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Esclerose Múltipla: aspectos urológicos

Nos países ocidentais a Esclerose Múltipla é uma doença comum afectando sobretudo adultos jovens. A sua apresentação é muito variável, abarcando desde simples sintomas até défices neurológicos graves. As manifestações da esfera urológica são extremamente prevalentes. Apesar de as manifestações urológicas infrequentemente se revestirem de gravidade, estão associadas a impacto negativo importante na qualidade de vida, para as quais os profissionais de saúde envolvidos nos cuidados a este tipo de doentes não estão muitas vezes suficientemente sensibilizados.

O objectivo deste trabalho é dar a conhecer as implicações urológicas da Esclerose Múltipla de uma forma sistematizada, abordando aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos e clínicos, bem como a abordagem apropriada deste tipo de doentes, possibilidades de tratamento e resultados associados.

Palavras-Chave: Esclerose múltipla, bexiga neurogénica, urodinâmica.

Luís Xambre, Manuel Cerqueira, Vítor Silva, Rui Santos, Fernando Carreira

Serviço de Urologia do Hospital Pedro Hispano, Matosinhos

Introdução

A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica que pode ser muito incapacitante, normalmente afectando adultos jovens durante os anos mais produtivos de vida, sendo mesmo descrita como a doença neurológica incapacitante mais comum afectando indivíduos entre os 20 e os 45 anos. A disfunção miccional é uma consequência comum nesta afecção, motivando um importante impacto negativo na qualidade de vida e muitas vezes condicionando ou reforçando o isolamento social, aspectos notórios quando se atenta na expectativa de vida potencial desta população de doentes.

Trata-se de uma afecção evolutiva que potencialmente pode comprometer qualquer localização no SNC, de forma imprevisível. Os distúrbios a nível da esfera miccional são igualmente díspares, implicando abordagem sistematizada, a maior parte das vezes individualizada. O conhecimento da fisiopatologia, correcta avaliação e tratamento desta afecção é essencial por parte do urologista, tantas vezes envolvido no tratamento destes doentes.

Por outro lado, o desenvolvimento e progresso verificado nos últimos anos no campo da urodinâmica e da neurourologia permitiram uma melhor compreensão e mais eficaz avaliação do impacto da doença nas variadas fases da sua evolução, conduzindo preferencialmente a uma abordagem terapêutica dirigida especificamente ao distúrbio fisiológico subjacente, desta forma evitando ou pelo menos minorando consequências nefastas para a qualidade de vida ou degradação consequente da função renal.

Aspectos de fisiologia do aparelho urinário baixo

Descrição do ciclo miccional

Não é obviamente objectivo deste trabalho uma revisão exaustiva e fastidiosa sobre esta temática, mas antes apresentar uma visão minimamente esquematizada da mesma sem a qual a discussão do tema resultaria a nosso ver de mais difícil compreensão. Por outro lado, apesar de uma avultada quantidade de publicações e investigação sobre o assunto, sobretudo no domínio animal, muito permanece ainda por esclarecer.

O aparelho urinário baixo tem por missão satisfazer duas necessidades fisiológicas antagónicas: uma função é o armazenamento de urina e desta forma garantir continência, a outra função destina-se a realizar a evacuação urinária completa. O ciclo miccional compreende assim duas fases distintas: fase de enchimento e fase de esvaziamento. Os órgãos nele envolvidos apresentam comportamentos radicalmente distintos alternando entre uma fase e outra. Micção e continência são então o resultado de forças coordenadas e contrárias: a pressão intravesical e a pressão intrauretral.

Em indivíduos normais a micção é desencadeada quando a bexiga alcançou a sua capacidade fisiológica e o lugar e momento são socialmente adequados. Micção e continência são assim fases sucessivas da dinâmica miccional em que os orgãos do tracto urinário baixo nelas envolvido (bexiga, uretra e aparelho esfincteriano) realizam funções opostas porém coordenadas. Para além deste tipo de actividade visceral fásica o tracto urinário baixo apresenta características funcionais únicas que o diferenciam dos outros sistemas viscerais uma vez que há igualmente possibilidade de controlo voluntário.

Durante a fase de preenchimento vesical a urina produzida pelas unidades renais acumula-se progressivamente na bexiga. Esta acomoda-se através da alteração recíproca no tónus muscular da sua parede, de tal forma que após uma breve fase inicial de subida de pressão intra-vesical, correspondente ao ajuste das paredes vesicais ao conteúdo, a pressão mantém-se essencialmente constante ao longo de toda a fase de preenchimento. Só quando o detrusor se distende até ao limite fisiológico este mecanismo é ultrapassado e se verifica subida apreciável da pressão intra-vesical. À medida que se processa o preenchimento verifica-se um gradual incremento de pressão no colo vesical (esfíncter interno) e sobretudo ao nível do esfíncter externo, permitindo que a pressão intra-uretral seja sempre superior à verificada dentro da bexiga. Adicionalmente, às subidas de pressão vesical correspondentes à transmissão de incrementos de pressão intra-abdominal súbitos, correspondem num sistema funcionalmente íntegro, idênticos aumentos de pressão de encerramento uretral, evitando perdas urinárias de qualquer tipo. Pelo contrário, a fase de esvaziamento inicia-se pelo relaxamento completo do aparelho esfincteriano, adoptando a porção distal do colo vesical o formato afunilado. Só então o detrusor sofre contracção, idealmente permitindo o esvaziamento vesical completo.

Em condições normais, podemos então resumir as características de cada uma das fases da seguinte forma: durante a fase de preenchimento verifica-se acumulação de quantidades progressivamente maiores de urina na bexiga a baixas pressões, uretra e colo vesical permanecem encerrados em repouso e durante incrementos da pressão intra-abdominal, ausência de contracções não inibidas do detrusor; durante a fase de esvaziamento existe contracção coordenada do detrusor, de adequada magnitude e duração, com concomitante decréscimo da resistência ao nível do esfíncter interno e rabdoesfíncter.

Neurofisiologia da micção

Todos os eventos anteriormente descritos dependem da

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integridade anatómica e funcional e da adequada coordenação de acção de vias e centros nervosos, designadamente componentes do Sistema Nervoso Periférico Autónomo, Somático e Central. Tornou-se por outro lado claro que os sistemas envolvidos no controlo da continência e micção operam de uma forma dita de “on-off”, alternando entre um estado de activação de reflexos miccionais com inibição dos reflexos de armazenamento e um estado oposto de inibição tónica dos reflexos miccionais e activação dos reflexos de armazenamento. Sinais excitatórios e inibitórios percorrendo todo o neuroeixo controlam a alternância fluída entre estes dois estados opostos.

É opinião consensual que o reflexo miccional utiliza uma via espinobulboespinal, cujos principais constituintes se podem organizar em diversos níveis: medulares, abrangendo componentes do sistema nervoso autónomo (simpático / parassimpático) e somático, pontinos, condicionados por influencias de centros superiores, nomeadamente corticais (Fig.1).

Os neurónios motores preganglionares parasimpáticos estão localizados nas colunas celulares intermediolaterais na lâmina VII dos segmentos medulares S2-S4 (Núcleo Parasimpático Sagrado – NPS). Enviam axónios através das raízes medulares ventrais via Nervo Pélvico, fazendo sinapse com os neurónios pós ganglionares a nível do Plexo Pélvico e sobretudo a nível dos gânglios intramurais da parede vesical. Inervam sobretudo o corpo vesical, havendo diversos estudos demonstrando maior riqueza de receptores colinérgicos muscarínicos a nível das porções altas do corpo vesical. A libertação de acetilcolina na fenda sináptica e consequente ligação aos receptores muscarínicos (subtipo M2 e particularmente M3, principal responsável pela contracção vesical), conduzem à contracção do detrusor.

O componente autónomo simpático da inervação tem origem a nível dos segmentos medulares tóraco-lombares. A coluna celular intermediolateral e o núcleo intercalado dos segmentos medulares T10-L2 contêm os neurónios simpáticos preganglionares. Os seus axónios deixam os centros medulares através das raízes ventrais, estabelecem sinapses ao nível dos gânglios da cadeia paravertebral ou pura e simplesmente transitam através deles como acontece com as fibras mais caudais. Percorrem os nervos esplâncnicos lombares, Plexo Hipogástrico, Nervos Hipogástricos, Plexo Pélvico, estabelecendo sinapse com os neurónios pós ganglionares a diversos níveis potenciais, assim como com interneurónios, finalmente sendo responsáveis pela inervação não só do corpo vesical, como acima de tudo da região do trígono e colo vesical. Os receptores noradrenérgicos que estes neurónios activam têm no aparelho urinário baixo distribuição díspar. No corpo vesical predominam os receptores ß (cuja activação conduz a relaxamento da fibra muscular lisa, com importância funcional discutível), ao passo que na região do colo vesical e uretra proximal há clara preponderância de receptores de tipo α (particularmente α1, que uma vez activados desencadeiam contracção). Desta forma, pode-se dizer que o Plexo Pélvico funciona como um centro integrador e veiculador da inervação autonómica para o complexo vésico-esfincteriano.

Ao Nervo Pudendo atribui-se a inervação somática do esfíncter uretral e musculatura do pavimento pélvico. Os motoneurónios do componente somático localizam-se nos cornos anteriores dos segundo, terceiro e quarto segmentos medulares sagrados, numa região conhecida como Núcleo de Onuf. Os receptores envolvidos na transmissão sináptica a este nível são, tal como para a restante musculatura estriada receptores colinérgicos de tipo nicotínico.

Para além dos componentes já apresentados, está firmemente estabelecido que um centro pontino desempenha papel primordial na dinâmica miccional. Denominado Núcleo de Barrington, Centro Pontino da Micção ou simplesmente Região M, possui conexões com centros superiores cerebelosos, núcleos da base, tálamo, hipotálamo e córtex cerebral, assim como conexões descendentes com os núcleos sagrados autonómicos e somáticos anteriormente mencionados. A esta região é atribuído um papel de relais dos impulsos nervosos excitatórios e inibitórios, de origem periférica e/ou central. Desempenha um papel fundamental de coordenação da actividade vesical e esfincteriana, evitando contracções do detrusor coincidentes com contracções esfincterianas (denominada disinergia vésico-esfincteriana – DVE), nocivas para o aparelho urinário alto como será descrito futuramente.

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Figura 1. Esquematização das principais centros e vias neurológicas envolvidas no ciclo miccional.

Se por um lado, no que toca à actividade motora dispomos de numerosos conhecimentos, o mesmo já não se pode dizer da componente sensitiva. Informações de ordem sensitiva proprioceptivas e nociceptivas são veiculadas aos centros medulares e supra-espinais por fibras mielinizadas (Aδ) e não mielinizadas (C). Estas fibras entram na constituição dos Nervos Pélvicos, Hipogástricos e Pudendo. Após excitação dos mecanoreceptores localizados na parede vesical, aferências sensitivas provenientes dos Nervos Pélvicos penetram na medula através dos cornos dorsais via Feixe de Lissauer e lâmina I, projectam-se lateralmente na via colateral lateral (lâminas II-IV) em direcção à lâmina VII (conferindo feedback ao núcleo Parassimpático) e lâmina X. Neurónios de segunda ordem no Feixe de Lissauer da Lâmina I e Comissura Cinzenta Dorsal na Lâmina X veiculam informação a centros supra-espinais, incluindo o Hipotálamo e Ponte via Feixe Espinotalâmico. Não são transmitidas directamente ao Centro Pontino de Micção, mas antes à substância cinzenta periaqueductal, que finalmente as veicula ao referido núcleo. Embora o Hipotálamo seja responsável noutros sistemas orgânicos pelo controlo da actividade autonómica, no caso da unidade vesico-esfincteriana estas funções são desempenhadas pelo Centro Pontino da Micção (CPM). As aferências provenientes dos nervos hipogástricos por seu turno projectam-se nos gânglios das raízes dorsais T10-L2. Tal como as aferências provenientes dos nervos pélvicos, são transmitidas ás lâminas I a V dos cornos dorsais da medula seguindo posteriormente as vias ascendentes já descritas. Por último, as aferências somáticas provenientes do esfíncter externo via Nervo Pudendo terminam em regiões que se sobrepõem em termos anatómicos com as aferências parassimpáticas.

De forma simplista podemos resumir a integração dos diferentes componentes da forma seguinte: durante a fase de preenchimento vesical, os receptores de tensão da parede vesical assinalam distensão da mesma e transmitem informação de ordem mecânica e nociceptiva através das fibras aferentes. Essa informação atinge os segmentos medulares sagrados e ascende igualmente para os toracolombares. A nível sagrado e por transmissão ao Núcleo de Onuf promove contracção do esfíncter estriado. Uma alça reflexa complexa vésico-simpática é então desencadeada culminando por um lado na estimulação dos receptores ß adrenérgicos da parede da bexiga promovendo relaxamento, estimulação dos α adrenoreceptores do colo vesical levando ao seu encerramento e por outro à inibição a nível do Plexo Pélvico do componente Parasimpático. Este tipo de reflexo é conhecidos como “guardian reflex” e é intensificado ao

longo da fase de preenchimento, à medida que os receptores denotam aumento da tensão parietal visceral.

Atinge-se então um limiar em que a intensidade da estimulação aferente transmitida pelo Nervo Pélvico aos Centros Medulares e sobretudo ao CPM promove uma série de ocorrências sucessivas que culminam então na micção – o componente simpático sofre inibição, cessando a sua acção a nível do colo vesical com abertura do mesmo; os motoneurónios somáticos do Núcleo de Onuf são inibidos pelo CPM e provavelmente indirectamente pelo Córtex, com relaxamento do esfíncter estriado; O CPM gera impulsos excitatórios para o Núcleo Sagrado Parassimpático, transmitidos através do Plexo Pélvico ao detrusor com contracção consequente.

Toda esta actividade anteriormente descrita como um acto puramente reflexo (existente como tal nos primeiros anos de vida) está logicamente sobre a influência de centros encefálicos superiores responsáveis pelo controlo volitivo dos mesmos e pela actividade tónica inibidora, cujos mecanismos, receptores e neurotransmissores envolvidos são de resto incompletamente compreendidos, embora existam evidências que a nível central, encefálico e pontino, estarão envolvidas fibras dopaminérgicas e libertadoras de glutamato (sinais facilitadores) ou GABA-érgicas, libertadoras de substâncias enkefalin-like e serotoninérgicas (sinais inibidores). A nível medular atribuem-se igualmente papéis moduladores importantes a neurotransmissores como glutamato, GABA, serotonina, péptidos opioides, glicina(1).

Autores como Bradley, Mahoni ou Barrington descrevem mesmo várias dezenas de reflexos associados, facilitadores ou inibidores da acção esfincteriana ou do detrusor com alças aferentes/eferentes periféricas ou centrais(2), o que deixa

antever a complexidade do tema.

Apesar de tudo podemos de uma forma aproximada a partir dos conhecimentos anteriormente expostos correlacionar determinadas localizações lesionais com disfunções vésico-esfincterianas relativamente características. Desta forma as leões supra-pontinas resultam normalmente em hiperactividade do detrusor com coordenação esfincteriana, uma vez que as influências inibitórias corticais sobre o CPM desaparecem. A integridade deste traduz-se na coordenação entre a actividade do detrusor e do esfíncter estriado. As lesões medulares suprasagradas traduzem-se habitualmente em hiperactividade do detrusor, desta feita normalmente associadas a dissinergia vésico-esfincteriana (DVE), por ausência de influência do CPM. Em caso de lesões acima de T6 poderá estar ainda associado um componente de dissinergia do esfíncter liso do colo vesical sob controlo simpático. Lesões medulares abaixo de S2 resultam por seu lado em arreflexia / hiporreflexia do detrusor associadas

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muitas vezes a hipotonia do rabdoesfíncter. Estas considerações parecerão facilmente aplicáveis a certas situações clínicas. O que dizer porém de uma patologia que se caracteriza por uma evolução progressiva e imprevisível, com um potencial de lesões múltiplas e multifocais?

Classificação dos distúrbios miccionais

Historicamente numerosos sistemas de classificação para a bexiga neurogénica foram desenvolvidos, porém nenhum atingiu aceitação universal. O propósito de um dado sistema de classificação deverá ser o de facilitar a compreensão da fisiopatologia e abordagem de um dado problema. Um sistema ideal deverá conter em linguagem concisa um determinado número de informações: conclusões obtidas a partir do estudo urodinâmico, sintomas clínicos previsíveis, localização aproximada e tipo de lesão neurológica. Se estas condições forem respeitadas, as opções de tratamento serão então óbvias e intuitivas. No entanto, apesar de inúmeros sistemas de classificação desenvolvidos, de base neuroanatómica (Bors e Comarr, Bradley, Hald e Bradley), urodinâmica (Krane e Siroky, Lapides) e clínicos, cuja discussão estão para além do âmbito do artigo, nenhum é consensual.

Para fins práticos, e no sentido de orientar opções terapêuticas, será sobretudo útil analisar as disfunções miccionais sobre uma perspectiva funcional, focalizando-nos sobre a fase(s) do ciclo miccional comprometidos. Esta constitui mesmo a base da classificação adoptada pela Sociedade Internacional da Continência (Quadro 2)(3). Se

quisermos simplificar ainda mais (o que é perfeitamente suficiente para orientar atitudes terapêuticas), podemos classificar os distúrbios em 2 grandes grupos: falência de armazenamento (de causa vesical ou uretral) e falência de esvaziamento (igualmente de causa vesical ou uretral). Cada uma destas subdivisões pode ter causas distintas que produzem no entanto o mesmo efeito prático.

Esclerose múltipla e envolvimento urológico

As taxas de prevalência para a EM são 1/1000 norte-americanos e mesmo superiores para os países da Europa do Norte, o que é indicativo da dimensão do problema. Estima-se que globalmente mais de 80% destes doentes apresentem sintomatologia urinária baixa. Outros estudos indicam que 96% de doentes com mais de dez anos de diagnóstico apresentam sintomas deste tipo(4,5).

Para além de aspectos relacionados com a sintomatologia, uma outra vertente do problema são as complicações urológicas da doença. Autores como Samellas e Rubin(6)apresentam cifras de morte por causa urológica

atingindo os 55%, em épocas já remotas, em que conceitos

como a auto-algaliação ainda não vigoravam. Autores mais recentes como Lebowitz(7)estimam que 5% das causas de

morte dos doentes com EM se devem a causas urológicas, o que demonstra que terá havido uma evolução marcada no tipo de cuidados prestados, mas que no entanto o potencial para a ocorrência deste tipo de eventos não será descurável.

Manifestações clínicas urológicas

Em fases precoces da doença apenas uma diminuta percentagem de doentes apresenta sintomas urológicos, por vezes associados com outras manifestações neurológicas(7). A

sintomatologia urinária faz no entanto parte do quadro clínico inicial em percentagens que variam entre 1 a 15% dos casos e estima-se que 2 a 2,5% das manifestações iniciais sejam exclusivamente do foro urinário(8,9), sendo obrigatório

elevado índice de suspeita clínica face a pacientes jovens com disfunção miccional inexplicada de início recente, mesmo na ausência de défices neurológicos acompanhantes. Os sintomas são perfeitamente inespecíficos e incluem polaquiúria e urgência miccional em 31 a 85%, muitas vezes com incontinência associada, incontinência isolada ou sintomas obstrutivos como hesitação, necessidade de realização de prensa abdominal, micção interrompida até mesmo situações de retenção urinária em 2 a 52% dos casos. De qualquer forma, a presença de sintomatologia urinária parece estar mais relacionada com o grau de incapacidade determinado por scores como o de Kurtzke do que com a duração da doença(10). As maiores séries publicadas sobre o

tipo de queixas urinárias apresentadas é apresentada no Quadro 1(11).

Importa porém referir que a presença/ausência e/ou tipo de sintomatologia apresentada são maus indicadores de disfunção vesical importante(8,9,12,13). Betts et al relatam que

apenas 47,5% dos doentes com resíduos pós miccionais elevados apresentavam sensação de esvaziamento vesical incompleto(14). Adicionalmente Koldewijn et al reportam a

evidencia de disfunção vesicouretral em 52% de doentes sem qualquer queixa(15).

Quadro 1. Percentagem de doentes com EM apresentando sintomas urinários

% Urgência Pola- Incontinên- Hesita- Reten- quiúria cia Urgência ção ção

Sachs 31 - 37 49 - Langworthy 54 33 34 40 - Carter 24 17 50 - 17 Miller 60 50 36 33 2 Bradley 86 60 - 28 20 Philp 61 59 47 25 8 Goldstein 32 32 49 - - Awad 85 65 72 36 - Gonor 70 48 56 30 - Betts 85 82 63 49 - Hennessey 71 76 19 48 -

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Quadro 2. Classificação dos distúrbios miccionais (Sociedade Internacional de Continência)

Fase preenchimento Fase esvaziamento Função vesical Função vesical Actividade detrusor Actividade detrusor

Normal /estável Normal

Hiperactivo Hipoactivo

Causa neurogénica Acontráctil Causa idiopática Sensibilidade vesical Normal Aumentada / Hipersensível Diminuída / Hipossensível Ausente Capacidade vesical Normal Aumentada Reduzida Acomodação Normal Aumentada Reduzida

Função uretral Função uretral

Normal Normal

Incompetente Obstrutivo

Mecânico Funcional

Avaliação clínica

Esta deve constar de uma avaliação clínica, baseada na história clínica e exame físico, auxiliada pelo diário miccional e determinação do volume residual.

História clínica

Deve ser efectuada uma caracterização exaustiva e sistemática das queixas urinárias, quer do tipo irritativo (sintomatologia relacionada com a fase de preenchimento vesical) quer do tipo obstrutivo (sintomas apreciados durante a fase de esvaziamento). Deve ser inquirida a presença de incontinência sendo esta caracterizada em