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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2 Síntese e Caracterização do Peptídeo StigA15

A síntese foi realizada conforme descrito no procedimento 4.1 (p. 24) com o uso dos Fmoc-aminoácidos apresentados na Tabela 2 (p. 27). A Tabela 5 apresenta as informações das diversas etapas de acoplamento na síntese do peptídeo StigA15. O processo foi eficiente, sem a necessidade de reações de reacoplamento, com nenhuma dificuldade especial encontrada.

Após ser clivado e liofilizado, o peptídeo obtido apresentou uma massa de mStigA15 =

76,06 mg. Esse resultado corresponde a um rendimento bruto de 50,7%. Esse rendimento foi satisfatório, apesar das perdas nas análises dos testes de Kaiser, pois forneceu massa suficiente para a relização dos estudos biológicos, estruturais e de interação.

Tabela 5. Dados do acompanhamento da síntese do peptídeo StigA15 Ordem de

acoplamento Aminoácido Excesso

Tempo de acoplamento (h)

Resultado do teste de Kaiser Desproteção Acoplamento 1º Lys, K 4 3 + - 2º Phe, F 4 3 + - 3º Ala, A 4 3 + - 4º Lys, K 4 3 + - 5º Ile, I 4 3 + - 6º Leu, L 4 3 + - 7º Gly, G 4 3 + - 8º Gly, G 4 3 + - 9º Val, V 4 3 + - 10º Leu, L 4 3 + - 11º Lys, K 4 3 + - 12º Pro, P 4 3 + - 13º Ile, I 4 3 + - 14º Leu, L 4 3 + - 15º Ser, S 4 3 + - 16º Phe, F 4 3 + - 17º Phe, F 4 3 + -

(+) Resultado positivo, indica da presença de grupo amino livre; (-) Resultado negativo, indica a ausência de grupo amino livre.

Após esse processo, o peptídeo foi devidamente solubilizado em água deionizada à concentração de 1,0 mg/mL e injetado em um sistema para cromatografia líquida de alta eficiência, com leitura em comprimento de onda de 214 nm, para se avaliar o perfil cromatográfico da síntese. Na Figura 18 é apresentado o cromatograma obtido para a amostra bruta do peptídeo StigA15, no qual apresenta um pico proeminente com tempo de retenção (tr) de 39,6 minutos.

A amostra obtida foi bastante hidrossolúvel, devido à presença de resíduos de aminoácidos polares em sua estrutura primária, tornando o peptídeo mais hidrofílico resultando assim em tempo de retenção baixo. Com esse resultado, foi possível verificar a eficiência da síntese, uma vez que amostra peptídica bruta apresenta um único pico intenso no cromatograma, indicando a obtenção majoritária do peptídeo no processo.

Figura 18. Perfil de CLAE do peptídeo StigA15. Amostra injetada (100 μL de uma solução a 1 mg/mL) em coluna C18 Vydac (7,8 x 300 mm) equilibrada com TFA a 0,1 %. Eluente: solução de acetonitrila/TFA 0,08% em um fluxo de 1 mL/min. A linha reta retrata a variação da concentração de acetonitrila. A absorbância foi monitorada em máx = 214 nm.

Em seguida foi separada uma pequena alíquota do peptídeo puro e liofilizado para a caracterização por espectroscopia de massa MALDI-ToF. A seguir é apresentado o espectro de massa, onde estão também indicadas as massas monoisotópica teórica e a obtida experimentalmente para o peptídeo StigA15 (Figura 19).

Figura 19. Espectro de massa (MALDI-ToF) e expansão da fração correspondente do peptídeo StigA15. Massas monoisotópicas observadas: 1877,1 Da do peptídeo StigA15, [M+Na]+ = 1900,1 Da e [M+K]+ = 1916,1 Da.

Esse espectro confirma a obtenção do peptídeo alvo com alto grau de pureza, caracterizados pela presença do pico do íon molecular [M+H]+, sendo esse muito próximo à

massa monoisotópica calculada. Também é possível identificar a presença dos adutos formados por íons de sódio [M+Na]+ e potássio [M+K]+.

A amostra peptídica foi então purificada em maior escala, para se obter material em quantidade suficiente para a realização dos demais experimentos.

5.3 Ensaios Biológicos

Com o objetivo de corroborar os estudos de interação por ITC (item 5.4, pag. 61) com membranas biomiméticas, foram realizados os ensaios de atividade antimicrobiana dos peptídeos Stigmurina e StigA15, que foram testados contra cepas de bactérias Gram-positivas e de bactérias Gram-negativas, além de cepas do fungo Candida albicans e C. glabrata. Na Tabela 6 são apresentados os valores de Concentração Inibitória Mínima – CIM (concentração mínima necessária para inibir o crescimento dos agentes infecciosos em 100%) da StigA15 em relação ao peptídeo nativo. Além disso, foi avaliada a Concentração Microbicida Mínima – CMM (concentração mínima para causar a morte dos microrganismos) do peptídeo StigA15. Valores de concentrações iguais (CIM = CMM) sugerem moléculas promissoras como potentes agentes anti-infecciosos (Andrews, 2001).

Tabela 6. Atividade antimicrobiana dos peptídeos por concentração inibitória mínima (CIM) e concentração microbicida mínima (CBM).

Cepas Concentração Inibitória Mínima (CIM) Concentração Microbicida Mínima (CMM) StigA15 (μM) Stigmurina (μM) StigA15 (μM) Gram-positivas

Staphylococcus aureus (ATCC 29213) 9,4 9,4 18,8 Staphylococcus aureus SARM (ATCC 33591) 4,7 37,5 4,7

Staphylococcus epidermidis (ATCC 12228) 18,8 9,4 75 Enterococcus faecalis (ATCC 4028) 9,4 >150 9,4

Gram-negativas

Pseudomonas aeruginosa (ATCC 27853) 9,4 >150 9,4 Escherichia coli (ATCC 25922) 9,4 >150 18,8 Salmonella typhimurium (ATCC 14028) 9,4 >150 37,6

Leveduras

Candida albicans (ATCC 90028) 18,8 37,5 18,8 Candida glabrata (ATCC 90030) 9,4 >150 18,8

A partir desses resultados, é possível verificar que o peptídeo StigA15 exibem atividades antimicrobianas e amplos espectros de ação para diversas cepas de importância

médica quando comparado ao protótipo natural Stigmurina. Portanto, em cepas Gram- positivas o peptídeo StigA15 foi ativo somente nas cepas S. aureus SARM e E. faecalis com CIMs de 4,7 μM e 9,4 μM, respectivamente, sendo mais ativo em E. faecalis, enquanto a Stigmurina apresentou CIMs superiores contra esses tipos de cepas. Nessas concentrações também foram verificadas a morte dessas cepas, com valores de CIMs idênticos aos de CMMs. Esses resultados sugerem que o peptídeo StigA15 pode ser classificado como agente antibiótico contra essas cepas.

Por outro lado, a StigA15 começou a ser ativa em cepa S. epidermidis numa CIMs duas vezes acima que o peptídeo nativo, com CMM de 75 μM, podendo-se inferir que para esse tipo de cepa a StigA15 não apresenta atividade. Comparativamente, os dois peptídeos apresentaram-se ser ativos em cepas S. aureus com CIM a partir de 9,4 μM, sendo a CMM duas vezes maior (18,8 μM)

Já paras as cepas Gram-negativas a Stigmurina não apresentou atividade antimicrobiana na maior concentração testada, tendo o peptídeo StigA15 apresentado inibir o crescimento para essas cepas com CIM abaixo de 9,4 μM. Entretanto, nessa concentração sua ação como bactericida foi verificada somente em cepas P. aeruginosa. Além disso, o derivado demonstrou atividades superiores em relação ao peptídeo nativo para as cepas do gênero Candida, principalmente na cepa C. glabrata, cujo crescimento foi inibido numa concentração de 9,4 μM, enquanto a inibição da cepa C. albicans ocorre em concentração duas vezes maior. Embora ambos peptídeos apresentem CMMs de 18,8 μM, somente na cepa C. albicans foi verificada a ação do peptídeo StigA15 como agente antifúngico letal para esse tipo de levedura.

É importante ressaltar que a atividade antimicrobiana dos peptídeos não está associada apenas ao aumento de carga. Estudos com os peptídeos, TsAP-1 isolados do escorpião Tityus serrulatus e o derivado TsAP-2, parecem não demonstrar atividades significativas em bactérias Gram-negativas (Guo et al., 2013). O peptídeo nativo TsAP-1 apresentou baixa atividade antimicrobiana, contudo o peptídeo TsAP-2 foi eficaz contra cepas Gram-positivas S. aureus (CIM 5 μM) e levedura C. albicans (CIM 10 μM). Esses peptídeos compartilham o mesmo número de resíduos de aminoácidos (17 a.a) e a mesma carga superficial positiva de +1. No entanto, a análise da estrutura secundária indicou que TsAP-2 apresentou maior conteúdo helicoidal (76,47%) e momento hidrofóbico (0,51) do que o TsAP- 1 (58,82% -hélice e momento hidrofóbico (0,43)), podendo esses fatores explicar os resultados observados e fortalecer a hipótese de que a atividade antimicrobiana de peptídeos não está associada a apenas um parâmetro, mas a um conjunto deles, sendo a posição dos resíduos na sequência peptídica um fator crucial para a atividade.

O ideal para um PAM ser uma substância promissora na fabricação de medicamentos é que ele possua uma alta atividade antimicrobiana e baixa afinidade em células humanas

para que não altere as hemácias, caso contrário pode causar um rompimento nas células eucariontes. Esse conjunto de características ainda representa um grande desafio, uma vez que, o modo de ação dos PAMs é o mesmo nas células bacterianas e de mamíferos, pois ambas são, em muitos dos casos, constituídas por lipídios. Como o peptídeo estudado apresentou ser ativo contra bactérias e fungos, avaliou-se então o efeito citotóxico destes em células humanas. Para isso, os peptídeos Stigmurina e StigA15 foram testados quanto a suas atividades hemolíticas em eritrócitos humanos, que são constituídos essencialmente por fosfolipídios zwitteriônicos - PC (fosfatidilcolina) e de SM (Esfingomielina) (Ciumac et al., 2019; Travkova et al., 2017). A Figura 20 mostra a porcentagem de lise celular com o aumento da concentração de ambos os peptídeos.

Figura 20. Percentual de atividade hemolítica dos peptídeos Stigmurina e StigA15 em eritrócitos humano.

A Stigmurina não apresentou taxa de hemólise significativa em todas as doses testadas, mesmo incubada por 1h (tempo máximo da incubação, conforme apresentado no item 4.5.3, pag.50) resultou numa taxa de hemólise de 15% numa concentração de 2,3 μM. Em relação ao análogo, percebe-se que o aumento na taxa de hemólise é proporcional a concentração. Apesar das diferenças significativas das atividades hemolíticas desses peptídeos, pode-se afirmar que o peptídeo StigA15 apresenta hemólise aceitável em concentrações abaixo de 37,5 μM com uma taxa de 33,7%, e com hemólise completa em 75 μM em 59,8%, podendo chegar a 0,74% de hemólise nas doses mais baixas. Contudo, os resultados sugerem que o peptídeo StigA15 pode ser seletivo para células de patógenos, por

apresentar taxas de hemólise (3,2%, 5,8% e 12,8%) nas concentrações (4,7 μM, 9,4 μM e 18,8 μM) onde foi verificada atividade antimicrobiana.

Embora muitos peptídeos sejam ativos na membrana de procariontes, eles parecem ter uma menor capacidade de perturbar membranas eucariontes devido à ausência de lipídios carregados negativamente na superfície da célula eucariótica. Contudo, os PAMs podem interagir com a superfície dos eritrócitos ao se ligarem aos resíduos de ácido siálico (Estrutura Fig. 37, Anexo A, pag.100) presentes em glicoproteínas ou glicoensfingolipídios (Ciumac et al., 2019). Com isso é comum observar um aumento na hemólise da maioria dos PAMs, e isso pode estar associado a diferentes fatores estruturais dos peptídeos, o que também tem efeito na potência antimicrobiana (Kumar et al., 2018; Travkova et al., 2017). Somado a isso, o aumento no momento hidrofóbico de 0,571 da Stigmurina para 0,678 do StigA15 pode estar relacionado com o aumento na atividade hemolítica observado para o StigA15, uma vez que, o aumento no momento hidrofóbico sugere uma influencia muito mais na atividade dos peptídeos com modelos de membrana zwitteriônica do que com bicamadas carregadas negativamente, gerando assim, uma eficiência maior na permeabilização nesse tipo de membrana (Dathe et al., 1997; Torres et al., 2017).

Estudando os derivados do peptídeo BmKn1 encontrado na peçonha do escorpião Buthus martensii, Salud Bea et al. relataram que as introduções de cargas positivas, como pela adição de lisina, podem promover tanto a atividade antimicrobiana quanto a hemólise (Salud et al., 2015). Estudos realizados com outros análogos da Stigmurina apontaram ser mais ativos contra bactérias Gram-negativas e Gram-positivas e leveduras do que o peptídeo nativo. Em contrapartida, a taxa de hemólise foi superior em relação a Stigmurina (Amorim et al., 2019; Parente et al., 2018). Portanto, é provável que exista uma possível toxicidade limitando a aplicação terapêutica de peptídeos antimicrobianos.

5.4 Estudo de Interação por Calorimetria de Titulação Isotérmica (ITC)