre a norma selecionada e todas as demais preteridas.

Dessa maneira, o passo inicial aos discursos aplicativos é o levantamento e consideração de todas as características pertinentes ao caso concreto, por meio dos quais é possível, na etapa seguinte, identificar todas as normas que, em relação à situação, são possivelmente aplicáveis. Essa segunda fase pressupõe mesmo um “esgotamento normativo” (GÜNTHER, 2004, p. 348).

Num terceiro momento, a seleção da norma adequada é feita a partir do enfrentamento de argumentos normativos acerca das proposições possíveis, consideradas as consequências e efeitos colaterais de cada interpretação7. Diante

7 Acerca desse aspecto, Peczenik (2009, p. 20) afirma que a escolha tanto da norma aplicável quanto

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disso, não se invalida as demais normas que não serão selecionadas, mas apenas há a identificação delas como não sendo as mais adequadas à dada circunstância concreta.

A escolha de adequação advém, então, da pluralidade de normas já fundamentadas no sistema jurídico, cuja aplicação pode acontecer prima facie em qualquer caso. De todo modo, na aferição do que são esses comandos normativos relevantes, o conhecimento moral difere do conhecimento empírico por ser internamente relacionado à efetiva solução desses problemas de aplicação (HABERMAS, 2003, p. 245).

Por fim, no quarto estágio, há o reconhecimento de que uma demanda por coerência se apresenta simultaneamente entre variações de significado em uma situação concreta e também entre as normas passíveis de aplicação. Esse estágio seria capaz de, nesse viés, fundamentar a escolha adequada de forma coesa com todo o sistema normativo.

O problema de aplicação da coerência nesses termos é o seu caráter inalcançável e até utópico, pois seres humanos situados em seus contextos de tradição não tem uma capacidade ilimitada de imaginação normativa8. Sendo assim, Günther (2004, p. 355) reformula-o, modulando-o em um critério de coerência nos seguintes termos: “Uma norma (Nx) é adequadamente aplicável em (Sx) se ela for compatível com todas as outras normas aplicáveis em (Sx) que fazem parte de um modo de vida (Lx) e passíveis de justificação em um discurso de fundamentação”.

Para Günther, assim, os dois critérios fundamentais à solução de conflitos de normas são, em síntese, a descrição completa da situação e a coerência das normas (BRUGGER, 1990, p. 493). Nesse contexto é que surgem as figuras de “paradigmas” ou esquemas, que são responsáveis pela determinação do que pode ser tido como relevante – inclusive do ponto de vista normativo – numa situação.

Essa perspectiva güntheriana de adequabilidade distingue-se, contudo, da ponderabilidade material alexyana, que se dá através da proporcionalidade baseada

8 Essa perspectiva de Günther é, portanto, pautada em uma limitação da coerência em razão da

dependência à historicidade e à própria história, que gera inclusive uma alteração constante dos significados das normas em cada caso concreto (GÜNTHER, 2000, p. 13). Para Alexy (2015a, p. 117-130), entretanto, a constatação da coerência é uma própria questão de ponderação, em razão do aspecto da colisão normativa, de maneira que aqui a limitação da coerência é devida a um recurso imanente à sua estrutura. Em Günther, o trato dessa colisão aparente ocorre já na terceira etapa do discurso de aplicação. Para Alexy, no fim das contas, não há distinção entre discursos de justificação e aplicação, pois ambos se confundiriam ou ao menos se necessitariam mutuamente, formando um

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em “comandos otimizáveis” (OLIVEIRA, 2004, p. 66). Essa diferenciação guarda um paralelo direto e origina-se, em verdade, do que Habermas identifica como os sentidos distintos de direitos fundamentais em Dworkin e em Alexy.

Para ele, o alinhamento à concepção de Dworkin representa o entendimento dessas normas como princípios jurídicos deontológicos, enquanto, à de Alexy, como bens jurídicos otimizáveis (HABERMAS, 1994, p. 311). O ponto fundamental dessa discriminação é atribuir-se às normas jurídicas a característica de comandos estritamente normativos ou, de forma pragmática, de normativamente teleológicos, podendo ser cumpridos apenas parcialmente, em razão de sua própria natureza integrativa em um sistema.

Em Günther, então, há essa assunção de um ponto de vista deontológico dos discursos de aplicação9, que ainda assim mantém a divisão entre discursos de fundamentação e de aplicação. Nos primeiros, o problema da aplicação concreta remanesce abstraído, enquanto nos segundos isso ocorre com o problema da validade10.

A tese de Góes (2013) indica, contudo, que em duas hipóteses a teoria de Günther é insuficiente. Segundo ele, isso ocorre em situações bem objetivas: na ausência absoluta de norma aplicável e na insuficiente adequação de uma única norma (GÓES, 2013, p. 144). Sendo essa a circunstância de interesse deste estudo, explorar-se-á o porquê e como há uma integração normativa e discursiva desses casos insertos na chamada “zona cinzenta”.

2.1.2 Zonas cinzentas e normas em situações complexas

No plano dos hard cases, a aferição da coerência de um sistema jurídico não é desafiada somente quando há colisão de normas, mas também quando a norma presente é, por algum motivo, parca para o julgamento. Na primeira situação, os discursos de aplicação deslindam a saída por meio do conceito de adequabilidade, conforme examinado na subseção anterior. Na segunda, todavia, inexiste a possibilidade de aplicação imparcial de uma norma por meio do exame de uma relação adequada, porquanto sequer a imprevisibilidade de situações futuras haveria sido

9 Por deontológico, nesse contexto, não se infere a produção de um conteúdo moral, próprio de

discursos de fundamentação, mas sim de um procedimento discursivo composto por normas válidas visando a aplicação delas, e não meramente sua priorização.

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estipulada nessa circunstância pelo momento de fundamentação da norma insuficiente.

Essas “lacunas por insuficiência” apresentam-se, para Peczenik (2009, p. 18), como o caso geral, do qual as “lacunas genuínas” seriam o particular. Elas são marcadas por uma falta de orientação específica a respeito do que deve ser normativamente concretizado e, nesse sentido, denotam a presença de exíguas “afirmações legais genuínas” ou “afirmações jurídicas expressivas”.

Por essa perspectiva, as lacunas por insuficiência estariam correlacionadas com proposições práticas, vinculadas ou a afirmações sobre valores ou a afirmações sobre normas (PECZENIK, 2009, p. 34). Sendo esse o caso que a priori dialoga com a hipótese das normas complexas, pode-se identificar que, no âmbito da zona cinzenta e da indeterminação normativa, as próprias alegações que tem por intuito expressar uma norma degringolam-se impossibilitadas.

Entrepondo-o no espaço de discursos de aplicação, verifica-se, também, a inexequibilidade da reunião de proposições normativas minimamente hábeis ao apuramento da tal adequabilidade. Isto é, se essas lacunas propiciam apenas uma escassa certeza jurídica11 para a seleção da norma adequada, perscrutada discursivamente, o desenvolvimento desse procedimento aplicativo é absolutamente impraticável.

Tanto em Günther quanto em Habermas, o problema dessa conjunção é que a atividade jurisdicional se limita, a princípio, ao desenrolar de discursos de aplicação através da completa clareza da situação concreta e da seleção de normas adequadas (SIMIONI, 2007, p. 214). O que acontece é que, nessas ocorrências, resta manifestamente constatável que “o aprisionamento da teoria à fonte democrática de produção normativa leva-a ao paradoxo de aplicar uma norma que seja fruto dessa fonte de produção, ainda que o seu conteúdo seja apenas relativamente adequado” (GÓES, 2013, p. 147).

A verificação dessa incompletude na defluência de discursos de aplicação pode, a seu turno, advir de variadas razões. Ao passo que ela pode ser verificada através do sentido linguístico ou sistemático de uma interpretação jurídica, também o pode ser pela descontextualização valorativa e principiológica da norma com o contexto jurídico-social do tempo presente de sua aplicação (GÓES, 2015, p. 139).

11 Aqui refere-se a esse termo no entendimento de proposições normativas ofertadas como pretensões

(25)

Nessas situações, de toda maneira, a permanência da indeterminação acaba por compelir as normas complexas à necessidade de uma suplementação normativa no caso concreto12. A legitimidade da aplicação dessas prescrições fica carente, a

priori, de uma complementação por novas fundamentações, pois, pode-se dizer, elas

foram até então incompletas para um enquadramento adequado de fatos a normas jurídicas. A questão é precisamente que “o apego excessivo a uma prescrição normativa que seja reconhecidamente insuficiente leva, inexoravelmente, a uma saída antidemocrática para a questão específica da aplicação do Direito” (GÓES, 2013, p. 148).

A partir disso, o espaço vago ou a zona cinzenta identificada passa a ser um campo ao menos parcialmente aberto para a interpretação jurídica. Isso significa que a decisão e a argumentação assumem, nesse instante, um lugar de destaque na ambitude do Direito. A ambos passam a ser necessárias, todavia, diretrizes e entendimentos de como devem ser desenvolvidos, aos quais se dará a devida atenção no capítulo seguinte deste trabalho.

Para o momento, é importante apontar que por “interpretação” pode-se entender tanto a atividade de interpretar quanto o resultado dessa atividade. Pela atividade em si, há o objetivo de se encontrar um resultado correto, enquanto pelo resultado em si é levantado um sentido interpretativo que suscita uma pretensão de correção (Anspruch auf Richtigkeit), originada da escolha entre opções hermenêuticas diversas (ALEXY, 1995, p. 77).

Essa distinção é pertinente, pois julgamentos para casos de normas complexas se deparam com duas questões interpretativas fundamentais13.

A primeira atine ao sentido de resultado da interpretação. Ela é o próprio assentamento de que um caso é difícil, isto é, de que se apresenta como incompletamente regrado pelo ordenamento jurídico, a princípio. Para decidir-se

diante de uma insuficiência normativa, assim, é necessário, inicialmente, afirmar-se a

interpretação de que há uma insuficiência normativa, o que em si já é um próprio resultado de natureza hermenêutica.

12 Cf. HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des

demokratischen Rechtsstaats. 4. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. p. 265. Apesar de não ser exatamente a hipótese prevista pelo autor, a hipótese destacada aproxima-se de sua proposição em um tal condicionamento de uma norma jurídica.

13 Conforme noticiado, ambas podem ser desenvolvidas mediante perspectivas argumentativas ou

(26)

A segunda, por sua vez, orienta-se ao sentido de interpretação como atividade. É que, frente à constatação de que há uma exiguidade normativa para a aplicação do Direito, torna-se indispensável avocar a forma e os critérios que serão levados em consideração para a tomada de decisão. Quer dizer, especialmente se a situação é atípica, não havendo uma norma suficientemente adequada para o caso, o pensar sobre a maneira como se desenvolverá a interpretação construtiva do Direito é inadiável14.

Portanto, as questões-chave para o desenrolar de julgamentos perante normas complexas são a averiguação de insuficiência normativa e o estabelecimento de parâmetros legítimos por meio dos quais se decidirá frente a essas zonas cinzentas.

Antes, porém, de avaliar as respostas a essas questões em teorias sobre o direito15, proceder-se-á a uma investigação acerca de como casos emblemáticos, e dessa natureza, tem sido dirimidos por tribunais constitucionais.

2.2 PRÁTICA

Conforme elucidado, a aplicação de normas complexas pressupõe a insuficiência normativa e a definição de critérios ou artifícios pelos quais se decidirá, alcançando-se, por fim, o próprio julgamento da matéria em questão. No campo do Direito Constitucional, que será tomado como exemplo para a apuração da “prática” das normas insuficientemente adequadas, elas são identificadas como caso de omissão legislativa relativa16 (GÓES, 2013, p. 144).

Habitualmente, na esfera constitucional, essas qualidades de lacuna advêm do não cumprimento de uma exigência normativa e específica de ação, que vai além do dever geral de legislar (CANOTILHO, 1997, p. 1033). A materialização delas ocorre

14 Segundo Simioni (2007, p. 213), esse modo de interpretar já é inevitável em quaisquer discursos de

aplicação, porque “considerando que os discursos de aplicação do direito pressupõem tanto uma compreensão adequada da situação concreta quanto uma compreensão coerente da ordem jurídica, há uma inevitável interpretação construtiva do direito na atividade jurisdicional”.

15 Objeto de interesse do próximo capítulo.

16 Acresce-se, contudo, a possibilidade de se discutir a existência de uma lacuna no próprio texto

constitucional, conforme será esposado na seção 2.2.1.2 alhures. Da verificação de uma omissão dessa natureza não se sucede a admissão automática de uma teoria específica acerca da interpretação ou integração constitucional, tal como a de um direito supralegal que levaria à consequência de haver normas constitucionais inconstitucionais (BACHOF, 1994).

(27)

frequentemente pela desatenção a uma necessidade por igualdade ou por correspondência normativa de uma dada situação para com uma outra17.

Mendes (2008, p. 8), de forma abrangente, enuncia que:

A omissão parcial envolve, por sua vez, a execução parcial ou incompleta de um dever constitucional de legislar, que se manifesta seja em razão do atendimento incompleto do estabelecido na norma constitucional, seja em razão do processo de mudança nas circunstâncias fático-jurídicas que venha a afetar a legitimidade da norma (inconstitucionalidade superveniente), seja, ainda, em razão de concessão de benefício de modo incompatível com o princípio da igualdade (exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade).

Para lidar com esse tipo de situação, frequentemente o Poder Judiciário precisa se defrontar com questões de ordem política18. As temáticas que padecem de regulação insuficiente reiteradamente chegam às cortes constitucionais relacionando-se com problemas tão amplos que o interesrelacionando-se da sociedade acerca da matéria muitas vezes é não somente legítimo e cabido, mas também vivamente despertado.

Vinculando essa perspectiva coletiva de afiliação da política ao Direito, Jorge Miranda (2003, p. 301) chega inclusive a dizer que “o reconhecimento da existência de lacunas será tanto maior quanto maior for a consciência de que o processo político se encontra submetido ao Direito”.

Nesse espectro, por um lado, o anseio dos cidadãos pela sua integração à produção do Direito em processos jurisdicionais que envolvem normas complexas parece ser aguçado. Por outro, a própria Jurisdição abre-se para, de uma maneira ou de outra, construir e correlatar interdisciplinarmente o Direito.

Tendo isso por vista, serão examinadas nesta seção julgamentos emblemáticos de tribunais constitucionais que enfrentaram e precisaram ambientar nuances tais quais as exploradas neste trabalho. Através desses arquétipos, vislumbra-se aclarar a pertinência e atualidade da discussão que é objeto desta pesquisa.

17 Por essa linha é que Canotilho (1997, p. 1035-1036) acrescenta ainda que essas omissões

legislativas são derivadas de atos legislativos que, na concretização de normas constitucionais, favorecerem certos grupos ou situações, esquecendo de outros grupos ou situações que preencheriam os mesmos pressupostos de fato.

18 O propósito deste trabalho não é o de atingir conclusões sobre instrumentos processuais em sentido

estrito, que atinem a inconstitucionalidades por omissão, tais como a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, na ordem constitucional brasileira. O objetivo é, exatamente, lidar com as hipóteses em que as normas complexas surgem sem que um discurso de fundamentação prévio que as designasse como tais.

(28)

De início, então, serão apreciadas decisões do Supremo Tribunal Federal e, posteriormente, de tribunais constitucionais estrangeiros que têm sua relevância para com o que ora se discute, conforme se demonstrará. Para essa análise, não se tomará por conta todas as peculiaridades de cada julgamento, mas tão somente suas características que guardem relação com o tema das normas complexas. Ao fim, examinar-se-á, em conjunto, o que essas decisões revelam e informam sobre a prática das normas insuficientemente adequadas.

2.2.1 STF

Para o exame de julgamentos da corte constitucional brasileira, serão comentados três acórdãos que granjearam grande repercussão popular e ou trataram diretamente ou precisaram argumentar acerca de normas em situações complexas. São eles, respectivamente, os (i) do reconhecimento da união estável homoafetiva; (ii) da constitucionalidade da Emenda Constitucional 62/2009; e (iii) da equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo.

2.2.1.1 O reconhecimento da união estável homoafetiva (ADPF 132 e ADI 4277)

Na ADPF 132, julgada em conjunto com a ADI 4277, foram questionadas (i) a interpretação dada a dispositivos normativos do Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro, na medida em que ela implicava em redução de direitos a pessoas de “orientação ou preferência homossexual”; bem como (ii) decisões judiciais diversas, que negavam a uniões homoafetivas estáveis direitos garantidos a pessoas de “preferência heterossexual” (BRASIL, 2011). Na ADI, por sua vez, foi pugnada uma interpretação conforme a Constituição do art. 1723 do Código Civil brasileiro, que, em sua literalidade, consignaria o direito ao reconhecimento legal a uniões estáveis somente entre homens e mulheres.

No decorrer de seus votos, vários Ministros expressaram de forma diferente a insuficiência e desatualidade da norma em questão, ou ainda a existência de lacuna ou omissão no sistema jurídico.

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Em aditamento ao seu voto, o Ministro Luiz Fux, por exemplo, fez referência ao professor Dworkin19 para destacar a “virtude soberana” de que a todos é devido o tratamento com igual consideração, concluindo, a partir disso, por uma necessidade ativa de ação do Judiciário. Nessa oportunidade, diz ele, “o governo – e nós somos o governo, nós praticamos atos de governo também, atos que são inerentes ao Poder Público – se o legislador não faz, compete ao Tribunal suprir essa lacuna” (BRASIL, 2011, p. 80-81, grifo nosso).

O Ministro Gilmar Mendes, de forma bastante clara, reconheceu que a exceção pretendida poderia ser justificada apenas mediante o vislumbre de uma lacuna, de uma imperfeição, de uma incompletude (BRASIL, 2011, p. 137). Para o Ministro Ayres Britto, de outra parte, a fundamentação do voto prescindiria da existência de uma tal lacuna, havendo apenas uma “interpretação superadora da literalidade” (BRASIL, 2011, p. 139). Em resposta, Mendes esquivou-se inicialmente desse aspecto da discussão, ressaltando que os resultados dessas duas interpretações seriam fundamentalmente próximos, confirmando, todavia, a presença de “um tipo de inércia legislativa” (BRASIL, 2011, p. 140).

Posteriormente, entretanto, o Ministro assenta inexoravelmente que há uma lacuna valorativa ou axiológica:

Nesse sentido, diferentemente do que expôs o Ministro Relator Ayres Britto – ao assentar que não haveria lacuna e que se trataria apenas de um tipo de interpretação que supera a literalidade do disposto no art. 226, § 3°, da Constituição e conclui pela paridade de situações jurídicas –, evidenciei o problema da constatação de uma lacuna valorativa ou axiológica quanto a um sistema de proteção da união homoafetiva, que, de certa forma, demanda uma solução provisória desta Corte, a partir da aplicação, por exemplo, do dispositivo que trata da união estável entre homem e mulher, naquilo que for cabível, ou seja, em conformidade com a ideia da aplicação do pensamento do possível (BRASIL, 2011, p. 194-195).

O fato é que, no caso, mesmo ante a discordância sobre a existência de lacuna20, a norma complexa foi constatada em ambas as interpretações. Acontece que os magistrados que disseram não haver lacuna, anuíram pela desatualização da literalidade do art. 226, § 3° da CF, conforme ficou consignado na ementa do julgamento: “Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes.

19 Cf. DWORKIN, Ronald. Freedom’s Law: the moral Reading of the american constitution. New York:

Oxford University Press, 1996.; e DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

20 Os Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso concordam com a linha do Ministro Gilmar

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Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural” (BRASIL,

2011, p. 4, grifo nosso).

Dessa maneira, apesar de terem sido usados pressupostos diferentes, reconheceu-se a insuficiência normativa. A legalidade da união homoafetiva, por sua vez, foi igualmente afirmada. Para aqueles que acordaram por uma lacuna normativa, ela foi constatada pela aplicação de analogia, enquanto, para aqueles que pensaram de forma diversa, o foi por meio da técnica da interpretação conforme a Constituição.

2.2.1.2 O “silêncio eloquente” e a constitucionalidade formal da Emenda Constitucional 62/2009 (ADI 4.357)

A ADI 4.357 foi ajuizada em face da Emenda Constitucional n° 62/200921. Do ponto de vista do que foi questionado materialmente22, os pontos suscitados foram diversos. Para este trabalho, no entanto, interessa o exame do que foi deliberado sobre a constitucionalidade formal da Emenda.

Os requerentes argumentaram que a Emenda violava o princípio do devido processo legal (inciso LIV do art. 5°) e o sentido da votação em dois turnos para a aprovação de uma emenda constitucional, nos termos do § 2° do art. 60 da CF. O fundamento para tanto é que a aprovação da Emenda, no Senado Federal, ocorrera numa única noite, o que violaria um interstício mínimo de 5 (cinco) dias úteis entre o debate e a votação em 1° turno e 2° turno (BRASIL, 2013, p. 12).

No que tange às normas complexas, o mais interessante nessa decisão é o entendimento especificamente de se a norma do art. 60, § 2°23 conteria uma lacuna no que diz respeito a esse intervalo de tempo ou se isso configuraria uma opção constitucional pela ausência da determinação de um período mínimo para aprovação de uma emenda em um casa legislativa. Os julgadores divergiram a esse respeito no acórdão prolatado.

Essa questão é bem colocada pelo Ministro Fux, que acabou tornando-se relator após a maioria de seus colegas seguirem a linha do seu voto. Segundo ele,

21 O julgamento dela no STF se deu em conjunto ainda com o das ADI-s n° 4.372, 4.400 e 4.425

(BRASIL, 2013).

22 Acerca da matéria de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. 23 “Art. 60. A constituição poderá ser emendada mediante proposta:” [...]

“§ 2° A proposta será discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros” (BRASIL, 1988).

(31)

esse dispositivo constitucional consagra um “silêncio eloquente”, que não permitiria o estabelecimento de qualquer interstício instituído em local diverso que senão a própria Constituição. Esse silêncio se oporia a uma categoria de “lacuna de formulação” da norma constitucional24, que não teria estabelecido qualquer prazo.

Nesse julgamento, tanto os Ministros a favor quanto os contrários ao posicionamento de Fux pautaram-se na teleologia da norma constitucional para definir seu sentido e condição no ordenamento jurídico. Segundo o voto divergente de Ayres Britto, por exemplo, “a pretensa segunda rodada de discussão e votação da emenda

sub judice implicou um tipo de arremedo procedimental que não tem como escapar à

pecha de fraude à vontade objetiva da Constituição” (BRASIL, 2013, p. 31, grifo nosso). O próprio Fux, a seu turno, diz que “não cabe falar em vício formal nem mesmo sob a suposta vertente teleológica de interpretação do art. 60, § 2°, da Constituição” (BRASIL, 2013, p. 75).

Com isso, pode-se aferir que a necessidade ou não de complementação normativa, quer dizer, de constatar a deficiência ou a suficiência da norma, foi fixada tendo por base o escopo perscrutado pela prescrição constitucional. A suposta “vontade da norma constitucional” foi, assim, decisiva para a assunção dos diferentes posicionamentos no julgamento25.

O caso chama atenção, de toda maneira, porque não há uma incompletude a

priori da norma estabelecida, mas tão somente a partir do acolhimento de uma

interpretação específica do que a norma significa.

A totalidade da adequação de uma norma, conforme esse caso, só pode ser percebida mediante o resultado interpretativo26 dela. Em outras palavras, ela não será insuficientemente adequada em quaisquer dos sentidos possíveis dela, mas sim, eventualmente, em algum deles.

O Ministro Ayres Britto adverte que não há como se apurar objetivamente o exato intervalo necessário entre dois turnos que a norma demanda, remanescendo a

24 O Ministro aclara esses conceitos, usando as definições de Mendes e Branco (2011, p. 100-101),

segundo as quais o silêncio eloquente estaria presente quando a “hipótese concreta examinada pelo aplicador não foi inserida pelo constituinte no âmbito de certa regulação, porque o constituinte não quis atribuir ao caso a mesma consequência que ligou às hipóteses similares que tratou explicitamente”, de tal maneira que “a omissão da regulação, nesse âmbito, terá sido o resultado do objetivo consciente de excluir o tema da disciplina estatuída”. A lacuna de formulação, por sua vez, seria “apenas um lapso do constituinte, que não pretendera excluir a categoria de fatos em apreciação da incidência da norma” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 101).

25 Discorrer-se-á acerca das correlações desta temática com a questão das normas complexas no

tópico 3.2 deste trabalho.

(32)

possibilidade de existência de uma zona cinzenta27, em consequência da não demarcação ou indicação do que concretamente seria um prazo razoável entre ambos os turnos. Por essa vertente, poder-se-ia argumentar pela necessidade de uma suplementação normativa desse ponto de vista, a fim de que essa ideia de um prazo razoável fosse aclarada. Nesse cenário, a pressuposição de uma norma complexa seria necessária28.

No caso em questão, a divergência residiu precisamente sobre a natureza e objetivo da norma posta a nível constitucional. Por maioria, guiando-se pela literalidade da disposição normativa, bem como pela teleologia da norma em deixar um espaço fluido para o desenvolvimento da política, decidiu-se pela constitucionalidade formal da Emenda n° 62 e, assim sendo, também pela existência de norma suficientemente adequada.

2.2.1.3 Equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo (ADO 26 e MI 4377)29

Através do MI 4733 e da ADO 26, a ABGLT e o PPS fizeram, fundamentalmente, dois pedidos. O primeiro foi a fixação de um prazo para criação de lei, pelo Congresso Nacional, que punisse criminalmente a homofobia e a transfobia. O segundo foi a regulamentação temporária da matéria, através da aplicação do tipo penal de racismo, contido na lei 7.716/89, às práticas de homofobia30.

O Plenário do STF atendeu a ambos os requerimentos, declarando a existência de omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei

27 Apesar de que, no caso, pelo seu posicionamento pessoal, o Ministro revela que o caso dos autos

se inscreve numa “zona de certeza negativa”, em que certamente a norma proibiria o que ocorreu (BRASIL, 2013, p. 30). Faz isso, contudo, referindo-se ao fato de que foi absolutamente extrema a conduta adotada, isto é, de realizar os dois turnos da votação da emenda em apenas uma noite, o que não indica, contudo, que se tivesse durado um pouco mais, mas ainda menos de cinco dias, que essa “zona de certeza negativa” ainda poderia ser reconhecida.

28 Evidentemente, é possível a oferta de múltiplas interpretações para o presente caso, inclusive, por

exemplo, no sentido sistemático de que outros dispositivos constitucionais confeririam à norma do art. 60, § 2° a suficiência normativa para que ela comandasse a existência de um interstício razoável entre os dois turnos. A questão que se coloca, todavia, é outra. O ponto é que a assunção definitiva de uma postura interpretativa ou outra, no sentido de determinar se a norma é completa ou não, altera diretamente tudo que se segue na resolução argumentativa do caso.

29 Ressalva-se que os acórdãos de nenhuma das duas ações haviam sido publicados à data de

apresentação deste trabalho, mas tão somente votos em separado de alguns Ministros.

30 A esse respeito, cf. REDLER, Ivana. Criminalização da homofobia no STF: veja como votou cada

ministro. 2019. Disponível em: <https://masterjuris.com.br/criminalizacao-da-homofobia-no-stf-veja-como-votou-cada-ministro/>. Acesso em: 05 abr. 2020.

(33)

criminalizadora de atos de homofobia e de transfobia, bem como o enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na referida Lei do Racismo, até a superveniente elaboração de lei a esse respeito pelo Congresso31.

No caso, a constatação de omissão legislativa em editar lei não consagrou, por si só, a existência de norma complexa, mas sim o passo seguinte, que foi a verificação da insuficiência do tipo penal da lei 7.716/8932. Nesse sentido, inclusive, é que a formulação dos pedidos foi realizada:

O autor defende não só a existência de inércia legislativa, a caracterizar omissão inconstitucional, nos termos do inciso XLI do art. 5° da CF; mas também a necessidade de edição de norma penal específica, que, efetivamente, puna qualquer discriminação atentatória dos direitos e

liberdades fundamentais, relacionada à homofobia ou transfobia, uma vez

que a legislação atual é esparsa e insuficiente (“proteção insuficiente”) (MORAES, p. 15, 2019, grifo nosso).

No julgamento da matéria houve, contudo, controvérsia a esse respeito. Para a maioria dos Ministros33, a tipificação penal de racismo era incompleta, pelo fato de não abranger normativamente a homofobia e a transfobia. Conforme ressaltado nos votos de Celso de Mello34, Edson Fachin35, Alexandre de Moraes36 e Gilmar Mendes37, a aplicação da teoria da vedação da proteção insuficiente era fundamental e induziria a uma complementação normativa do tipo penal para imprescindivelmente incluir também a criminalização que se pleiteava.

31 Cf. Supremo Tribunal Federal. STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo

ao reconhecer omissão legislativa. 2019. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010>. Acesso em: 04 abr. 2020.

32 Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou

procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

33 Nomeadamente Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa

Weber, Luiz Fux, Carmén Lúcia e Gilmar Mendes (Supremo Tribunal Federal, 2019).

34 Cf. MELLO, Celso de. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 Distrito

Federal. 2019. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 72.

35 Cf. FACHIN, Edson. Voto no Mandado de Injunção 4.733 Distrito Federal. 2019. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/dl/leia-voto-ministro-fachin1.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 15.

36 Cf. MORAES, Alexandre de. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26

Distrito Federal. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/ado-26-voto-alexandre-moraes.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 20.

37 Cf. REDLER, Ivana. Criminalização da homofobia no STF: veja como votou cada ministro. 2019.

Disponível em: <https://masterjuris.com.br/criminalizacao-da-homofobia-no-stf-veja-como-votou-cada-ministro/>. Acesso em: 05 abr. 2020.

(34)

Para Ricardo Lewandowski38 e Dias Toffoli39, de outra parte, não obstante o reconhecimento da mora e omissão da atuação legislativa, o tipo penal não poderia ser interpretado largamente, em virtude da magnitude do princípio da reserva legal no direito penal. Por esse fundamento, esses Ministros, com votos vencidos, reconheceram a completude normativa do direito posto.

Com discordância ainda também do Ministro Marco Aurélio, foi afirmada, em resultado, a existência de norma insuficientemente adequada no sistema jurídico. Para a decisão material a esse respeito, cada julgador, como no caso da ADPF 132, fundamentou suas conclusões a partir de suas próprias razões, alcançando-se o resultado já mencionado.

Vale destacar que nesses dois casos ouviu-se amigos da corte e diversas entidades40, o que em ambas as vezes ocorreu antes das decisões prolatadas que tanto identificaram a insuficiência de normas quanto que, substancialmente, decidiram sobre elas.

2.2.2 Tribunais constitucionais estrangeiros

Tendo em vista o interesse em arrazoar a temática das normas insuficientemente adequadas também em tribunais estrangeiros, no tocante a como elas são constatadas e à forma pela qual se decide sobre elas, serão abordadas decisões da Suprema Corte dos EUA, da Corte Constitucional da Colômbia e do Tribunal Constitucional Federal alemão.

A escolha de tratar de decisões especificamente desses tribunais não se alicerça em aleatoriedade, mas em um critério de pertinência temática. As justificativas para dedicar-se a cada um deles são as seguintes: i) a Suprema Corte dos EUA, no

38 Cf. LEWANDOWSKI, Ricardo. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26

Distrito Federal. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/legislativo-tipificar-crime-defende.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. p. 19.

39 Cf. Supremo Tribunal Federal. STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo

ao reconhecer omissão legislativa. 2019. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010>. Acesso em: 04 abr. 2020.

40 A esse respeito, cf. Supremo Tribunal Federal. Entidades de direitos humanos e homossexuais

defendem união homoafetiva. 2011. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178757>. Acesso em: 05 abr. 2020.; e Supremo Tribunal Federal. Partes e entidades interessadas se manifestam no STF sobre

criminalização da homofobia. 2019. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403255>. Acesso em: 05 abr. 2020.

Referências

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