• Nenhum resultado encontrado

Estudo de Interação por Calorimetria de Titulação Isotérmica (ITC)

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.4 Estudo de Interação por Calorimetria de Titulação Isotérmica (ITC)

dos parâmetros termodinâmicos da interação do peptídeo StigA15 com vesículas de POPC e POPC:POPG (3:1). Essa técnica permite a medida direta do fluxo de calor envolvido na interação de dois sistemas, sendo uma poderosa ferramenta usada no estudo de interações intermoleculares. Considerando que a associação de peptídeos a bicamadas fosfolipídicas de membranas envolve a quebra e formação de interações intermoleculares, e que, associada a esses fenômenos existe uma variação de calor, a calorimetria torna-se uma ferramenta apropriada para avaliação da termodinâmica das interações peptídeo-membrana (Seelig, 2004; Wieprecht & Seelig, 2002).

Neste trabalho, os experimentos de ITC foram realizados titulando-se soluções de LUVs de POPC (20 mM) e POPC:POPG (20 mM) em soluções de StigA15 (30 μM). Optou-se

pela titulação das soluções de LUVs em solução de peptídeo, a fim de evitar fenômenos de agregação de peptídeo através de elevadas concentrações do mesmo na seringa de titulação, podendo medir a liberação de calor da interação do peptídeo com as vesículas (Bouchemal & Mazzaferro, 2012).

A Figura 21 apresenta os dados obtidos para cada uma das titulações calorimétricas. Cada sinal da curva calorimétrica corresponde à alteração no fluxo de calor a partir da injeção de 5 μL de solução de vesículas à célula de reação contendo peptídeo. O fluxo de calor negativo observado após cada injeção de LUVs em solução de peptídeo indica predominância de interações exotérmicas, que pode ser consequência de interações eletrostáticas entre o peptídeo e as vesículas (Bouchemal & Mazzaferro, 2012; Seelig, 2004). Na Figura 21 verifica- se também que o aumento da razão molar LUVs/StigA15 resulta na diminuição do fluxo de calor. Este comportamento ocorre pois, à medida que aumenta a razão molar, diminui a quantidade de peptídeo disponível para a interação, até que os valores se tornem próximos ao calor de diluição das vesículas (Wieprecht & Seelig, 2002).

A partir da integral da variação de calor envolvida em cada injeção e da razão molar fosfolipídio/peptídeo, foram construídas as isotermas de titulação apresentadas nas Figura 21C e D para cada sistema. Nessas isotermas, o ponto de inflexão das curvas corresponde à razão molar estequiométrica do sistema em análise. Ao avaliar a estequiometria da interação, observa-se que em vesículas zwitteriônicas, cada molécula de peptídeo interage com aproximadamente com vinte e uma molécula de fosfolipídio (n = 21). Já em meio aniônico, cada molécula StigA15 interage em média com seis moléculas fosfolipídicas (n = 6). Apesar dessa diferença na razão estequiométrica, pode-se observar uma maior liberação no fuxo de calor em LUVs de POPC:POPG (Fig. 21A e B), o que indica interações mais fortes com esse tipo de vesícula.

Para cada isoterma, foram realizados ajustes não lineares de apenas um sítio de interação e, com isso, foram obtidos os parâmetros termodinâmicos da interação peptídeo- LUVs. A Tabela 7 apresenta os parâmetros termodinâmicos calculados para cada curva calorimétrica. Em ambos os sistemas, verifica-se que a variação negativa da energia livre de Gibbs é acompanhada de um aumento na entropia do sistema. Isso comprova que a interação peptídeo-membrana ocorre em processo espontâneo e resulta na perturbação do sistema (Seelig, 2004; Wieprecht & Seelig, 2002; Bouchemal & Mazzaferro, 2012).

Figura 21. Isotermas de titulação calorimétrica obtidas a partir da titulação de LUVs de POPC (20 mM) e POPC:POPG (3:1) (20 mM) em solução de StigA15 (30 µM). Gráfico de fluxo de calor para cada injeção de (A) LUVs-POPC e (B) LUVs-POPC:POPG em função do tempo. Ajuste não linear de entalpia por razão molar de (C) POPC/StigA15 (D) POPC:POPG (3:1) /StigA15, com subtração dos respectivos calores de diluição.

O processo de interação peptídeo-membrana resulta na dessolvatação, tanto da superfície externa das LUVs quanto da porção hidrofílica da cadeia peptídica, resultando num maior número de moléculas de água livres no sistema, elevando, assim, as componentes entrópicas associadas à translação e rotação das moléculas de água. Essa desorganização contribui para o aumento da entropia do sistema como um todo (Bouchemal & Mazzaferro, 2012, Verly et al., 2017). Embora as componentes entrópicas apresentem a ordem similar de magnitude para a interação do peptídeo com as duas membranas, observa-se contribuição entrópica mais negativa (-T∆Sº) para as vesículas aniônicas (3543,72 cal/mols) do que para as zwitteriônicas (3389,65 cal/mol), o que sugere maior dessolvatação, tanto do peptídeo quanto das vesículas, em meio predominantemente aniônico. Com isso, pode-se afirmar que o peptídeo StigA15 estaria mais inserido em vesículas mistas, resultando em uma maior constante de interação (1,53x103 L/mol), enquanto que, em vesículas de POPC, este valor é

menor que a metade (6,46 x102 L/mol). Estes resultados sugerem que existe uma alta

constante de partição em sistemas aniônicos.

Tabela 7. Parâmetros termodinâmicos obtidos a partir da titulação de LUVs (20 mM) em StigA15 (30 μM) a 35 °C Parâmetros termodinâmicos [LUVs] 20 mM POPC POPC:POPG (3:1) n 20,4 5,71 Kapp (L/mol) 6,46 x102 1,53x103 ∆Gº (cal/mol) -3952,85 -4490,32 ∆Hº (cal/mol) -563,2 -946,6 T∆Sº (cal/mol) 3389,65 3543,72

A presença de residuos extra de Lys e Leu na porção C-terminal da Ocelatina-F1 (+3) resultou num aumento significativo na Kapp e na ∆Gº de interação com vesículas de

POPC:POPG (3:1) em comparação a sequência peptídica desprovida desses resíduos, a Ocelatina-LB2 (+2). Observaram-se uma Kapp ~ 3 vezes maior e uma diferença ∆Gº de –543

cal/ mol (Gomes et al., 2018), o que indica que o aumento da carga liquida levou a interações peptídeo-membrana mais fortes. Resultados similares foram verificados com os PAMs tritrpticina e seus respectivos análogos. O aumento de carga da tritrpticina para +5 resultou numa constante de ligação 1000 vezes maior em vesícula aniônica POPE:POPG (7:3), quando comparado ao peptídeo nativo (+4). Já em meio zwiteriônico POPC não foi observada diferença significativa entre os dois peptídeos, podendo assim sugerir uma seletividade em membranas aniônicas (Andrushchenko et al., 2008).

Apesar dos termos entálpicas serem significativamente menores que os entrópicos, percebe-se uma contribuição mais expressiva para as interações do peptídeo com vesículas aniônicas de POPC:POPG (-946,6 cal/mol) em compração com vesículas zwitteriônicas de POPC (-563,2 cal/mol). Comparativamente, isso sugere que o sistema é guiado por maiores contribuições entrópicas de interação do peptídeo com as LUVs

.

Os resultados obtidos indicam que tanto fatores entrópicos quanto entálpicos (mesmo que pequeno) favorecem interações mais fortes do peptídeo com vesículas aniônicas, o que pode ser importante para termos de seletividade, uma vez que membranas de microrganismos possuem teores de lipídeos com carga negativa maiores que de membranas de mamíferos (Bouchemal & Mazzaferro, 2012; Verly et al., 2017).

Esses resultados estão em concordância com os ensaios antimicrobianos, que apontou uma maior atividade antimicrobiana do peptideo StigA15 em relação a Stigmurina. Esses resultados indicam que a carga líquida do peptídeo StigA15 (+4) pode estar relacionada

à maior inibição quando comparado ao protótipo Stigmurina (+2), uma vez que essa inibição favorece a formação de poros através da interação, eletrostáticas e hidrofóbicas, com a membrana celular (Ciumac et al., 2019; Kumar et al.,2018; Travkova et al., 2017).

5.5 Estudos das Preferências Conformacionais por Espectroscopia de