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A H ERANÇA C OLONIAL : B RASIL R URAL E OS R EFLEXOS DO M ODELO P OLÍTICO S OCIAL L USITANO

ESPAÇO URBANO E SOCIABILIDADE: INTERFACES DO PLANO NACIONAL RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO

3.1 UM CAMINHO PARA AS CIDADES: MEIO AMBIENTE E ESPAÇO URBANO

3.1.1 A H ERANÇA C OLONIAL : B RASIL R URAL E OS R EFLEXOS DO M ODELO P OLÍTICO S OCIAL L USITANO

O impulso colonizador português, ainda que precoce comparado ao restante da Europa, se baseou em um espírito aventureiro balizador do caráter do colonizador e de seu padrão de trato pessoal e de sociabilidade. A colonização da América do Sul pelos países ibéricos é

um particular exemplo, acompanhando as tipologias de Sergio Buarque de Holanda (2006), da dicotomia entre “aventureiro e o trabalhador”, entre o “semeador e o ladrilhador”, respectivamente lusitanos e castelhanos. Este padrão dual apresentou grande preponderância na formatação da colonização brasileira e, embora não se apresentasse em formas puras, mas sempre com matizes contrárias, o português que aqui chegou emprestou a aventura e a semeadura à nação a se formar.

Conforme ressalta Holanda (2006:69), o modelo de ocupação do território brasileiro foi eminentemente rural, embora não tenha sido completamente agrário. O “medo” de se avançar em direção ao interior fez com que a organização territorial da colônia se concentrasse no litoral, fazendo de cada margem costeira um porto, por onde se escoaria a semeadura e a extração colonial. Expoente dessa forma de ocupação colonial, o Espírito Santo apresentou, historicamente, uma função de zona de bloqueio e controle do acesso às minas gerais (BRESCIANI, 2011). Assim, mesmo o desenvolvimento agrário e a priorização da ocupação litorânea na região se deu em função de estabelecer pontos aleatórios de controle do território de forma a impedir a entrada de nações inimigas e, mesmo, o escoamento ilegal do ouro das minas.

A formação da sociedade capixaba, nesse ínterim, se dá a partir de um transplante da cultura européia para um ambiente adverso – tropical e selvagem – notadamente em sua forma autônoma de relações interpessoais peculiar ao povo ibérico, que sobrevaloriza o patrimonialismo, a individualidade e a hereditariedade como critérios de beneficiamento pessoal. Nesse sentido, é relevante entender a Sombraceria, enquanto força exterior e respeitável, moralizante e temida, mantenedora dos privilégios, da hereditariedade e da organização social, como fator determinante da sociabilidade no Brasil. Cabe destacar, conforme aponta Sérgio Buarque de Holanda que:

É dela que resulta largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação entre esses povos [os ibéricos]. Em terra onde todos são barrões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida. (2006:21. adendo nosso).

E acrescenta: “À frouxidão da estrutura social, à falta de hierarquia organizada devem-se alguns dos episódios mais singulares da história das nações hispânicas, incluindo-se nelas Portugal e Brasil” (2006:21). Tais episódios, aos quais se refere Holanda, podem ser tipicamente caracterizados como a Independência, a Abolição da Escravatura, a República, a Revolução de 30, a Ditadura e a Abertura Econômica. Assim, essa herança colonial, aliada a esses momentos históricos determinaram o Espírito Santo de hoje e sua estrutura sócio-política em uma “era de indeterminação” (OLIVEIRA, 2007.) pautada pela vontade econômica, formando assim uma cultura política particular ao Espírito Santo e que apresenta grande preponderância enquanto molde de seu trato social: a de alijamento das grandes decisões e debates políticos nacionais; a conformação com o pequenos destaque no cenário nacional e o direcionamento de sua política para o exterior (BRESCIANI, 2011; ROCHA; MORANDI, 1991).

Ainda nesse contexto de formação de um Homem – cordial – Capixaba, cabe destacar sua ética da fidalguia, na qual o que importa são as virtudes capitais individuais, consubstanciadas na inferiorização do trabalho e edificação do ócio. Esse tipo de relação com o trabalho, segundo Holanda (2007:28), é responsável pela inexistência de uma solidariedade endógena, advinda de uma moral do trabalho, nessas sociedades isso contribui com a ressaltada “frouxidão da estrutura social”, criando um ambiente propício para a dominação política através da força, característica das diversas composições do Estado brasileiro até 1988.

O espírito sombracero, destarte, é o balizador do ânimo aventureiro com o qual se dá a ocupação do território brasileiro. O objetivo finalista da exploração colonial do Espírito Santo foi de mero apoio às grandes atividades nacionais, primeiro na extração do Pau- Brasil, depois na exportação do açúcar da Zona da Mata nordestina, seguido pela extração do ouro nas Minas Gerais, buscava simplesmente a garantia de manutenção do pacto colonial e o fornecimento da Metrópole. Assim, embora tenha sido a terceira Capitania Hereditária a ser ocupada, o espírito aventureiro que ocupou para as terras esteve sempre a espera de um simples usufruto da terra colonial, tendo como principal ponto de apoio o enriquecimento rápido que ela pode promover (MATTOS, 2011; SIQUEIRA, 2001).

Isto implica dizer, no âmbito deste estudo, que as “raízes” da formação social capixaba, sua organização espacial e suas referências quanto a um território de sociabilidade compartilhada, se fincam em um solo arenoso, no qual as bases de um compromisso social, de construção de um estado com identidade e território definidos não estão claras. Dessa forma, consoante o que apresenta Holanda, é importante destacar que esse espírito aventureiro se mostra preponderante à formação colonial do Espírito Santo, não só por seu caráter adaptativo, capaz de manter o formato das relações sociais lusitanas em um ambiente muito diferente, mas por introduzir, ainda que de forma incipiente e esparsa, uma economia colonial de subsistência, baseada na mão-de-obra escrava africana como uma forma de garantir o trabalho na lavoura (ROCHA; MORANDI, 1991). Dessa forma, como aponta o Holanda:

Não foi, por conseguinte, uma civilização tipicamente agrícola o que instauraram os portugueses no Brasil com a lavoura açucareira. Não o foi, em primeiro lugar, porque a tanto não conduzia o gênio aventureiro que os trouxe à América; em seguida, por causa da escassez de população do reino, que permitisse emigração em larga escala de trabalhadores rurais, e finalmente pela circunstância de a atividade agrícola não ocupar então, em Portugal, posição de primeira grandeza. (2006:41).

Esses fatores são preponderantes ao entendimento do atraso na abolição da escravatura, na discriminação ao africano escravo – o trabalhador – que se perpetuou após o Império e mesmo no discurso racial predominante na segunda metade do Século XIX e início do Século XX, demonstrada por Ventura (2000). A introdução do negro escravizado transpôs à sociedade brasileira uma “moral das senzalas”, responsável por um languedescimento da população colonial do Brasil, o que só veio predominar no Espírito Santo muito depois do restante do Brasil, com a falência das minas gerais. Contudo, nesse ponto ainda vale-se dos ensinamentos de Gilberto Freyre (2001) sobre como a atitude dos escravos domésticos – mucamas, negrinhos e negrinhas – contribuiu para a formação moral e social dos filhos dos senhores de engenho.

Por conseguinte, cabe destacar, ainda segundo Holanda, como o modelo de ocupação do território foi relevante na configuração da herança colonial do Brasil como um todo e, em particular, do espírito Santo. Apoiado na dicotomia ladrilhador – o hispânico, capaz de projetar cidades racionais baseadas no modelo metropolitano, e semeador – o lusitano, sentimental, cujo espírito aventureiro levou à exploração de novas terras, sem fazer delas o prolongamento da metrópole, autor ressalta a importância da exploração desses padrões de ocupação do território na constituição das futuras sociedades das colônias Ibéricas. No Espírito Santo, de fato, o primeiro marco de rompimento com o espírito semeador só se dá em fins Século XIX, com o início da imigração europeia, ao contrário do restante do Brasil que experiência essa realizada no Século XVIII, com a exploração do ouro nas Minas Gerais, o que faz surgir um pequeno surto urbano nas regiões auríferas, que decai com o esgotamento da produção das jazidas de aluvião.

Exceção representada na obra Jesuítica, esse padrão de colonização denota que, na palavras de Sérgio Buarque de Holanda, “[...] a colônia é simples lugar de passagem, para

o governo como para os súditos” (2006:102) e que no estado do espírito Santo, encontrou nos Passos do padre José de Anchieta, grande espaço de atuação. Dessa maneira, as cidades edificadas em território capixaba não buscavam romper com a irregularidade do relevo, já que não eram produtos de uma “atividade mental” ou de um rigor técnico que tivesse por objetivo “encravar” explicitamente a formação urbana na natureza, tal qual ocorreu na América espanhola.

Vê-se, portanto, que essa herança colonial constitui-se como parte da consolidação de um modelo rural no qual se sobressai a aversão ao trabalho e uma ocupação desordenada do território. Entende-se com isso, conforme Holanda que:

Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem com o modelo de dominação portuguesa, que renunciou a trazer normas imperativas e absolutas, que cedeu todas as vezes em que as conveniências imediatas aconselharam a ceder, que cuidou menos em construir, planejar ou plantar alicerces, que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da mão. (2006:97).

Do exposto, tem-se que para compreender as fases subseqüentes da socialização, da cultura política e do processo urbano no Espírito Santo, deve-se levar em conta essa formação peculiar da identidade local, baseada na hereditariedade, na aversão ao trabalho e na exaltação do ócio, na introdução do trabalho forçado, consubstanciado no agravamento do mandonismo e da autoridade pessoal de uma região que, por assim dizer, teve o papel histórico de “zona tampão” e barreira natural à entrada de pessoas. É nesse contexto que no Espírito Santo vê-se uma formação incipiente do espaço público, acompanhando um Brasil independente cuja formação de sua nação, de sua burguesia e interesses econômicos mantêm instituições políticas de ordem autoritária em quase toda a história.

3.1.2 F

ORMAÇÃO DA

B

URGUESIA

B

RASILEIRA

:M

ANUTENÇÃO DA

H

ERANÇA