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populacioNais e HistóRicas e suas implicações paRa a

clíNica aNalítico­

­compoRtameNtal

A principal unidade de análise na evolução biológica é a espécie, definida como uma po- pulação de organismos capazes de se repro- duzir entre si (incluindo seus ancestrais já falecidos). Assim, por exemplo, a espécie humana é composta por todas as pessoas vi- vas hoje que podem gerar descendentes fér- teis e também por seus pais, avôs, bisavôs, etc. – e incorporará também as pessoas que nascerem futuramente (filhos, netos, bisne- tos, etc.) e que possam gerar descendentes férteis.

Na evolução comportamental, que se dá sempre no âmbito da vida de um único in- divíduo, a principal unidade de análise é o

operante, definido como uma população de

respostas individuais que produzem (ou pro- duziram) certa consequência.2 O operante “ir

para casa”, que é parte do repertório de Paula,

O modelo de seleção por consequências difere marcada‑ mente de modelos mecanicistas por não enfatizar ou supor que eventos unitários, temporal‑ mente anteriores e imediatamente próximos causariam outros eventos considerados seus efeitos necessários. Comportamento é um fenômeno de múltiplas causas e essas causas são construções históri‑ cas de inter ‑relações entre organismo e ambiente.

por exemplo, é composto por todas as respos- tas de Paula que produzem a chegada em casa (incluindo ir a pé, de ônibus, de bicicleta, etc.), e que ocorreram semana passada ou hoje – e incorporará também aquelas respos- tas que ocorrerão no futuro e que possam produzir a mesma consequência.

Tanto na evo- lução biológica quan- to na comportamen- tal, portanto, as uni- dades com as quais tratamos são entida- des fluidas e evanes- centes, não são coisas que podem ser imo- bilizadas. Envolvem eventos que se distribuem no tempo e no es- paço; envolvem organismos e respostas que já existiram no passado em diferentes locais, que existem momentaneamente, nesse exato instante e local, e que ocorrerão também no futuro. Além disso, são unidades que se mis- turam e recorrem em meio a outras unidades de natureza semelhante (outras espécies e operantes).

Utilizando o modelo de seleção por consequências, desta forma, descrevemos o processo de origem e as mudanças de unida- des (populações) compostas por instâncias singulares que se distribuem no tempo e no espaço (históricas): as espécies, no caso da evolução biológica, e os operantes, no caso da evolução comportamental ao longo da vida de uma pessoa. E se no caso da evolução biológica sua expli- cação envolve enten- der o processo de va- riação genética e se- leção ambiental que Darwin chamou de seleção natural, no caso do comportamento operante sua compreensão depende de enten- dermos como respostas individuais variam e

como conjuntos de respostas são selecio- nados através do pro- cesso de reforçamen- to, o processo básico de seleção comporta- mental.

Essa ênfase em unidades populacio-

nais e históricas, característica do modelo de seleção por consequências, é fundamental também na atuação do clínico que, afinal, lida com operantes (e respondentes) na clíni- ca analítico -com por ta mental. O “ciúme do- entio” de Paula só poderá ser adequadamente “trabalhado” na clínica se diversas instâncias ao longo do tempo e do espaço (respostas particulares) forem analisadas e se as conse- quências produzidas por tais instâncias forem identificadas. Também, “o ciúme” de Paula não pode ser tomado como uma entidade em si mesma, mas deve ser encarado como inte- ração que se constituiu no curso das intera- ções dela, e que ocorre hoje e tenderá a conti- nuar ocorrendo, caso o ambiente seleciona- dor não mude, porque foi selecionado pelas consequências que produziu. Mais ainda, foi selecionado já como interação que envolve as ações de Paula e suas consequências selecio- nadoras e mantenedoras.

É esse enfoque que permitirá ao clínico analítico -comportamental, por exemplo, ter confiança de que é possível promover a sele- ção de comportamento operante através de estratégias de intervenção baseadas no pro- cesso de reforço diferencial.

Por outro lado, tal enfoque pode pare- cer pouco útil, uma vez que só permitiria tra- tar de eventos considerados como unidades múltiplas e extensas no tempo. Como expli- car, prever e (talvez, principalmente, no caso da clínica) controlar instâncias particulares de comportamento, isto é, respostas que ocorrem em um momento e local específicos? Tal pergunta é frequentemente a per gun ta-

As unidades [com‑ portamentais] com que tratamos são entidades fluidas e evanescentes, não são coisas que podem ser imobi‑ lizadas. Envolvem eventos que se distribuem no tempo e no espaço. O modelo de Seleção por Consequências descreve o processo de origem e de mu‑ danças dos padrões comportamentais no tempo e no espaço, na história. A compreensão do comportamento ope‑ rante depende de entendermos como respostas individuais variam e como con‑ juntos de respostas são selecionados através do processo de reforçamento.

-chave para um clínico, mas a resposta a ela envolve tratar de outro papel que eventos am- bientais exercem em relação aos eventos com- portamentais.Tal pergunta também pode ser respondida sem deixar o âmbito do modelo de seleção por consequências. Pelo contrário, é esse modelo exatamente que permite que a respondamos de maneira a dar sustentação conceitual e ferramentas de atuação ao analis- ta do comportamento.

Na evolução de operantes, o ambien- te tem um papel sele‑

cionador. As conse-

quências ambientais (estímulos reforçado- res) selecionam clas- ses (populações) de respostas com certas características, isto é, tornam as classes mais prováveis em certas circunstâncias. Na ocorrência de res- postas particulares de um operante já instalado/selecionado, contu- do, o ambiente tem um papel instanciador. Isto é, o ambiente torna manifesta uma unida- de operante que já foi selecionada, ou melhor, o ambiente evoca uma instância de comporta- mento. Essa é a função dos eventos ambientais antecedentes (estímulos dis cri mi na tivos, estí- mulos condicionais e operações motivadoras) sobre uma resposta (Andery e Sério, 2001; Glenn e Field, 1994; Michael, 1983).

Mesmo “sabendo como” jogar futebol, isto é, mesmo que tal operante já tenha sido selecionado por suas consequências, Rodrigo não joga futebol a qualquer hora. Ele emite a resposta de jogar futebol (tal instância é evo- cada) apenas quando algum colega o convida. O convite do colega não é um evento am- biental selecionador, mas sim um evento ins- tanciador, um evento que torna manifesta a unidade selecionada “jogar futebol”.

Ou seja, se o foco de uma intervenção for a ocorrência de instâncias particulares, pode ser suficiente re-

arranjar aqueles even- tos ambientais que têm função instancia- dora com relação ao repertório com porta- men tal do cliente. Por exemplo, se o foco de uma inter- venção for fazer com que Rodrigo jogue

mais futebol, pode ser suficiente incentivar os colegas a convidá -lo mais. Caso o foco seja a criação (ou extinção) ou a mudança de ope- rantes, por sua vez, eventos ambientais terão que assumir novas funções – através do papel selecionador do ambiente.

É importante destacar que esta dis- tinção entre funções do ambiente chama- das selecionadoras e instanciadoras é ela

mesma possível apenas à luz do modelo de se- leção por consequências. Ou seja, as funções instanciadoras do ambiente são elas mesmas selecionadas na história de reforçamento ope- rante. Apenas quando algum colega convi- dou Rodrigo, no passado, o “jogar futebol” teve como consequência de fato realizar a partida, marcar gols e interagir com os cole- gas, e foram experiências como essa que tor- naram os convites dos colegas eventos que agora evocam respostas desta classe em Ro- drigo (Glenn e Field, 1994).

Essa distinção permitiria afirmar que a intervenção analítico -comportamental pode ter dois “níveis”: em certos momentos, a meta é a seleção de comportamentos, e, em outros, a meta é promover a instanciação (ou mu- danças na instanciação) de operantes. Dito de outro modo, esses “níveis” de intervenção se relacionariam a uma regra prática destacada

O ambiente exerce, pelo menos, duas funções em relação aos comportamentos operantes: selecio‑ nador e instanciador. Selecionador atra‑ vés das consequên‑ cias que selecionam classes de respostas com certas caracte‑ rísticas, tornando ‑as mais prováveis.

Instanciador evo‑ cando determinada classe de respostas através dos estímu‑ los antecedentes.

Se o foco de uma intervenção for a ocorrência de ins‑ tâncias particulares, pode ser suficiente rearranjar aqueles eventos ambientais que têm função instanciadora com relação ao repertório comportamental do cliente. As funções instan‑ ciadoras do ambien‑ te são elas mesmas selecionadas na história de reforça‑ mento operante.

por Glenn e Field (1994): “Descubra se a pessoa sabe o que fazer e como fazê -lo, mas não o faz; ou se ela não sabe o que fa- zer ou não sabe como fazê -lo” (p. 256). Es- ses diferentes objeti- vos implicarão pa- péis diferentes do ambiente que preci- sarão ser alterados na intervenção.

> a multideteRmiNação

do compoRtameNto

HumaNo e suas

implicações paRa a clíNica