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Para o entendimento da relação estrutura/atividade nas biomoléculas é de fundamental importância o conhecimento das suas estruturas. Assim, um dos objetivos principais de estudos estruturais de proteínas e peptídeos é a determinação da estrutura tridimensional em alta resolução. A cristalografia de raios-X e a ressonância magnética nuclear (RMN) são técnicas capazes de fornecer estruturas tridimensionais em alta resolução. Contudo, os estudos cristalográficos de proteínas nem sempre são possíveis, pois, um monocristal de alta qualidade é de difícil obtenção (Wüthrich, 1989; Surewicz et al., 1993).Em contrapartida, a determinação estrutural por RMN dispensa a cristalização, pois analisa as proteínas em solução, além de possibilitar o estudo estrutural mais amplo, com a utilização de ambientes que mimetizam o meio biológico. Embora, os meios miméticos sejam uma representação muito simplificada, eles possibilitam a análise de diversos parâmetros importantes para o estudo de peptídeos e proteínas, como características de dinâmica, estudos de aspectos estruturais e de interações entre proteínas e membranas (Warschawski et al., 2011).

O químico Kurt Wüthrich, em 1986, propôs um método de atribuição sequencial que possibilitou elucidar estruturas tridimensionais de peptídeos e proteínas por RMN (Wüthrich, 1986), tendo sido agraciado pelo Prêmio Nobel em Química em 2003, por seus trabalhos associados a RMN de proteínas e ácidos nucléicos (disponível: www.nobelprize.org, acesso: 02 de maio de 2019). Desde então, a RMN tem sido empregada para determinação estrutural de peptídeos, o que auxilia na compreensão do modo de interação com a membrana e do mecanismo de ação dessas moléculas.

Atualmente, são registrados 403 peptídeos com estruturas 3D já determinadas. Desse total, 351 foram determinadas pela técnica de Ressonância Magnética Nuclear e somente 52 por Difração de Raio-X (APD - Antimicrobial Peptide Database, disponível: http://aps.unmc.edu/AP/ acesso: 02 de maio de 2019) (Wang et al., 2016).

A técnica de assinalamento sequencial combina as correlações intra-residuais obtidas por acoplamento escalar (J), observados nos mapas de contorno COSY (Correlation Spectroscopy) e/ou TOCSY (Total Correlated Spectroscopy) com acoplamentos espaciais dipolares observados nos mapas de contornos NOESY (Nuclear Overhauser Enhancement Spectroscopy). As correlações intra-residuais observadas nos experimentos unidimensionais de 1H 1H-TOCSY definem os sistemas de spin, que são característicos para diferentes classes

de resíduos, considerando-se ainda os padrões de deslocamento químico para os núcleos atômicos dos diferentes resíduos de aminoácidos.

Os exemplos mais simples de sistemas de spins são os de resíduos de alanina (Ala) e glicina (Gly) que, devido às cadeias laterais menores, apresentam sistemas de spin com poucas correlações. Dessa forma, duas correlações envolvendo o hidrogênio amídico são possíveis para um resíduo de glicina, devido aos acoplamentos escalares com os hidrogênios α (3J

HN-Hα1 e 3JHN-Hα2), sendo também duas correlações observadas para o hidrogênio amídico

de um resíduo de alanina, que está conectado aos hidrogênios α e β, a partir das interações de acoplamento do sistema de spins (3J

HN-Hα e 3JHα-Hβ).

A partir da análise do mapa de contornos NOESY é possível se obter informações a respeito das vizinhanças espaciais de resíduos de aminoácidos a partir das correlações inter- residuais, que se dão por interações de acoplamento dipolar, responsáveis pelo efeito NOE (efeito Overhauser nuclear). As correlações inter-residuais de NOE são a fonte de informação mais relevante para a obtenção das estruturas tridimensionais, e podem ser classificadas como sequenciais, a média e longa distância (Wüthrich, 1986).

As correlações sequenciais de NOE do tipo dNN (i, i+1), dαN (i, i+1) e dβN (i, i+1)

determinam quais resíduos de aminoácidos são vizinhos entre si na sequência peptídica. As correlações a média distância do tipo dNN (i, i+2), dαN (i, i+2), dαN (i, i+3), dαβ (i, i+3) e dαN (i,

i+4) também são observadas, principalmente em estrutura helicoidal. A Figura 13 representa as principais correlações intra-residuais e inter-residuais observadas para uma estrutura em -hélice.

Os experimentos bidimensionais heteronucleares são ainda utilizados para auxiliarem no assinalamento completo da ressonância. Os mapas de contornos 1H–13C e 1H–15N HSQC

ou HMQC possibilitam a identificação das correlações apenas via 1J

H-C e 1JH-N, dando

informação sobre qual átomo de hidrogênio está diretamente ligado a um átomo de carbono e nitrogênio, respectivamente. Dessa forma, podem ser correlacionados os hidrogênios com seus respectivos carbonos nas cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos e os hidrogênios amídicos com os respectivos nitrogênios nas ligações peptídica.

Figura 13. Representação das correlações típicas de estrutura secundária em -hélice. (A) interações entre núcleos de hidrogênios intra-residuais observadas no TOCSY e (B) inter-residuais observadas no NOESY.

Fonte: Adaptado (Wüthrich, 1986)

O uso da RMN na obtenção da estrutura tridimensional de peptídeos antimicrobianos possibilitou compreender de forma similar sua interação com a membrana celular e, deste modo, identificar a posição de cada resíduo e compreender a contribuição de cada um para a ação do mesmo e possivelmente propor, caso necessário, modificações na sequência primária a fim de obter uma maior estabilização na estrutura e, consequentemente, potencializar a atividade antimicrobiana. Nesse contexto, diversos trabalhos dispostos na literatura vêm apresentando resultados com essa finalidade (Gomes et al., 2018; Haney et al., 2009; Reis et al., 2018; Resende et al., 2008). Esse é o caso na determinação da estrutura da Filoseptina-1, -2 e -3 (PS-1, -2, -3), peptídeo encontrado na secreção da perereca Phyllomedusa hypochondrialis estudado por Resende et al., 2008. Neste trabalho, foi utilizada a técnica de RMN em TFE, sendo possível observar a anfipaticidade dos três peptídeos filoseptinas, com faces hidrofóbicas e hidrofílicas bem definidas, especialmente na PS-2. Esse peptídeo apresentou um segmento helicoidal a partir do 5º resíduo até a porção C-terminal. As sequências dos três peptídeos apresentam os mesmos aminoácidos, diferenciando a partir do 14º resíduo. Nessa porção de baixa homologia, foi possível verificar os efeitos dos aminoácidos e a disposição deles para a formação e estabilização da hélice (Resende et al., 2008).

A presença da fenilalanina no final da sequência da PS-2 possibilitou verificar uma continuidade da hélice quando comparada com a PS-1, sendo observados várias correlações

entre a His-18 a Phe-19 com os hidrogênios da carboxamida na porção C-terminal. Além disso, a interação do oxigênio da cadeia lateral da Val-16 com os hidrogênios da carboxamida sugere uma maior estabilização da estrutura helicoidal que se estende no final da cadeia. Esses resultados foram de acordo com os espectros de CD. Com a estrutura helicoidal estendida até o final da sequência, a PS-2 foi mais ativa contra cepas Gram-positivas e Gram- negativas quando comparada aos outros dois peptídeos, PS-1 e PS-3 (Resende et al., 2008).