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A partir da década de 50 vários peptídeos ativos foram descobertos e tiveram as suas estruturas químicas determinadas (Juliano, 1990). Essas descobertas geraram um enorme interesse por esta classe de compostos e por metodologias para o seu isolamento, análise, purificação, identificação e quantificação, as quais passaram a ser estudadas e aprimoradas (Chan & White, 2000). Com isso, deparou-se com necessidade de se sintetizarem essas moléculas, e alguns derivados em escala suficiente para os estudos químicos, farmacológicos e bioquímicos, dentre outros, principalmente porque as fontes naturais são pobres em quantidades desses compostos, o que dificulta o isolamento em quantidades suficientes para

a realização desses estudos (Marquardt & Eifler-Lima, 2001; Juliano, 1990). Assim, a Síntese Orgânica em Fase Sólida (SOFS) vem sendo usada na obtenção de novos peptídeos, desde a sua descoberta por Bruce Merrifield na década de 50, por apresentar excelentes rendimentos, em um curto período, além do uso de poucos reagentes e solventes (Chan & White, 2000). Tal trabalho rendeu para Bruce Merrifield o Prêmio Nobel em química em 1984 (Disponível: www.nobelprize.org, acesso: 01 de maio de 2019).

O planejamento de uma síntese em fase sólida começa com a escolha do suporte polimérico. O mesmo deve ser permeável e facilmente solvatado por solventes polares apróticos, para minimizar ligações de hidrogênio entre o suporte e o peptídeo, e deve ser insolúvel em todos os solventes utilizados (Marquardt & Eifler-Lima, 2001). A escolha do suporte polimérico se deve à porção terminal do peptídeo, que se pretende obter ao final da síntese, podendo ter uma extremidade amidada ou carboxilada. Boa parte dos peptídeos antimicrobianos possuem a porção C-terminal naturalmente amidada, isto é, o grupo -OH é substituído por -NH2, resultando numa carboxamida (Bahar et al., 2013; Ciumac et al., 2019),

de modo que é necessária a utilização de uma resina nitrogenada para obtenção da sequência de interesse. A Figura 6 apresenta dois exemplos de suportes poliméricos que levam a obtenção de peptídeos com à porção C-terminal amidada ou carboxilada.

Figura 6. Exemplos de resinas poliméricas usadas na síntese de peptídeos em fase sólida.

Na síntese de peptídeos, somente um sítio específico em cada um dos aminoácidos envolvidos na formação de uma nova ligação peptídica deve estar disponível para a reação de formação da ligação peptídica, entretanto, moléculas como os aminoácidos possuem dois ou mais grupos funcionais e, portanto, esses grupos disponíveis de sofrer reações laterais devem estar devidamente protegidos. Desse modo, para contornar esse problema, pode-se utilizar o grupo 9-fluorenilmetoxicarbonila (Fmoc) para proteção do grupo -amino. Sua remoção é realizada com a utilização de uma base, como a 4-metilpiperidina (Figura 7) (Chan & White, 2000). Já as cadeias laterais contendo grupos funcionais diferentes de hidrocarbonetos, como a lisina, histidina, triptofano e dentre outros aminoácidos, são protegidos por grupos que são facilmente eliminados por acidólise (como por exemplo o grupo terc-Butiloxicarbonila –Boc e terc-Butil –tBu (Estruturas Fig. 36, Anexo A, pag.100).

Figura 7. Mecanismo genérico proposto para a reação de desproteção (remoção do grupo Fmoc) com 4-metilpiperidina (condição básica) para gerar o N-terminal.

Fonte: Adaptado (Chan & White, 2000)

Além dos grupos amino essencialmente protegidos, é necessária a ativação do carbono da carbonila, pois a hidroxila não é facilmente removida. Na ativação, o carbono da carbonila terá sua eletrofilicidade potencializada por substituintes eletroaceptores ligados diretamente a ela, facilitando o ataque do grupo amino (do outro aminoácido), que é o nucleófilo da reação. A diisopropilcarbodiimida (DIC) e o 1-hidroxibenzotriazol (HOBt) são reagentes de acoplamento que usualmente convertem o ácido carboxílico em um éster reativo, que reage com o grupo amino da porção N-terminal da peptidil-resina. Além disso, a utilização do DIC leva a formação da N,N’-diisopropilureia, um coproduto ureia formado na etapa de acoplamento (Figura 8).

Figura 8. Mecanismo genérico proposto para a reação de ativação seguida do acoplamento de Fmoc- aminoácido.

Fonte: Adaptado (Chan & White, 2000)

A eficiência de cada acoplamento e desproteção é confirmada com o uso do teste de Kaiser, o qual consiste no uso da ninidrina que, ao reagir com amina primária, leva a solução com coloração violeta (Troll et al., 1953) (Figura 9). O teste positivo apresenta uma coloração violeta, indicando a presença de NH2 livre (Figura 9), confirmando a eficiência da desproteção

(remoção do grupo Fmoc), enquanto na ausência de aminas primárias a solução apresenta uma coloração amarelada ou incolor, na qual indica a eficiência do acoplamento.

Figura 9. Mecanismo genérico proposto para o teste de Kaiser.

Fonte: Adaptado (Chan & White, 2000)

Normalmente, uma solução contendo ácido trifluoroacético (TFA), na presença de capturadores de carbocátions, como o triisopropilsilano (TIS), é utilizada como reagente de clivagem. A remoção dos grupos protetores das cadeias laterais, pelo emprego da solução ácida, libera intermediários catiônicos reativos e os capturadores de carbocátions minimizam as reações colaterais, que podem ocorrer com cadeias laterais de resíduos como triptofano,

tirosina, metionina e cisteina (que podem atuar como nucleófilos) (Chang & White, 2000). A clivagem do peptídeo da resina ocorre de acordo com o mecanismo apresentado na Figura 10.

Figura 10. Mecanismo da clivagem libera o C-terminal amídico do peptídeo da peptidil-resina, pelo emprego de uma solução de TFA (catálise ácida)

Fonte: Adaptado (Chan & White, 2000)

A Figura 11 apresenta o esquema básico de síntese em fase sólida, usando a estratégia de Fmoc (Chan & White, 2000). Neste método, o processo é iniciado pela clivagem do grupo Fmoc (vermelho) da resina, na qual é efetuada pelo emprego de uma solução básica como foi mostrado na Figura 7.

Como os peptídeos estudados neste projeto são amidados na porção C-terminal, decidiu-se utilizar a representação da própria resina efetuada na atual síntese. Para se realizar o acoplamento do primeiro aminoácido, sendo neste trabalho a lisina (azul), na resina, esse deve ser inicialmente ativado (Fig. 8, pag.16), a fim de se ter um grupo mais reativo que a carbonila do ácido carboxílico. Uma vez ativado o aminoácido, inicia-se a reação de acoplamento entre este e a resina, obtendo-se então o aminoácido protegido ligado à resina.

Figura11. Esquema geral da síntese de peptídeos em fase sólida, segundo estratégia Fmoc.

Fonte: Adaptado (Chan & White, 2000).

Os sucessivos acoplamentos dos demais aminoácidos da sequência são procedidos de maneira similar. Após cada etapa de acoplamento, a peptidil-resina é desprotegida, o

Fmoc-aminoácido é devidamente ativado, seguindo-se a respectiva reação de acoplamento e o processo é repetido até que se tenha obtido o peptídeo desejado ligado à resina. Ao final da reação de acoplamento do último resíduo, procede-se uma última reação de desproteção usando solução básica e o peptídeo desejado é finalmente clivado da resina e dos grupos protetores das cadeias laterais (rosa) são devidamente removidos pelo emprego de uma solução ácida, conforme mostrado na Figura 10.