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implicações paRa a clíNica aNalítico ­compoRtameNtal

Um segundo ponto importante para uma apreciação adequada do modelo de seleção por consequências em sua relação com a in- tervenção ana lí ti co -comportamental trata da inter -relação entre diversas causas (ou da multideterminação) do comportamento hu- mano. Skinner (1981/2007) resumiu esse as- pecto afirmando que “o comportamento hu- mano é o produto conjunto de

a) contingências de sobrevivência res ponsáveis pela seleção natural das espécies, e

b) contingências de re forçamento responsáveis pelos repertórios adquiridos por seus mem- bros, incluindo

c) contingências especiais mantidas por um ambiente social evoluído” (p. 502).

Em outros ter- mos, o comportamen- to humano é multide- terminado por histó- rias nos níveis

a) filogenético, b) ontogenético e c) cultural.

E os processos de evolução envolvidos nesses três níveis seriam análogos, sempre en- volvendo a seleção de unidades populacionais e históricas pelas suas consequências passa- das.

No nível filogenético, a seleção natural explicaria a evolução de:

1. características fisiológicas e anatômicas das espécies;

2. relações comportamentais específicas (ina- tas);

3. os próprios processos envolvidos na apren- dizagem (ou seja, a sensibilidade ao condi- cionamento respondente e operante que estão na base da capacidade de aprender novas relações comportamentais); e 4. um repertório não comprometido com

padrões inatos que poderia ser modelado pelo condicionamento operante (Andery, 2001; Skinner, 1981/2007, 1984).

No nível ontogenético, o reforçamento operante explicaria em grande parte a evolu- ção de repertórios comportamentais específi- cos de cada indivíduo,3 desde os aparente-

mente mais simples, como andar em uma su- perfície plana, até os complexos padrões de “comportamento simbólico” típicos dos hu- manos.

O surgimento desse nível ontogenético de seleção de comportamentos por suas con- sequências permitiu, ainda, segundo Skinner, a adaptação de indivíduos particulares (e, em certa medida, das espécies a que pertencem tais indivíduos) a ambientes em constantes mudanças, possibilitou a seleção de padrões complexos de comportamento em espaços curtos de tempo (de uma vida individual e não de sucessivas gerações) e também propi- ciou a modificação mais rápida do ambiente.

A intervenção analítico‑ ‑comportamental pode ter dois “níveis”: em certos momentos a meta é a seleção de comportamentos e em outros, a meta é promover a instan‑ ciação (ou mudan‑ ças na instanciação) de operantes... .

O comportamento humano é multi‑ determinado por histórias nos níveis filogenético, ontoge‑ nético e cultural.

Trocas maiores e mais intensas entre indiví- duos e ambientes se desenvolveram e só com a emergência da seleção ontogenética de com- portamentos a individuação teria se tornado efetivamente possível. Os repertórios com- portamentais passaram a se constituir tam- bém a partir de histórias individuais e não mais apenas pela história da espécie (Andery, 2001).

Ademais, como outros membros de uma mesma espécie são parte constante e fundamental do ambiente de qualquer orga- nismo (por exemplo, para reprodução e cui- dado com a prole), estes se tornaram ambien- te comportamental relevante para os indiví- duos de muitas espécies. A sensibilidade às consequências do comportamento operante favoreceu ainda mais a emergência do outro como parte relevante do ambiente comporta- mental e, assim, favoreceu, em algumas espé- cies, a ampliação dos comportamentos so- ciais. No caso da espécie humana, esse pro- cesso foi intenso e extenso, e, em última instância, foi parte fundamental para a sele- ção de um tipo especial de comportamento social, o comportamento verbal.

Com estes acontecimentos, o palco es- tava montado, como disse Skinner (1957/ 1978), para o aparecimento do nível cultural de seleção por consequências. Operantes sele-

cionados por refor ça- mento (no nível de um indivíduo parti- cular) passaram a ser propagados entre di- ferentes indivíduos, gerando práticas cul- turais, ou seja, a re- produção de com- portamentos em di- ferentes indivíduos e em sucessivas gera- ções de indivíduos. E práticas culturais

passaram a ser sele-

cionadas por suas consequências para o grupo como um todo (Glenn, 2003, 2004; Skinner, 1981/2007, 1984).

O nível cultural de seleção por conse- quências e o comportamento verbal permiti- ram que os indivíduos pudessem se beneficiar de interações que nem sequer viveram e que pudessem acessar e conhecer seu próprio mundo privado.

É através da comunidade verbal que se cons- trói uma parte importante do repertório dos seres humanos: sua subjetividade. Se o condi- cionamento operante permite a individuação, permite a construção, para cada indivíduo de uma espécie, ainda que dentro de certos parâ- metros, através de uma história de interação com o ambiente particular, de uma singulari- dade que não pode ser idêntica a qualquer ou- tra. O conhecimento desta individualidade e a consequente reação a ela, na forma de com- portamento operante, de autoconhecimento e de autogoverno, só é possível com a emergên- cia do comportamento verbal e seu conse- quente e necessário resultado: a evolução de ambientes sociais – em uma palavra, a cultura (Andery, 2001, p. 188).

Uma implicação dessa análise é que, para compreender a subjetividade, seria ne- cessário compreender como indivíduo e cul- tura se relacionam e por que e como operam as contingências sociais que caracterizam a cultura (Andery, 2001; Tourinho, 2009).

De fato, Skinner (1981/2007) propôs que cada nível de seleção por consequências do comportamento seria objeto de estudo de uma disciplina cien-

tífica específica. A Análise do Compor- tamento, por exem- plo, seria responsável pelo nível ontogené- tico. Mas a adoção do mesmo modelo de causalidade per- mitiria uma melhor

O ambiente social foi fundamental para o surgimento do comportamento verbal e ambos para o surgimento de um terceiro nível de variação e seleção, o cultural. No nível cultural o que varia e é selecionado são práticas cultu‑ rais que tratam de comportamentos ensinados de um in‑ divíduo para o outro e através de gera‑ ções de indivíduos. Compreender e intervir adequa‑ damente sobre o comportamento, e especialmente sobre o campo da “subjetividade”, só seria possível considerando‑se as interações entre os três níveis.

integração entre as disciplinas que se ocupam da seleção de compor tamentos e poderia au- torizar a realização de análogas tentativas en- tre os princípios desenvolvidos para os três níveis de seleção.

Além disso, compreender e intervir ade- quadamente sobre o comportamento, e espe- cialmente sobre o campo da “subjetividade”, só seria possível considerando -se as interações entre os três níveis. Na prática, isso implica que um clínico analítico -comportamental precisa conhecer não só Análise do Compor- tamento, mas também influências biológicas e culturais sobre o comportamento indivi- dual. O comportamento “bulímico” de Lígia só seria adequadamente compreendido consi- de rando -se a interação entre:

a) variáveis biológicas relacionadas, por exemplo, ao modo como o corpo (e o com portamento) reage a dietas severas e sucessivamente interrompidas;

b) variáveis propriamente comportamentais como, por exemplo, os efeitos das conse- quências sociais produzidas pelos episó- dios de “compulsão alimentar” e de indu- ção de vômitos; e

c) variáveis culturais como, por exemplo, a “imagem corporal” valorizada pela mídia com a qual Lígia interage.

> coNsideRações fiNais

Em síntese, os operantes em um repertório comportamental individual, assim como as espécies e as práticas culturais, são produtos de um processo de seleção por consequências que explica seu surgimento, sua manutenção, extinção ou mudança. Se o objetivo de uma intervenção analítico -comportamental é rea- lizar qualquer uma dessas coisas, não há esca- patória: é preciso atuar sobre a interação en- tre variação e seleção, a qual explica e permite em algum grau prever e controlar um reper- tório comportamental.

É fácil (porém arriscado) ficar perplexo com a complexidade de um comportamento e sua aparente independência do ambiente. O atendimento clínico a adultos com desen- volvimento típico pode ser uma situação fa- vorável a esses problemas, já que o repertório do cliente é derivado de uma (ou três) longa(s) história(s) (filogenética, ontogenética e cultu- ral) a que o clínico não tem acesso direto. Para lidar com tal complexidade é fundamen- tal ter clareza das sutilezas temporais dos pro- cessos de seleção por consequências. Os efei- tos da seleção são sempre atrasados. Se não acompanharmos o processo (temporalmente espaçado) de seleção, tendemos facilmente a inventar pseudoexplicações para o comporta- mento. Skinner (1981/2007, 1984) sugeriu que essa dificuldade, inclusive, poderia ex- plicar o aparecimento tardio deste modelo de causalidade na história da ciência e a difi- culdade de aceitá -lo. No entanto, ele mesmo adverte: “Enquanto nos apegarmos à con- cepção de que uma pessoa é um executor, um agente ou um causador inicial do com- portamento, continuaremos provavelmente a negligenciar as condições que devem ser modificadas para que possamos resolver nos- sos problemas”. (Skinner, 1981/2007, p. 137). Assim, o clínico analítico -comporta- mental deve analisar, juntamente com o cliente, as relações entre o que ele faz, pensa ou sente e as contingências envolvidas nestes comportamentos.

> Notas

1. Um terceiro processo, algumas vezes tomado como um subprocesso da seleção, é a retenção. Na evolu- ção biológica, o processo de retenção se dá no nível genético. Este processo não será discutido aqui por- que alongaria demasiadamente o texto.

2. Skinner (1935, 1938) utilizou o termo classe para tratar deste conjunto. Glenn (2003, 2004), fazendo analogia com a biologia, propôs o termo linhagem. No livro, o termo está sendo tratado como classe por se tratar do termo mais difundido na área.

3. Ainda no nível ontogenético, o condicionamento respondente explica a formação de reflexos condi- cionados. A sensibilidade aprendida a reforçadores, ou seja, o estabelecimento de reforçadores condicio- nados, é também produto de seleção ontogenética e envolve, além do processo de reforçamento, possi- velmente processos análogos ao condicionamento respondente.

> RefeRêNcias

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> aNálise do compoRtameNto:

poR que as pessoas fazem o