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Tão importante quanto olhar para o cliente é olhar para nós mesmos, um olho lá, um olho

Clínicos não fazem juízos de valor nem tampouco fazem interpretações a partir de seu pró‑ prio ponto de vista. Tomar cuidado para não cometer esses deslizes, favorece o paciente a expor seu comportamento, a revelar o que sente e como sente.

Inicialmente o clínico deve conduzir a ses‑ são de forma a deixar explícita uma condi‑ ção de acolhimento e de permissão, deve ser prudente em emitir opiniões e em oferecer regras. Em um primeiro encontro o rumo da conversa é mais livre, deve‑se deixar o cliente conduzir. Todavia o clínico estará atentando às relações que o clien‑ te estabelece entre seus comportamen‑ tos e as contingên‑ cias ambientais.

cá! É importante que você se observe, que perceba o que sente diante daquele que está à sua frente, pois, em algum momento, vai de- volver para ele a sua percepção que, por sua vez, é uma valiosa oportunidade para o clien- te se ver através de outros olhos.

Sessão em andamento, nota -se que a narrativa do cliente sobre seu problema min- gua. Passaram -se aproximadamente cerca de 10 minutos, e o cliente não sabe mais o que falar, ou melhor, como falar. Tenha calma, é provável que esta situação produza algum in- cômodo (tanto no cliente quanto em você), mas, como nosso foco é a “entrevista”, é con- veniente que se façam perguntas – às vezes, isso não ocorre na primeira sessão, pois esta é cheia de etapas a concluir, mas pode ocorrer a partir da segunda sessão: o cliente nos coloca na posição de responsáveis pelo andamento da sessão, o que de certa forma somos.

Chamo sua atenção aqui para a sagaci- dade que o clínico deve ter quando se depara com tal situação. O que o cliente está tentan- do lhe dizer?

Muitas pessoas não sabem como se ex- pressar, não têm habilidade em se auto -obser- var, tampouco usam palavras que correspon- dem aos seus sentimentos ou as circunstân- cias vividas. Sendo assim, é preciso planejar o aumento e a precisão do repertório verbal do cliente, para que só um pouco mais adiante seja possível enxergar junto com ele sua verdadeira condição. Nesse sentido, é im- portante discriminar o quanto antes o que é esquiva e o que é falta de repertório verbal. A sessão vai chegando ao fim e chega o momento do contrato. É importante deixar claro para o cliente que esse é um processo que leva tempo

e depende, em gran- de parte, de sua pró- pria dedicação, por isso a importância de um contrato bem fei- to e bastante esclare- cido. O momento do contrato é o momen- to no qual o clínico impõe limites de ho- rários, de disponibi- lidade e do valor da consulta, sempre se certificando de que tudo o que você im- pôs foi compreendi- do. Apesar de difícil, essa é uma rica opor-

tunidade para ver o cliente se comportar diante dos limites impostos pelo outro.

A introdução da variável monetária exerce grande poder sobre as pessoas; para muitos clínicos, esse é um momento incômo- do que vai se tornando mais fácil à medida que o tempo passa e conforme se valoriza o trabalho desenvolvido. Regatear, diminuir o valor do trabalho clínico são praxe, especial- mente para aqueles que nunca passaram por um processo analítico. Não os culpo, este não é um serviço barato e vivemos em tempos de crises econômicas; é preciso acreditar que esse investimento será vantajoso em longo prazo.

Além da questão financeira, acerta -se a disponibilidade de horários, outra variável bastante importante, pois aqui vemos o clien- te rearranjar sua agenda em função da análise, avaliamos sua predisposição, seu entusiasmo ou sua resistência. Claro que deve -se levar em conta a localização do clínico e o deslocamen- to do cliente: em uma cidade como São Pau- lo, nem sempre um atraso ou uma falta po- dem estar relacionados à resistência ou esqui- va da análise – estamos quase que diaria mente sob controle de variáveis incontroláveis como trânsito e clima.

Quando o clínico observa que o cliente apresenta certa difi‑ culdade de verbalizar seu problema, ele deve atentar se isso se deve à falta de repertório do cliente ou trata ‑se de uma resposta de esquiva. No primeiro caso, o clínico deverá mode‑ lar este repertório.

No final do primeiro encontro torna ‑se necessário apre‑ sentar um contrato de trabalho para o cliente. Nele se estabelece as regras que conduzirão o trabalho: se o cliente compreendeu tudo que foi estabelecido no contrato; se o cliente está disposto a se envolver naque‑ le processo, que leva tempo e depende, em partes, de sua própria dedicação e observar como o cliente lida com os limites impostos por ele.

Concluo esta reflexão deixando às claras que esses são apenas alguns dos eventos aos quais devemos atentar nos encontros iniciais. Em se tratando de uma condição tão comple- xa como um processo analítico, muita coisa pode acontecer e, como enfatizei no início, o desempenho do clínico será decisivo nessa travessia – no sentido de produzir no cliente uma mudança que o capacite a encontrar por si próprio a solução para seu problema.

Nada posso lhe oferecer que não exista em você mesmo. Não posso abrir -lhe outro mun- do além daquele que há em sua própria alma. Nada posso lhe dar, a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visí- vel o seu próprio mundo, e isso é tudo.

(Demian – Hermann Hesse, 1929/2008)

> Nota

1. O Quadro 12.1 apresenta os possíveis passos emiti- dos pelo cliente e pelo clínico para que seja iniciado

o processo psicoterápico. Podem ocorrer variações, mas, grosso modo, é assim que se dá.

> RefeRêNcias

Andrade, C. D. de. Certas palavras. Acessado em 02 nov, 2009, em http://memoriaviva.com.br/drummond/poema 050.htm

Boaventura, E. (2007). Como ordenar as ideias (9.ed.). São Paulo: Àtica.

Hesse, H. (2008). O lobo da estepe. Rio de Janeiro: Best- bolso. (Trabalho original publicado em 1929)

Pessoa, F. Onde você vê. Acessado em 02 nov, 2009, em http://www.alashary.org/analise_poetica_do_poema_de_ fernando_pessoa_onde_voce_ve/

Pessoa, F. Travessia. Acessado em 02 nov, 2009, em http:// www.pensador.info/autor/Fernando_Pessoa/5/

Rilke, R. M. (1978). Cartas o um jovem poeta. (9. ed.) São Paulo: Globo.

Schwartz, B., & Flowers, J. (2009). Como falhar na relação? Os 50 erros que os terapeutas mais cometem. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)

Yalon, I. (2009). Vou chamar a polícia e outras histórias de literatura. Rio de Janeiro: Agir.

As publicações sobre a fase inicial dos proces- sos terapêuticos analítico -comportamentais geralmente abordam a relação entre o clínico e seu cliente e os procedimentos típicos de avaliação clínica e sua fundamentação. O propósito deste capítulo é relatar um conhe- cimento construído através da experiência clínica das autoras sobre o comportamento informal dos profissionais, sua equipe e seus clientes, presentes desde o momento em que o cliente chega à clinica psicológica até o iní- cio do processo propriamente dito.

> pRé ­teRapia – os bastidoRes