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O mando disfarçado guarda semelhança to- pográfica com o tato, mas o efeito que tem sobre o ouvinte pode ser de um mando. Mui- tas vezes, a comunidade verbal considera mandos disfarçados como maneiras mais educadas, polidas ou delicadas de fazer pedi- dos, e acaba reforçando -os. No entanto, por não especificar claramente o reforço, o man- do disfarçado nem sempre é efetivo na pro- dução de reforçadores, e no médio e longo prazos a alta emissão de mandos disfarçados

pode resultar em punições ou escassez de re- forçadores.

Tomemos como exemplo de mando dis- farçado a seguinte situação: o professor marca uma prova em uma

quinta -feira e comu- nica aos alunos. Estes já teriam uma prova de outra disciplina no mesmo dia, para a qual teriam que estu- dar bastante, e dese- jam que o professor

troque a data da prova. No entanto, no lugar de emitirem um mando direto como “Profes- sor, troque o dia da prova, por favor!”, eles emitem um mando disfarçado, tal como “Nos- sa, professor! Temos uma prova superdifícil no mesmo dia!”. O professor pode alterar a data de sua prova como consequência à verbaliza- ção (reforçando o mando disfarçado), ou pode responder sob controle da topografia de tato e dizer “Puxa, sinto muito!” (o que não funciona como reforço para a verbalização dos alunos).

Na prática clínica, o mando disfarçado pode evidenciar dificuldade por parte do cliente de se comportar assertivamente com o clínico (dificuldade

esta que geralmente é comum em sua vida nas relações estabele- cidas com as outras pessoas) ou então evidenciar uma ma- neira de se esquivar de punição advinda

do clínico. Por exemplo, ao ouvir do clínico o valor da sua sessão, o cliente, que a conside- rou cara, e gostaria de um desconto, apenas comenta, “Estou achando o valor da sua ses- são acima do valor de mercado!”. Outra situ- ação ilustrativa se refere a uma cliente que se queixa de bastante dificuldade financeira, mas que atende todas as vontades do filho (tal

Muitas vezes a comunidade verbal considera mandos disfarçados como maneiras mais educadas, polidas ou delicadas de fazer pedidos, e acaba os reforçando. O mando disfarçado pode evidenciar dificuldade por parte do falante de se comportar asserti‑ vamente ou então evidenciar uma ma‑ neira de se esquivar de punição.

como pagar sua academia, saídas com os ami- gos todo final de semana, etc.). O clínico, ao fazer perguntas no sentido de colocá -la mais sob controle da atual situação financeira e de seu comportamento -queixa, ouve da cliente: “É muito difícil para uma mãe falar não para um filho, e não adianta ninguém vir pedir para eu falar não, pois não farei isso”.

O presente capítulo abordou a defini- ção do comportamento verbal na análise do comportamento apresentando a classificação skinneriana dos operantes verbais.

Conhecer a concepção de Skinner sobre o comportamento verbal é imprescindível para o desenvolvimento de intervenções clí- nicas e educacionais, pois permite a análise e o planejamento de intervenções, inclusive de contingências, para a instalação de comporta- mentos verbais específicos.

> Notas

1. A ordem dos autores é meramente alfabética. 2. O termo “tato” é utilizado por diversos autores para

nomear o operante verbal. É interessante notar, no entanto, que Skinner adota o termo “tacto” em suas obras, principalmente para evitar que o leitor con-

funda o operante verbal com o sentido tato, embora a função dos comportamentos descritos por ambos os termos se assemelhe em parte: “Esse termo [tacto] traz consigo certa sugestão mnemônica do compor- tamento que estabelece ‘contacto’ com o mundo fí- sico” (Skinner, 1957/1978, p. 108).

3. Skinner (1974/2002) apresenta esses e outros mandos e as consequências de seu seguimento para o ouvinte no contexto do controle do com- portamento por regras (capítulo “Causas e ra- zões”).

4. Meyer e colaboradores (2008) apontam a identifi- cação de autoclíticos na situação clínica como ma- neira importante de ter acesso a contingências que controlam o comportamento do cliente.

5. Para uma discussão sobre o manejo na clínica dos tatos distorcidos do cliente, ver Capítulo 14.

> RefeRêNcias

Matos, M. A. (1991). As categorias formais de comporta- mento verbal em Skinner. Anais da Reunião Anual de Psico‑ logia de Ribeirão Preto, 21, 333-341.

Meyer, S. B., Oshiro, C., Donadone, J. C., Mayer, R. C. F., & Starling, R. (2008). Subsídios da obra “Comportamento Verbal” de B. F. Skinner para a terapia analítico- -comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comporta‑ mental e Cognitiva, 10(2), 105-18.

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957)

Skinner, B. F. (2002). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cul- trix. (Trabalho original publicado em 1974)

Por que Paula tem “um ciúme doentio” do seu namorado, mesmo que ele não lhe dê motivo algum? O que teria levado Rodrigo a deixar de sair com os amigos e praticar espor- tes e a reclamar constantemente que sua vida não tem sentido e de que nada lhe dá mais prazer? O que fazer com toda a preocupação de Lígia com sua dieta e seus repetidos episó- dios de “compulsão alimentar” seguidos da indução de vômitos? As respostas a essas per- guntas serão certamente diferentes entre si, envolvendo aspectos específicos das vidas de Paula, Rodrigo e Lígia. Uma única e mesma resposta não será adequada a todas as pergun- tas. Clínicos analítico -comportamentais, contudo, procurarão responder estas questões

investigando variáveis semelhantes. As res- postas também serão formuladas de modo parecido e, consequentemente, suas interven- ções nos três casos terão semelhanças. Essas semelhanças devem -se ao sistema explicativo e ao modelo de causalidade (ou modo causal) que fundamentam a clínica analítico -compor- ta mental.