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Estudos das Preferências Conformacionais por Espectroscopia de

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.5 Estudos das Preferências Conformacionais por Espectroscopia de

Muitos trabalhos relatam que o mecanismo de ação de peptídeos antimicrobianos inicia-se por mudanças conformacionais, que propiciam melhor interação com a membrana bacteriana (Ciumac et al., 2019; Kumar et al., 2018; Travkova et al., 2017). Dessa forma, foram obtidos espectros de Dicroísmo Circular em diferentes meios miméticos de membrana para avaliar o comportamento conformacional dos peptídeos. Para isso, os meios empregados para aquisição de espctros de CD da StigA15 (53,2 M) foram: (A) soluções a diferentes proporções de TFE:H2O, na presença de micelas detergentes de (B) DPC, (C) SDS e na

presença de vesículas unilamelares grandes de (D) POPC 25 ºC, (E) POPC 35 ºC, (F) POPC:POPG (3:1) 25 ºC e (G) POPC:POPG (3:1) 35 ºC. Além disso, com o objetivo de quantificar os conteúdos de estrutura helicoidal nos diferentes meios, realizaram-se análises de desconvolução dos espectros, com auxílio do programa CDPro (Sreerama & Woody, 2000, 2004).

A Figura 22 apresenta os espectros de CD obtidos para a StigA15 nos diferentes meios citados. Os ensaios realizados revelaram que o peptídeo não apresenta uma estrutura definida em H2O. Essa tendência de baixa estruturação em meio aquoso se deve,

principalmente, às ligações de hidrogênio intramoleculares das cadeias laterais dos peptídeos que estão em competição com as ligações de hidrogênio do solvente (Sueki et al., 1984), posibilitando que as moléculas não adotem uma conformação definida. No entanto, na presença de micelas e de TFE são observados um deslocamento de dois mínimos próximos à máx 208 nm e máx 222 nm, os quais intensificam-se com o aumento da concentração. Esses

resultados indicam que, nesses meios biomiméticos o peptídeo adquire uma conformação - helicoidal (Gusmão et al., 2017). Este comportamento é típico de peptídeos antimicrobianos, que normalmente não apresentam preferência conformacional em água, mas conformações bem definidas são adquiridas em contato com a superfície da membrana (Bahar et al., 2013; Yeaman & Yount, 2003).

Figura 22. Espectros de CD da StigA15 em (A) diferentes proporções de TFE:H2O, na presença de micelas de (B) DPC e (C) SDS e na presença de vesículas grandes unilamelares de (D) POPC 25 ºC, (E) POPC 35 ºC, (F) POPC:POPG (3:1) 25 ºC e (G) POPC:POPG (3:1) 35 ºC

O TFE é um co-solvente orgânico que, utilizado em certas proporções com a água, mimetiza o ambiente da membrana e, em muitos casos, podendo estabilizar estruturas secundárias, no caso de sequências que têm propensão a estruturação, sendo que esse efeito se deve pela diminuição da constante dielétrica do meio (Buck, 1998), embora não seja simulada a interface membranar. A Figura 22A mostra a intensificação e o deslocamento dos mínimos próximos a 208 e 222 nm com o aumento da concentração de TFE. A 10% de TFE pode ser observado que perfil do espectro não é significativamente diferente quando comparado ao obtido em água. Já a partir de 20%, observa-se um pequeno deslocamento desses mínimos, indicando que o peptídeo adquire certo grau de estruturação -helicoidal, com 47% de conteúdo helicoidal. A partir de 30 % de TFE, observa-se um deslocamento para comprimentos de onda maiores e a intensificação dos mínimos, resultando em 68% de teor helicoidal. Observa-se que aumento da proporção de TFE é proporcional a intensificação dos respectivos mínimos, até não mostrarem variações para valores maiores que 40% de TFE, atingindo uma saturação em 84% no seu teor helicoidal, o que sugere a existência de ordenamento helicoidal máximo já nas proximidades dessa concentração. Concidentemente, nessa mesma concentração também foi observada, no peptideo nativo Stigmurina, uma saturação de 70% no conteúdo de hélice (Amorim et al., 2019). Com isso, fez-se a escolha de realizar os experimentos de RMN nessa concentração para os dois peptídeos.

O espectro obtido em diferentes proporções de TFE não apresenta um ponto isodicróico próximo a 202 nm, sugerindo a presença de outras estruturas no meio além da - hélice. Entretanto, nas proporções intermediárias de 10% a 30% o espectro apresenta um perfil que sugere a presença de duas populações, uma estendida e uma outra -hélice.

A dodecilfosfocolina (DPC) é um surfactante zwitteriônico que mimetiza a interface anfifílica das membranas (Bechinger & Lohner, 2006). O espectro obtido na Figura 22B mostra que, a baixas concentrações do detergente (até 1,0 mM), não se observa significativa estruturação, entretanto, a partir de 2,0 mM, observam-se espectros com o perfil de estruturação em -hélice, com 51% de hélice, sendo que na concentração de 3,0 mM os mínimos próximos a 208 e 222 nm ficaram proeminentes, resultando num teor helicoidal de 63%. Nas concentrações de 5,0 mM (H = 77%) é nítida a saturação do teor de hélice, uma vez que o espectro obtido é muito similar aos obtidos em maiores concentrações de DPC. Assim como observado nos resultados obtidos em TFE:água, a ausência de um ponto isodicróico no espectro obtido na presença de DPC, sugere a presença de outras estruturas no meio além da -hélice.

O surfactante aniônico dodecil sulfato de sódio (SDS), também foi utilizado para analisar a preferência conformacional do peptídeo StigA15. Assim como observado para o espectro do peptídeo na presença de micelas de DPC, o aumento da concentração de SDS

implicou no aumento da estruturação do peptídeo, o que é confirmado pela intensificação dos mínimos próximos a 208 e 222 nm e do máximo próximo a 193 nm, que é condizente com o perfil de estrutura em -hélice (Gusmão et al., 2017). Porém, devido à natureza aniônica, observa-se perfil de estrutura helicoidal em concentrações menores de SDS do que de DPC. Para o SDS (Fig.22C), o perfil não estruturado aparece apenas em uma única concentração de detergente (0,2 mM), sendo que o espectro a concentrações acima de 0,5 mM há deslocamento do mínimo para  maiores, apresentando 82% de hélice. Com o aumento da concentração micelar para 1,0 mM, esse teor subiu para 89%, atingindo um conteúdo máximo de hélice de aproximadamente de 90% na concentração de 2,0 mM e não apresentando aumento significativos de hélice em concentrações elevadas, podendo assim sugerir uma certa saturação de teor helicoidal. Assim, com o aumento da concentração micelar, o espectro de CD não apresenta um ponto isodicróico próximo a 202 nm, sugerindo a presença de outras estruturas no meio além da -hélice.

As vesículas zwitteriônicas de POPC e aniônicas POPC:POPG (3:1) também foram utilizadas para avaliar as preferências conformacionais do peptideo. Porém, como o experimento de ITC foi realizado em temperatura maior que 25 ºC (item 5.4, pag. 61), os experimentos de CD na presença das vesículas fosfolipídicas foram obtidos tanto a 25 ºC quanto a 35 ºC, a fim de se compararem os resultados com os dados de ITC. Na presença de vesícula de POPC observa-se, nas duas temperaturas (Fig. 22D-E), perfil característico de peptídeo não estruturado, sendo observado a 2,5 mM de lipídeo um espectro que já começa a mostrar um perfil com certo teor de conformação helicoidal, com elipiticidade molar maior que zero na temperatura de 35 ºC (Fig. 22E). Esse resultado sugere que o peptídeo StigA15 apresenta afinidade relativamente baixa por vesículas zwitteriônicas de POPC para essas concentrações lipídicas. Por sua vez, o experimento de titulação da StigA15 com POPC foi analisado utilizando concentrações elevadas de vesícula (20 mM), que resultou em uma interação relativamente baixa (Kapp = 6,46 x102 L/mol) (Tab. 7, pag.64), sendo relatado na

literatura interações significativas de PAMs com vesículas biomiméticas a partir de 103 L/mol

(Seelig, 2004; Wieprecht & Seelig, 2002). Esse valor de Kapp, também definido como constante

de partição, também indica que boa parte do peptideo StigA15 encontra-se em solução, uma vez que a determinação dessa constante possibilita investigar a partição do peptídeo entre a bicamada e o meio aquoso (Seelig, 2004). Essa ausência de estruturação nesse tipo de vesícula foi verificada na homotarsinina, um peptídeo homodimérico extraído da secreção cutânea do anuro Phyllomedusa tarsius, onde mesmo em concentrações elevadas de vesículas fosfolipídica de POPC, apresentou um perfil característico de peptideo não estuturado (Verly et al., 2017). Quando se compara os dois espectros, se observa um aumento no índice de elipticidade molar em relação a concentração de vesícula POPC na temperatura

de 35 ºC, isso sugere que a interação do peptídeo StigA15 com a vesícula POPC é favorecida a temperatura elevadas (Fig. 22E).

Já na presença na de vesículas fosfolipídicas de POPC:POPG (3:1) já se observam espectros com perfis helicoidais em ambas temperaturas para concentração lipídica de 0,50 mM, sendo perfiis não estruturados observados apenas a concentrações muito baixas de vesículas (0,10 mM e 0,25 mM) (Fig. 22F-G). Além disso, nas duas temperaturas, observa-se que o aumento da concentração de POPC:POPG é elevado ao aumento do conteúdo helicoidal. Isso indica que o peptídeo StigA15 apresenta alta afinidade pela membrana mista, uma vez que a alta helicidade indica que a maior parte do peptídeo está ligada à membrana (Gusmão et al., 2017), sendo coerente com a natureza catiônica do peptideo StigA15. A presença de cargas negativas na superfície de POPC:POPG favorece as interações eletrostáticas com resíduos positivamente carregados do peptídeo, como mostram os resultados de ITC apresentado no item 5.4, pag.61 (Verly et al., 2017).

Na Figura 22F (25 ºC) observa-se que, a partir de 0,50 mM de vesícula aniônica, o peptídeo apresenta estruturação helicoidal, com 24% de hélice para essa concentração. A 1,0 mM, os mínimos próximos a 208 e 222 nm são intensificados, resultando em 34% de hélice. Na concentração de 1,50 mM (H = 44%) é observada uma intensificação dos mínimos, bem como uma boa definição do máximo característico de espectro com perfil de peptídeo helicoidal. A 2,0 mM de lipídeos, não são observadas diferenças significativas nos máximos e mínimos, entretanto, o conteúdo de hélice calculado foi próximo de 42%. Esse resultado sugere a saturação do teor de hélice pode ter sido atingida, uma vez que o espectro obtido é muito similar em relação ao obtido na concentração de 1,50 mM de lipídios. Para confirmar essa hipótese, seria necessário realizar experimentos em concentrações acima de 2,0 mM de lipídeos.

Os perfis dos espectros a 35 ºC não diferem significativamente dos observados para os respectivos espectros obtidos a 25 ºC, contudo, observa-se que, para concentrações de POPC:POPG mais elevadas, há uma leve diminuição da intensidade dos mínimos e máximos característicos, o que indica um menor teor helicoidal para esse peptídeo a 35 ºC (Fig. 22G). Concentrações abaixo de 0,25 mM de vesícula o peptídeo não apresenta um grau de estruturação, entretanto, na concentração de 0,50 mM já apresenta um perfil característico de -hélice, com teor de aproximadamente 17% de helicidade. As concentrações de 0,75 mM e 1,0 mM, não são observadas mudanças significativas dos mínimos próximos a 208 e 222 nm, apresentando teores de helicidades de 26% e 28%, respectivamente. O conteúdo de hélice calculado na concentração de 1,50 mM foi próximo a 32%, não muito diferente na concentração de 2,0 mM que resultou num teor de helicidade de 33%. Novamente, seria interessante analisar em concentrações acima de 2,0 mM de vesiculas, com o objetivo de averiguar o teor de saturação desse peptideo. Como já observado em outros meios, o

peptídeo não apresenta, em ambas temperaturas, um ponto isodicróico nos espectros na presença de vesícula POPC:POPG, indicando a presença de outras estruturas no meio, além da -hélice e estendida.

Embora o peptideo StigA15 apresente um alta afinidade por vesículas aniônicas, contribuições de estrutura secundária são reduzidas quando comparado com os espectros obtidos em 60% de TFE (Fig. 22A), e isso pode ser verificado quando são comparados os valores, em módulo, das intensidades dos mínimos e máximos, sendo maiores em 60% de TFE em relação aos valores observados na presença de vesícula de POPC:POPG (3:1) em ambas temperaturas. Provavelmente isso se deve a um processo de partição envolvendo o peptídeo ligado à bicamada (estruturado) e peptídeo livre no meio aquoso (não estruturado). Esse tipo de comportamente já foi previamente investigado em outros peptídeos antimicrobianos, como as filoseptinas-1, -2 e 3 (Resende et al., 2008; Guimarães, 2017).