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Entrando na clínica de análise de comporta- mento, a sala de espera é a primeira parada, onde as primeiras interações in vivo se estabe- lecem. O que acontece lá pode ser altamente revelador dos comportamentos do clínico e dos clientes.

O cliente pode estar ansioso para enten- der qual a forma adequada de se relacionar no contexto terapêutico, com as secretárias e pes-

analítico -comportamental

deve atentar nos primeiros

encontros: das vestimentas

aos relatos e comportamentos

clinicamente relevantes

Fátima Cristina de Souza Conte Maria Zilah da Silva Brandão

ASSunToS do CAPÍTulo

> Eventos relevantes que ocorrem antes do atendimento. > Eventos relevantes durante os encontros iniciais.

> Expectativas do cliente e do clínico.

soas presentes na sala e com o impacto que seus problemas causarão no profissional. Também pode estar preocupado, e com ra- zão, com a competência do clínico para ajudá -lo. Nesse contexto, não é difícil apare- cerem pensamentos e fantasias sobre o aten- dimento e sobre as pessoas e interações que acontecem na sala enquanto ele aguarda a sua vez. Pensar sobre o que os outros estão pen- sando dele e quais os problemas que os trou- xeram ali é o mais frequente. As fantasias po- dem ser do julga- mento e da avaliação que as pessoas da sala fazem dele, neste momento.

Com o passar do tempo, o cliente tende a relaxar, e suas interações e capaci- dade de observar o ambiente melhoram; o que vivencia nos bastidores da clínica pode influenciar vários comportamentos que ocorrerão na sessão: pode predispô -lo a agir de uma determinada maneira em vez de outra, pode melhorar ou piorar suas dificuldades iniciais.

Como exemplo, temos o caso de uma cliente que, embora já tivesse melhorado com a terapia, relatou que ter tido a oportunidade de observar os profissionais da clínica e seus estagiários aflitos e ansiosos às vésperas de um congresso, em função de deixarem tarefas para a última hora, fez com que ela achasse normais os seus próprios sentimentos de an- gústia e ansiedade às vésperas de sua defesa de tese e de outros compromissos agendados. “Percebi que isto é normal, até os terapeutas têm!”, disse ela. A avaliação funcional do caso desta cliente havia revelado dificuldade em li-

dar com crítica, desaprovação, erros seus ou dos outros. Ela apresentava esquiva e com- portamentos socialmente inapropriados fren- te a várias situações que poderiam levar a isso. A experiência de bastidores favoreceu mu- danças.

Outro exemplo, que pode elucidar como os comportamentos da sala de espera podem ajudar na identificação dos comporta- mentos clinicamente relevantes dos clientes (CRBs), como são denominados por Kohlen- berg eTsai (1991), é o caso de Eric, nome fic- tício do cliente que, embora sua queixa en- volvesse assédio sexual no trabalho, apresen- tava comportamento de respeito exemplar nas sessões, gerando dúvidas com relação à inadequação comportamental. O relato da secretária, porém, indicou que na sala de es- pera ela se sentia acuada perante o comporta- mento agressivo do cliente, que ameaçava pa- rar a terapia e ir embora caso a profissional se atrasasse para atendê -lo ou não o agendasse no horário pelo qual ele tinha preferência. A secretária chegava a interromper a sessão an- terior à dele para pe-

dir para a profissio- nal não se atrasar. O conhecimento dessas atitudes deu condi- ções para o clínico intervir diretamente no “aqui e agora” da relação terapêutica, evocando os com- portamentos relevan- tes na sessão. Em resumo, a sala de espera pode se constituir em uma variável independen- te importante e pro-

O que [o cliente] vivencia nos bastido‑ res da clínica pode influenciar vários comportamentos que ocorrerão na sessão: pode predispô ‑lo a agir de uma deter‑ minada maneira ao invés de outra, pode melhorar ou piorar suas dificuldades iniciais.

A sala de espera pode se constituir numa variável inde‑ pendente importante e produzir mudança no comportamento dos clientes, antes mesmo de começa‑ rem as sessões de terapia; ela também dá dicas ao clínico sobre o comporta‑ mento do cliente e, principalmente pode colaborar para a certificação dos comportamentos cli‑ nicamente relevantes do cliente, já obser‑ vados na sessão.

duzir mudanças no comportamento dos clientes, antes mesmo de começarem as ses- sões de terapia; ela também dá dicas ao clíni- co sobre o comportamento do cliente e, prin- cipalmente, pode colaborar para a certifica- ção dos comportamentos clinicamente relevantes deste, já observados na sessão.

Na sala de espera, podemos ainda ob- servar a interação cooperativa entre os clien- tes quando há necessidade de ajuda mútua para resolver problemas corriqueiros como, por exemplo, o do estacionamento que fecha mais cedo, precisando que alguém da sala tire o carro do outro que está em atendimento; há também clientes que erram o horário ou são vítimas do engano das secretárias e se encon- tram na sala de espera para decidir quem vai ser atendido e quem vai embora; clientes que se conhecem e se encontram casualmente na sala de espera e são obrigados a assumir um para o outro que estão fazendo terapia, e que acabam tecendo comentários sobre seu trata- mento; há os inimigos que se encontram e descobrem que fazem terapia com a mesma pessoa e que um já falou do outro na sua ses- são; e muitos outros casos delicados ou engra- çados que nos surpreendem pela flexibilidade ou inflexibilidade de repertório comporta- mental do cliente para resolver estas questões inusitadas de relacionamento e que se consti- tuem em oportunidade única de observação direta do seu comportamento.

Uma história sobre os bastidores da clí- nica psicológica e como esses fatos afetam o comportamento do clínico e do cliente que está sendo atendido, e dos que aguardam sua sessão, aconteceu em uma tarde de 2004, quando uma das autoras estava atendendo um cliente com queixa de pouca confiança nos outros, baixa autoestima e pensamentos “paranoides”, e a secretária da clínica liga para a sala da profissional para avisar que o delega- do da cidade e vários policiais haviam reco- nhecido o cliente que estava com ela como o assaltante de várias salas daquele prédio, e

que eles invadiriam o local para pegá -lo. A profissional ouviu em silêncio, disse calma- mente para o cliente que ela precisava falar com a secretária, foi até a sala de espera e dis- se para o delegado que ele estava enganado, que garantia que ele não era a pessoa procura- da e que não permitiria que ele falasse com o cliente. Permitiu apenas que olhasse a sala sem falar com o cliente e com a concordância deste. Os clientes da sala de espera apoiaram a profissional, que questionou sobre docu- mentos para fazer tal invasão na clínica, de- monstrando empatia.

O cliente demonstrou melhora ao con- fiar na profissional e permitir que o policial entrasse sem se sentir ameaçado por ele; os clientes que assistiram ao episódio foram para as suas sessões modificados pela experiência e pela garantia de sua segurança na sessão. A profissional se sentiu satisfeita por agir espon- taneamente, controlada por reforçadores na- turais envolvidos em ajudar o cliente.

A ideia de desmistificar a sala de espera da clínica psicológica veio como consequên- cia da aprendizagem de fazer terapia e, por- tanto, foi modelada por contingências advin- das do comportamento do cliente. Hoje, ao mesmo tempo em que visamos destacar seu potencial terapêuti-

co, a ideia faz parte de um procedimento de quebrar regras e conceitos que produ- zem tensão, ansieda- de, medo de fazer te- rapia ou do analista perfeito idealizado pelos clientes. Quem

faz análise é “normal” como qualquer um de nós, clínicos ou leitores deste capítulo. Todos, sem exceção, temos problemas “psicológicos” no decorrer da vida, em alguns momentos, em função de algumas circunstâncias, e essa percepção do coletivo ameniza um possível constrangimento de estar em análise.

Quem faz análise é “normal” como qualquer um de nós clínicos ou leitores. Todos, sem exceção, temos problemas “psicológicos” no decorrer da vida, em alguns momentos, em função de algu‑ mas circunstâncias.

Não poupar o cliente das complicações normais de uma sala de espera é sempre uma decisão dos clínicos, que devem discutir essa experiência com ele, e não pode ser confundi- do com negligência ou exposição constrange- dora do sofrimento do cliente aos ou- tros.

O papel do clí- nico é atenuar o so- frimento do cliente, levando -o a ver os eventos externos que estão gerando sofri- mento e dando força a ele para suportar sua dor e mudar suas ações, na medida do possível, para gerar contingências diferentes que possam produzir sentimentos mais agra- dáveis.

> o que dizem as apaRêNcias?

Dizem popularmente que as primeiras im- pressões são as que ficam. O que dizer da apa- rência física do clínico e do cliente? Será que ela tem algum papel relevante na relação terapeuta -cliente? Pensamos que a apresenta- ção física (aparência) do clínico é importante e pode influenciar nas percepções e análises que o cliente faz do profissional: sendo este muito vaidoso, por exemplo, pode provocar medo no cliente, de não ser tão impor- tante para ele, e aque- les muito desleixados podem passar a im- pressão de que não estão dando conta nem da própria vida. Quanto ao cliente, as vestimentas po- dem ser vistas como uma das formas de sua inserção no mundo e podem mudar de acor-

do com suas necessi- dades de aceitação pelo grupo. Elas tam- bém podem oferecer ao analista dicas so- bre o estilo de vida do cliente e sobre o impacto que este de- seja causar no clíni- co.

Pensamos, na verdade, que é im- possível para clíni- cos e clientes se apre-

sentarem, por muito tempo, disfarçados completamente daquilo que realmente são, em termos de seus padrões comportamen- tais. As diferentes situações se repetirão e trarão nova mente à tona os comportamen- tos previamente observados. Assim, as apa- rências deverão ser suplantadas pela análise do comportamento.