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REFLEXOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A QUESTÃO DO SANEAMENTO: UM OLHAR

ESPAÇO URBANO E SOCIABILIDADE: INTERFACES DO PLANO NACIONAL RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO

3.2 REFLEXOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A QUESTÃO DO SANEAMENTO: UM OLHAR

SOBRE A REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

Fortemente vinculada à questão do saneamento básico, a gestão de resíduos sólidos representa um dos principais pilares da gestão ambiental urbana e, consequentemente de garantia de uma vida digna e saudável à população. Assim, nesse contexto de discussão sobre ecogovernamentalidade em que, como estratégia mercadológica, a gestão de resíduos vincula-se à questão das mudanças climáticas, é importante destacar que tanto pela via da gestão da vida, quanto pela estratégia de fortalecimento de um governo liberal, fundado em tecnologias de poder regulatórias, como visto acima, a PNRS se traduz como um resultado exponencial da formação da cultura política no Brasil, apresentando reflexos relevantes sobre a questão na Região da Grande Vitória.

A gestão de resíduos, além disso, traz em conjunto não apenas os aspectos econômicos relacionados ao consumo, mas infere grande mobilização de movimentos e grupos sociais. Assim:

Um dos aspectos sociais mais degradantes nos serviços de limpeza urbana é a catação de recicláveis nos aterros e lixões, onde pessoas de todas as idades, misturadas ao lixo, entre animais e máquinas, e em condições de insalubridade e risco, lutam pela sobrevivência. (IBGE, 2002)

Dessa forma, Além de ser um dos serviços de saneamento que, conforme o Gráfico I, apresenta maior abrangência na gestão pública do saneamento, a gestão de resíduos, fatalmente, é a que mais envolve a vida diária da população.

GRÁFICO I - Representatividade da Gestão de Resíduos Sólidos na Política de Saneamento

Fonte: IBGE, 2011.

Esse último aspecto é fundamental para a abordagem aqui tratada, pois se encarado com ponto relevante de discussão no espaço público, a gestão de resíduos sólidos deveria assumir um papel de destaque no debate político, uma vez que:

Bons resultados na limpeza urbana estão vinculados à participação ativa da população com práticas adequadas ao serviço, tais como acondicionar adequadamente o lixo, colocá-lo à disposição para a coleta nos dias e horários pré-estabelecidos, e não lançar resíduos nos logradouros, rios, canais e praias. Também é importante o conhecimento da estrutura organizacional e operacional necessária à execução dos serviços, os custos correspondentes e a diversidade de serviços que compõem um sistema de limpeza urbana, tais como o

acondicionamento, a coleta, a varrição e a limpeza de logradouros, a transferência e a destinação final. (IBGE, 2002).

Assim, conforme salientam Dagnino (2004) e Teixeira (1997), pode-se dizer que a gestão de resíduos, tanto do ponto de vista da participação, quanto da cidadania estaria muito mais vinculada à uma questão mercadológica, da reivindicação de um serviço, do que de uma questão político-discursiva, que envolva a questão da formação de uma sociabilidade (JACOBI, 2006). Além disso, é importante salientar que pela complexidade, abrangência e falta de informação o acesso às escalas institucionais de gestão de resíduos é diminuta, fazendo com que apenas os “canais de comunicação com o consumidor” sejam adotados com vias de acesso à gestão, planejamento e execução dessa macropolítica.

De fato, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE, em 2000:

Os canais de comunicação têm servido mais para reclamar sobre a qualidade dos serviços prestados (71 ) do que para participar ou colaborar para a implantação do sistema (29%). Ainda assim foram declarados 2030 movimentos reivindicatórios, em vários municípios, para implantação, ampliação e melhoria dos serviços, promovidos em sua maioria por associações de bairro ou de moradores (46 ), seguidas de partidos políticos (22 ). (2002)

Esse dado se mostra preocupante, quando se verifica que em 5507 municípios pesquisados, apenas foram identificados 2030 grupos que buscaram participação na gestão. Mais preocupante é o dado que demonstra que nesta parcela já pequena de participação há ainda um quantitativo acima de 70 de “reclamações” e, consequentemente poucas ações propositivas e integrativas da sociedade.

Esse aspecto é relevante, pois acaso se concentre apenas nos aspectos mais formais da participação na gestão de resíduos nos municípios, que seria o orçamento participativo

(DINIZ, 2001; TEIXEIRA, 1997), vê-se também que não há muita efetividade nesses reivindicações e reclamações. Isso pode ser visto, em parte, pelo percentual do orçamento municipal destinado à gestão de resíduos nas cidades brasileiras, conforme a Tabela abaixo.

TABELA I - Percentual do Orçamento dos Municípios Brasileiros Destinados a Gestão de Resíduos Sólidos por Faixas de População

Fonte: IBGE, 2002.

Como se vê, em todas as faixas de população, o maior quantitativo de cidades se concentra no percentual mínimo de gastos com gestão de resíduos. Esse cenário pode ser melhor percebido, em função dos direcionamentos da PNRS (BRASIL, 2012) que determina a priorização de uma coleta seletiva, cuja abrangência é, ainda, de pequena monta no território nacional, conforme se percebe na Figura II.

FIGURA II - Abrangência da Coleta Seletiva no Brasil

Fonte: IBGE, 2011.

Essa questão se vê ainda agravada pelo fato de que, sendo estruturada num sistema incipiente de coleta seletiva, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, para além de enfatizar uma responsabilidade do consumidor-produtor de resíduos na cadeia produtiva, relega às cooperativas de catadores papel fundamental no processo de gestão. Contudo, embora se verifiquem experiências positivas e que mantenham um mínimo de condições ao trabalho digno das cooperativas de catadores, conforme exposto por Jacobi (2006), o que se observa no geral é uma baixa abrangência da presença desses grupos.

FIGURA III - Distribuição das Cooperativas de Catadores no Brasil

Fonte: IBGE, 2011.

FIGURA IV - Relação entre distribuição de catadores e trabalho social no Brasil

Nesse contexto, conforme último censo realizado pelo IBGE com os catadores no Brasil- Figura IV -, a situação mostra-se ainda mais precária. Aliando esses dados aos contidos na Tabela II, vê-se que mesmo com essas estratégias de trabalho social, as condições de renda, associação e trabalho são insuficientes para a média desses trabalhadores.

TABELA II - Situação dos Catadores de Lixo no Brasil

Categorias Distribuição

Catadores 400-600 mil

Cooperativas 1100

Catadores / Cooperativas 10%

Cidades / Catadores em Aterros 27%

Cidades / Catadores em area urbana 50%

Renda media (mensal) R$420–R$520

Fonte: Elaboração própria a partir de IBGE, 2002

Como pode ser observado, a questão da gestão de resíduos sólidos urbanos encontra um grande desafio em particular no Brasil: o de conciliar as previsões de participação social das cooperativas de catadores em uma política não formulada por elas, com objetivos de integração do manejo de resíduos interesses do mercado de carbono, embora este tipo de ação não seja a mais relevante do ponto de vista do controle das mudanças do clima.

Nesse contexto, subsiste uma precária iniciativa de mobilização social, na medida em que os consumidores são demandados a participar da política pela mera responsabilização pelo uso da mercadoria. Além disso, o entrelaçamento das ações dessas macrocopolíticas gera um confronto de interesses entre sociedade civil organizada, representada pelos catadores, com o mercado de carbono, uma vez que para a criação de projetos de MDL, é necessária a

remoção dos trabalhadores dos aterros sanitários, o que significa deslocar da área de trabalho, sem criação de alternativa de renda cerca de 1/3 desse grupo.

Dado esse panorama da questão nacional da PNRS, cabe tecer algumas considerações sobre sua estruturação na Região Metropolitana da Grande Vitória. Assim, o quadro abaixo apresenta um panorama geral da gestão de resíduos nas quatro maiores cidades da Região Metropolitana.

QUADRO I - Panorama da Gestão de Resíduos em Municípios da Região Metropolitana da Grande Vitória

FONTE: METRO, 2014

Como se pode observar, a partir do quadro acima de da Tabela III, a Região metropolitana acompanha uma tendência nacional de gastos orçamentários com o manejo de resíduos

urbanos. Esse cenário decorre de uma série de fatores, dentre os quais se destaca o fato de que desde 2009 (ESPIRITO SANTO, 2009) os aterros sanitários controlados da Região - que podem ser observados na Figura V - passaram a se organizar e consolidar como projetos do mercado de carbono. Com isso, viabiliza-se a geração de receita para a gestão consorciada do lixo entre municípios e empresas gerenciadoras dos aterros.

TABELA III - Orçamento dispensado à Gestão de Resíduos na Região Metropolitana da Grande Vitória

Fonte: IBGE, 2002.

Nessa perspectiva, percebe-se que a forma de gestão de resíduos sólidos no Espírito Santo se aproxima em grande medida do discorrido no capítulo anterior com relação à questão da ecogovernamentalidade. Isso pode ser percebido, observando-se o expresso no texto do Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana da Grande Vitória (ANEXO A), que descreve como ocorreu esse processo, inicialmente pela estratégia do Município de Vitória em criar, juntamente com um empresa privada, revestida da prerrogativa de organização social, um área de manejo do lixo, com gestão voltada para o mercado de carbono, modelo que depois foi seguido pelos municípios de Vila Velha e Serra, congregando, hoje, um conjunto de três empresas que gerem a ação consorciada para manejo de resíduos, conforme pode-se identificar pelo pontos azuis no Figura V abaixo.

FIGURA V - Manejo de Resíduos Sólidos no Espírito Santo

Fonte: IBGE, 2011

Por fim, uma atenção especial deve ser dada à questão dos movimentos sociais de catadores na região. Com os Projetos Terra e São Pedro, na década de 1990, esses grupos se viram bastante afetados pela exclusão de suas áreas de trabalho e tentativa, por parte do poder público, de redirecionamento da forma de coleta dos aterros sanitários sem controle - lixões, para a coleta nas ruas. Tal estratégia culminou no enfraquecimento desses grupos e

seu quase desaparecimento, como entidades organizadas e cooperativada, na Região Metropolitana. Os reflexos disso podem ser observados na Figura VI.

FIGURA VI - Trabalho Social e Distribuição de Organizações de Catadores

FONTE: IBGE, 2011.

Como é possível observar, comparativamente ao cenário nacional, tanto a presença quanto o trabalho social realizado com os grupos de catadores no Espírito Santo é desproporcional ao restante do país. De uma maneira geral, como pode ser visto no Plano Diretor da região Metropolitana (ANEXO A), esses grupos tampouco foram envolvidos no debate político para formulação do plano, tendo sido apenas estudados na fase de diagnóstico do plano como “objeto” da ação da política após formulada, numa clara ação biopolítica, conforme apontado no capítulo II com relação à questão da ecogovernamentalidade, que impera nas ramificações locais dessa macropolítica.

Assim, o que se vê é a instrumentalização dos movimentos sociais na gestão de resíduos sólidos na região Metropolitana da Grande Vitória, com seu alijamento do processo decisório e de constituição da política. A caracterização de um consórcio ara atendimento

ao Mercado de carbono contribui, ainda, para reforça a idéia de implantação de uma tecnologia de controle na gestão do ambiente e da vida, que se aproveita da fragmentação do espaço público e do enfraquecimento do elemento de participação na cultura política da sociedade civil capixaba.