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2 INTEGRAÇÃO REGIONAL: ESTADOS E TERRITÓRIOS

2.3 ESTADO SOBERANO: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES

2.3.3 O Estado como fator de segurança

Thomas Hobbes (1651) fez isso, invocando três razões para os conflitos e as discórdias: primeiro, a competição, que leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defendê-los; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a sua pessoa,

quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome (HOBBES, 1979, p.74). Na busca da glória, e não da riqueza, reside a maior causa dos conflitos. No estado da natureza em que vivem os homens, cada homem tem o direito de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, a sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim.

Prevalece assim o direito de natureza ou jus naturale e, como no estado de natureza, o homem é o lobo do homem, estabelece-se o poder do mais forte. O clima que se cria é de insegurança, pois o estado permanente dos homens é o estado de guerra, onde todos lutam contra todos. Para por termo a esses conflitos e à insegurança em que vivem, os homens firmam um pacto, estabelecendo regras de convívio social e de subordinação política. Diz Hobbes que “as leis não foram inventadas para reprimir a iniciativa individual, mas tendo em vista discipliná-la, do mesmo modo como a natureza dispôs as margens dos rios não para estancar o seu curso, mas para dirigi-lo” (HOBBES, 1979, p. 15).

E nesse pacto reside a origem do Estado e/ou da sociedade política, pois, antes, os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização. O contrato corresponde, portanto, à criação das regras do jogo no sentido de se organizar a sociedade mediante instituições que ordenem as relações humanas nas suas diversas dimensões: sociais, econômicas e políticas. O Estado é algo construído intencionalmente, e o cidadão, um produto artificial dessa construção política. Mas, para Hobbes, a base institucional (fundamento jurídico) é insuficiente para dotar de poder o Estado; os homens têm que temer o poder estatal, por isso, é preciso que exista o Estado equipado da espada, armado, para coagir os homens ao respeito. A imagem do Leviatã sintetiza essa concepção, em que o “monstro” é representado por um homem gigantesco (com a coroa na cabeça e, nas duas mãos, a espada e o báculo, símbolos dos dois poderes), cujo corpo é composto de vários homens pequenos. O Estado hobbesiano não é concebido, portanto, como uma família ampliada, mas como um grande indivíduo, do qual são partes indissociáveis os pequenos indivíduos que lhe dão vida.

No Estado hobbesiano a igualdade corresponde ao direito de que os homens são iguais e podem querer a mesma coisa e, por isso, todos vivem em intensa competição; já a liberdade corresponde a situação em que o homem livre é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer (HOBBES, 1979, p. 130). Na contratualização de Hobbes, o indivíduo abre mão de seu direito de natureza de fazer guerra contra todos, delegando-o ao soberano, que significa que abriu

mão do direito de proteger sua própria vida, esperando que o Estado lhe garanta essa proteção. Afinal, a vida humana, sem a proteção de um poder político forte e soberano, é sempre “solitária, pobre, grosseira, brutal e breve” (HOBBES, 1979).

Significa que Hobbes rejeitou completamente a tradição medieval da sociedade dividida em três estamentos: o clero, a nobreza e os plebeus, concepção em parte explicada por que ele viveu em um período (1588-1679) em que o absolutismo atingira o apogeu, e encontrava-se em vias de ser ultrapassado, enfrentando inúmeros movimentos de oposição baseados em ideias liberais. Se na primeira fase (Inglaterra de Isabel e França de Luis XIV) o absolutismo favorece a economia mercantilista, pois as indústrias nascentes são protegidas pelo governo, já na segunda fase o desenvolvimento do capitalismo comercial repudia o intervencionismo estatal, uma vez que a burguesia ascendente agora aspira à economia livre.

Retornando à visão hobbesiana, para ele o povo é uma massa uniforme, reunida em determinado território pela força do poder soberano, que é indivisível, e, por consequência, rechaça-se a ideia de governo ótimo como sendo aquele em que o poder soberano está distribuído entre os órgãos diversos em colaboração entre si; mas reconhece, ao mesmo tempo, que os súditos são livres para fazer tudo aquilo que o soberano não proibiu, e o primeiro exemplo que vem à mente de Hobbes são “a liberdade de comprar e vender e de fazer outros contratos um com o outro”.

Por essas razões, o contrato hobbesiano pode ser entendido como instrumento de defesa da ideologia capitalista, ao defender o princípio de que o cuidado em proteger o interesse privado promove o interesse público (HOBBES, 1979). Nesse ponto reside um aspecto que colide frontalmente com o modelo de civilização greco-romana: a verdadeira liberdade do cidadão não existe no plano político, mas unicamente na vida privada. Comparato (2006, p. 200) assinala que o Estado autocrático de Hobbes serviu, admiravelmente, para o funcionamento a pleno vapor do sistema capitalista, sobretudo nos países asiáticos, africanos e latinos americanos, submergidos pela vaga imperialista no último quartel do século XIX, que tem os seguintes elementos fundamentais: a) a segurança e a paz como valores supremos; b) a relação política é sempre de soberano a súdito; c) a fundação do positivismo jurídico.

Hobbes condenava a existência dos partidos políticos porque interpretava que eles acabavam por ser um “um Estado no Estado” (HOBBES, 1979, p. 13) e, para ele, o Estado ou é único e unitário ou não é um Estado. No cap. XXIX, do Leviatã, Hobbes afasta a possibilidade de convivência entre o Estado e corporações em grande número, pois elas “são

como vários Estados menores nas entranhas de um maior, semelhantes a vermes no intestino de um homem natural”. Para Hobbes, assim como para Locke e Rousseau era impensável a existência de sociedades parciais ou de associações como entes jurídicos existentes no seio do Estado; a segurança dos súditos, que é o fim supremo do Estado, e, portanto, da instituição do poder político, implica na necessidade que alguém, não importa se pessoa física ou assembleia, “detenha legitimamente no Estado o sumo poder” (HOBBES, 1762, apud BOBBIO, 2011, p. 88).