• Nenhum resultado encontrado

Apesar de parecer óbvio, faltam evidências cla- ras de que alterações como as descritas no sub- título anterior participam dos efeitos terapêu- ticos das drogas em questão. No caso dos qua- dros depressivos e ansiosos, entretanto, algumas evidências começam a aparecer. Uma avaliação funcional desses quadros tem revelado uma importante participação de contingências aver- sivas, com provável aumento na frequência de respostas de fuga/esquiva e/ou diminuição na frequência de respos- tas mantidas por re- forçamento positivo, em maior ou menor grau (Ferster, 1973; Zamignani e Banaco, 2005). Em concor- dância com essas aná- lises, uma linha de pesquisas emergente tem apresentado for- tes evidências de que os efeitos antidepres- sivos e ansiolíticos de drogas como os inibi-

dores seletivos de recaptura da serotonia (ISRSs, Tabela 21.1) envolvem, ao menos em parte, a diminuição do valor de estímulos “aversivos” e um possível aumento do valor de estímulos “positivos”1 (revisado em Harmer,

2008). Nessa linha de pesquisas, bem como em diversas outras semelhantes, tem -se obser- vado que o aumento agudo de serotonina no organismo, através da administração de um ISRS, leva a uma diminuição no valor de al- guns tipos de estímulos aversivos. De forma inversa, a diminuição abrupta desta substância causa aumento dessa mesma sensibilidade.

Curiosamente, tais mudanças foram de- tectáveis em procedimentos laboratoriais mesmo quando não puderam ser percebidas e relatadas verbalmente pelo sujeito experi- mental e nem pelas escalas clássicas de avalia- ção de ansiedade e humor. Entretanto, tais al- terações, quando ocorriam, prediziam respos- ta antidepressiva duas semanas depois. Estes dados sugerem que drogas como antidepres- sivos atuam, ao me-

nos em parte, mu- dando a sensibilida- de do organismo a algumas formas de estímulos aversivos, e, possivelmente, a estímulos apetitivos, e esta modificação é o que leva, posterior- mente, a uma mu- dança detectável no humor e ansiedade.

Não é à toa que

a grande maioria das drogas utilizadas para tra- tamento dos quadros psiquiátricos de ansieda- de e depressão envolve, com maior ou menor especificidade, o sistema serotonérgico.

Todavia, a serotonina não é o único neurotransmissor envolvido nos quadros an- siosos e depressivos. Antidepressivos com ação nos sistemas da noradrenalina, da dopa- mina e, mais recentemente, da melatonina

Uma avaliação funcional dos quadros depressivos e ansiosos tem reve‑ lado uma importante participação de contingências aver‑ sivas, com provável aumento na frequên‑ cia de respostas de fuga/esquiva e/ou diminuição na frequência de respostas mantidas por reforçamento positivo, em maior ou menor grau.

Dados sugerem que drogas como anti‑ depressivos atuam, ao menos em parte, mudando a sensibi‑ lidade do organismo a algumas formas de estímulos aversivos, e possivelmente a estímulos apetitivos, e que esta modifi‑ cação é que leva, posteriormente, a uma mudança detectável no humor e ansiedade.

síntese das principais informações relacionadas aos fármacos citados neste capítulo

classe principais principal principais efeitos farmacológica representantes mecanismo de ação colaterais e cuidados

Antipsicóticos de primeira geração1 Inibidores seletivos de recaptura de 5HT Inibição dupla de recaptura de 5HT e NE Tricíclicos Inibidores da monoamino­ ­oxidase Outros antidepressi­ vos e ansiolíti­ cos Antipsicóticos de segunda geração Haloperidol, trifluopera­ zina, periciazina, levome­ promazina, pimozida, tioridazina, perfenazina, flufenazina, zuclopentixol, sulpirida e clorpromazina. Fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram, fluvoxamina e escitalo­ pram. Venlafaxina, desvenlafa­ xina, duloxetina. Nortriptilina, clomipramina, imipramina, amitriptilina. Tranilcipromina, mocobe­ mida.

Agomelatina: antidepressivo. Atua estimulando receptores da melatonina e 5HT. Bupropiona: antidepressivo. Ajuda a interromper o tabagismo. Melhora da disfunção sexual, ganho de peso e sedação causados por outros psicofármacos. Inibidor da recaptura da dopamina e noradrenalina. Pode causar ansiedade e insônia.

Mirtazapina: efeitos antidepressivos e ansiolíticos. Atua principalmente sobre NE e 5HT. Ganho de peso e sedação importantes.

Reboxetina: efeitos antidepressivos e ansiolíticos. Inibe seletivamente a recaptura de NE da fenda sináptica. Ziprazidona, olanzapina, risperidona, paliperidona, quetiapina, clozapina, amisulprida e aripiprazol. Bloqueio de receptores dopaminérgicos D2. Inibe a recaptura da 5HT da fenda sináptica. Inibe a recaptura da 5HT e NE da fenda sináptica. Inibe a recaptura da 5HT, NE e DA (menor grau) da fenda sináptica. Inibe a metaboli­ zação da 5HT, NE e DA. Diversos. Menos dependentes de bloqueio D2 + envolvimento de outros NTs.

Efeitos EPs/parkinsonismo como tremores, rigidez, hipocinesia, instabilidade postural/marcha e acatisia. Sedação, ganho de peso, hipotensão arterial, efeitos anticolinérgicos e hiperprolacti­ nemia. Risco de alteração na condução cardíaca e síndrome neuroléptica maligna. Anedonia e sintomas “negativos ­like” (atípicos).

Disfunção sexual, náuseas e diarreia (paroxetina: constipa­ ção), síndrome serotonérgica (raro).

Ganho de peso, hipertensão arterial, sudorese, insônia/ sedação, náuseas.

Hipotensão postural, ganho de peso, disfunção sexual, constipa­ ção, boca seca. Risco de bloqueio de condução cardíaca, hipotensão grave.

Disfunção sexual, fadiga, ganho de peso, hipotensão postural, sedação/insônia, tontura. Evitar alimentos com tiramina (queijos, vinhos, etc.) e medicações vasoativas, como inaladores para asma, descongestionantes nasais, etc., pelo risco de arritmias cardíacas e hipertensão arterial grave.

5HT – serotonina; DA – dopamina; EP – extrapiramidais; NE – noradrenalina; NTs – neurotransmissores; receptores D2 – receptores dopaminérgicos do tipo 2.

também apresentam potencial antidepressivo e ansiolítico marcados. Essa observação não enfraquece a observação anterior por diversos motivos. Em primeiro lugar, esses sistemas são altamente integrados, de forma que mu- dar um causa alterações significativas nos ou- tros. Além disso, como visto anteriormente, um aumento de respostas de fuga/esquiva não é a única modificação envolvida nos qua- dros depressivos e ansiosos. Uma importante diminuição da frequência de respostas manti- das por reforçamento positivo é também ob- servada com frequência, e neurotransmisso- res como a dopamina estão mais diretamente envolvidos neste processo (Gonçalves e Silva, 1999).

Seguindo esse raciocínio, é também possível especular sobre algumas questões fre- quentes não respondidas em psicofarmacolo- gia. A primeira delas se refere à observação comum de pacientes com o diagnóstico de um quadro ansioso, especialmente o transtor- no de ansiedade generalizada. Não é infre- quente que a pessoa relate que, apesar de estar muito menos ansiosa após o início da medicação de ação serotonérgica (que, em tese, diminui o valor de alguns aver- sivos), não faz muitas coisas, está mais pa- rada e “preguiçosa”.

Hipotetiza -se que

isso ocorra, ao me- nos em parte, em um sujeito que passou boa parte da vida res- pondendo pela evita- ção de aversivos, nor- malmente em frequências consideravelmente elevadas. Uma vez reduzido o valor de grande

parte dos aversivos com a medicação, ocorre uma diminuição global da frequência desses comportamentos de fuga/esquiva, situação que contrasta com a condição anterior de “superprodutividade”. Além disso, principal- mente com aquelas pessoas que tiveram um início muito precoce do respectivo quadro clínico, especula -se um déficit no repertório comportamental global mantido por reforça- mento positivo. Nas palavras de um cliente, “passei tanto tempo da minha vida, e desde criança, aprendendo a resolver problemas e tentando garantir que não ocorressem no meu futuro que não aprendi a me divertir” (sic). Nesse momento, a experiência clínica de alguns grupos tem mostrado que o papel do clínico é essencial no sentido de instalar novos comportamentos positivamente refor- çados. Deve ficar claro que essa colocação é baseada em observação clínica com extensão de dados laboratoriais para a clínica, mas que ainda não foram estudados de forma contro- lada na prática.

Um dos maiores interesses da farmaco- logia hoje é conhecer variáveis que predigam resposta a um determinado fármaco. A título de ilustração, seria de grande utilidade para o psiquiatra saber antecipadamente se aquele paciente em particular responderia melhor a um ou outro fármaco. Até o momento, pou- co se sabe sobre o assunto, sendo que as prin- cipais variáveis preditoras de resposta são de cunho genético (Malhotra, Murphy e Kenne- dy, 2004). Mas este provavelmente não é o único fator relevante, principalmente quando falamos na escolha da classe medicamentosa.

Tomando como exemplo o caso da de- pressão e as observações laboratoriais de au- mento do valor de estímulos apetitivos por medicações dopaminérgicas, e de diminuição no valor de aversivos com medicações seroto- nérgicas, anteriormente citadas, faz sentido crer que, em alguns casos, uma avaliação fun-

Não é infrequente que a pessoa relate que apesar de estar muito menos ansiosa após o início da medicação de ação serotonérgica, não faz muitas coisas, está mais parada e “preguiçosa.” Hipotetiza ‑se que isso ocorra, ao me‑ nos em parte, num sujeito que passou boa parte da vida respondendo pela evitação de aversi‑ vos, normalmente em frequências consideravelmente elevadas.

cional de cada sujeito poderia ajudar a guiar a escolha do grupo de fármacos, nesse sentido. A título de ilustração, sujeitos deprimidos nos quais predomina uma diminuição de res- postas mantidas por reforçamento positivo poderiam se beneficiar mais de uma droga dopaminérgica, como a bupropiona, do que de uma droga serotonérgica, como os ISRSs (Tabela 21.1). Essa última, em tese, teria maior efeito sobre pessoas nas quais as altera- ções comportamentais são predominante- mente relacionadas a um excesso de compor- tamentos de fuga/esquiva, mesmo que essas sejam “passivas”. Na prática, poderíamos dar o exemplo de um deprimido que deixa de ver os amigos muito mais por esquiva do que por uma diminuição do valor reforçador desses amigos. Apesar de aparentar bons resultados na prática clínica, não existem, até o momen- to, estudos clínicos suportando diretamente esta hipótese, mas algumas evidências preli- minares parecem apoiar indiretamente esta ideia (Nutt et al., 2007).

> coNtRole coNtextual