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2 INTEGRAÇÃO REGIONAL: ESTADOS E TERRITÓRIOS

2.2 O CONCEITO DE REGIME INTERNACIONAL E A INTEGRAÇÃO REGIONAL

2.2.5 Sub-regiões, regimes internacionais e integração regional

Diante de tal quadro muitas perguntas poderiam ser feitas. Será que União Aduaneira tipo a do MERCOSUL, considerando a adesão da Venezuela ao bloco, é instrumento adequado para se promover a integração transfronteiriça de realidades tão assimétricas nas dimensões econômicas e políticas como são o Norte do Brasil e o Sul da Venezuela? Em tal cenário, as experiências anteriores mal-sucedidas suscitam a hipótese de que a América Latina não consegue se comportar comunitariamente rumo à sua integração econômica. A postura estatocêntrica no contexto da globalização, centralizado no governo nacional, é o fator principal desses baixos níveis de integração econômica regional transnacional? Existem novos territórios de integração em construção, que vão desde o nível subnacional, passando pelo transfronteiriço, para chegar à conformação de territórios regionais transnacionais ou macrorregionais sul-americanos? A integração do Norte do Brasil ao Sul da Venezuela, mais especificamente no Corredor Amazonas-Roraima-Bolívar/Orenoco constitui passo estratégico para a integração da América do Sul? A reformulação do processo de integração regional sul- americana supõe a construção de territórios subnacionais e transfronteiriços, a criação de territórios transnacionais ou macrorregionais através da formação da Comunidade Sul Americana de Nações (CSN) ou União de Nações Sul Americanas (UNASUL)?

A análise parte da hipótese de que o cenário regional em estudo apresenta frágil interdependência econômica, em especial na sub-região que abriga os territórios do Norte do Brasil e o Sul da Venezuela, no recorte espacial denominado Corredor Amazonas/Roraima- Bolívar/Orenoco, emoldurado por déficit institucional de integração transfronteiriça e por déficits de infraestrutura e logística. Dito de outro modo, as fontes dessas dificuldades de integração transfronteiriça Brasil-Venezuela residem no baixo grau de interdependência econômica geral entre os dois países e pela ausência de adequada base institucional de estímulos à integração regional.

Os indicadores em questão se agravam nas relações fronteiriças e transfronteiriças, em especial no recorte espacial do Corredor Amazonas-Roraima-Bolívar/Orenoco, apesar de existirem segmentos de atividades econômicas complementares, associadas aos déficits institucionais de integração transfronteiriça, de responsabilidade dos Estados nacionais. Efetivamente os esforços de integração dos territórios nacionais brasileiros e venezuelanos privilegiaram a integração dos seus territórios domésticos aos respectivos centros sub- regionais (Belém, Manaus, Bolívar) e nacionais (São Paulo, Rio de Janeiro, Caracas) e destes

com os centros internacionais (Nova Iorque, Londres, Pequim e outros). Portanto, o que se propõe aqui não é o argumento de que os governos da região teriam eventualmente se equivocado na formulação e implementação de políticas em concordância com os movimentos da ordem econômica internacional, mas sim o fato de que nas estratégias postas em prática a questão regional foi sempre preocupação marginal, bem secundária.

Apesar das relações entre diferentes regiões serem tão antigas quanto a Guerra do Peloponeso (TUCÍDIDES, c.460 – c.400 a.C), envolvendo defesa, conquista e expansão territorial, a guerra e a paz, o interesse da presente abordagem reside na análise de alguns aspectos do principal resultado político da revolução capitalista: o Estado-nação transplantado pelos europeus para o resto do mundo, tendo por recortes no âmbito regional o Brasil e a Venezuela e no sub-regional o corredor Amazonas-Roraima-Bolívar/Orenoco.

Trata-se da organização política detentora do monopólio da violência legítima, que tem poderes dentro de suas fronteiras, para construir, modificar e/ou destruir territórios; e, nas suas relações internacionais, pode promover a guerra, mas também pode cooperar e construir edifícios institucionais como a União Europeia, o Sistema de Bretton Woods, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte – NAFTA, o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL e a Organização das Nações Unidas (ONU). O que há de comum nesses quatro exemplos é que todos constituem instituições, geradas e financiadas pelos Estados nacionais, ficando implícito que essas organizações não têm poderes para impor aos cidadãos instrumentos de arrecadação de recursos, como impostos e taxas obrigatórias.

E como entram nesse contexto, as questões sub-regionais? Esse ponto revela-se crítico exatamente por isso: a teoria incorpora os entes “nacionais” e “regionais”, logo os atributos e funções subnacionais e sub-regionais obedecem à lógica e aos atributos dos “entes” principais.

Nos casos da Amazônia brasileira e da faixa do Orenoco tratam-se de territórios que, em larga medida, permaneceram por longo tempo fora das estratégias de integração política e econômica, tanto nacionais, quanto regionais. Teoricamente é possível organizar as razões geralmente apontadas pelos estudiosos para esse alheamento por meio da estrutura analítica oferecida pela abordagem dos regimes internacionais, pois, em sentido amplo, a integração não deixa de ser processo de criação de regimes. Com efeito, quer do ponto de vista da integração entre os países da Região quanto desta com a realidade global, o estabelecimento de normas e instituições implica a intensificação das transações econômicas e políticas.

De acordo com a teoria corrente, os regimes internacionais podem se formar ou se transformar movidos por forças espontâneas oriundas da sociedade ou por forças intencionalmente postas em ação por governos que enxergam objetivos estratégicos na formação de regimes que integrem a economia e a política de seus países entre si ou com a realidade global. A história aponta que nos processos de integração mais bem sucedidos as duas forças operam reforçando-se mutuamente (YOUNG, 1981, p. 51). Por exemplo, a história da União Europeia mostra que tanto a integração regional quanto a integração dos países que a compõem em relação à economia e à política em escala mundial constitui processo, ao mesmo tempo, espontâneo e induzido pela ação de governantes. O lado espontâneo do processo data de séculos onde a geografia fez com que a interação entre os estados organizados fosse cada vez mais intensa desde os tempos medievais. Simultaneamente à ocorrência de conflitos entre governantes ou corpos políticos estatais, os mercadores construíam rotas e arranjos para organizar suas atividades de troca, principalmente porque nas épocas de guerras são indispensáveis a produção e comercialização de armas e seus suprimentos, além da necessidade de se manter a produção e comercialização de produtos básicos como alimentos, vestuários, habitação e transportes.

O lado intencional e institucional do processo de integração tornou-se mais visível e sistemático depois da segunda guerra mundial, quando foram moldados seus contornos atuais e as principais instituições regionais. Na realidade Young (1986) distingue três tipos de ordem ou regimes internacionais: a ordem espontânea, a negociada e a imposta. A espontânea seria aquela onde a convivência faz com que surjam regras e padrões sem que haja a intervenção deliberada de ações conscientes voltadas para o estabelecimento de mecanismos de coordenação entre os indivíduos e grupos.

A ordem ou regime espontâneo, portanto, emerge de circunstancias naturais existentes em determinado espaço físico e que condicionam a convivência. Esse processo, no entanto, não tem sido objeto de muita análise. A sociobiologia e a psicologia social desenvolveram alguns estudos voltados para a compreensão do processo, mas mostraram também que a racionalidade individual e o comportamento voltado para a defesa de interesses podem influenciar apenas de forma limitada a formação de padrões de convivência.25 De qualquer maneira, no caso do presente trabalho, o fato é que na Amazônia, o fator natural e espontâneo

25 A esse respeito Young (1989) recomenda as discussões conduzidas por três autores: Friederich Hayek, em

Rules and Order (vol 1 de Law, Legislation, and Liberty, Chicago Univ. Press, 1973); Thomas Schelling em Micromotives and macrobehavior (W. W. Norton & Co, 1978); Edward O. Wilson em Sociobiology: The New Synthesis (Harvard Univ. Press, 1975).

obviamente opera negativamente ao processo de integração e as razões são várias. Na Região, contrariamente ao que ocorreu na maior parte da Europa, a população apresenta-se rarefeita e as comunicações são precárias e dispendiosas dificultando a formação de mercados suficientemente dinâmicos para constituírem elementos indutores do estabelecimento de convenções e de instituições locais.

Nesse quadro, faz pouco sentido discutir a possibilidade de se construir uma ordem negociada. A existência de processo formal ou informal de negociação depende da existência de certo nível significativo de interação. Há séculos, a formação da Liga Hanseática, unindo mais de duas centenas de cidades na Europa seguiu basicamente o eixo de maior densidade de atividade econômica e de trocas.26 De todo modo, muitas regras e padrões emergiram da Europa na esteira de conflitos e processos de negociação envolvendo o estabelecimento de rotas comerciais, liberdade de navegação, uso de moedas e autorização para a realização de feiras comerciais.

No caso da América do Sul, especialmente na região amazônica, referido desenvolvimento econômico não ocorreu, ou ocorreu de maneira esparsa e incipiente, sem a densidade suficiente para que se aventasse a necessidade de se estabelecer regimes de qualquer natureza. De todo modo, no período colonial prevaleceu no comércio o regime do exclusivo comercial, onde tanto nas colônias espanholas, quanto na portuguesa, as atividades de comércio eram monopólios das respectivas coroas europeias, ou seja, a intervenção do Estado era absoluta. No período imperial brasileiro e nos cem primeiros anos de formação dos Estados nacionais sul-americanos, principalmente no que se refere a Brasil e Venezuela, vigorou o regime de comércio internacional inglês, período em que houve forte pressão internacional para a abertura do rio Amazonas à navegação internacional, o que acabou ocorrendo em 1866. Trata-se do período relativo ao ciclo da borracha (1850-1920) que enfeixa elementos que o caracterizam como relação comercial internacional criada sob regime espontâneo, no sentido de ter nascido sob a indução direta da demanda internacional e funcionado com base nos mecanismos de mercado, sem a intervenção direta do Estado nacional mediante a utilização de instrumentos de política cambial, fiscal e monetária visando incentivar tanto a demanda, quanto a oferta de borracha, atrelada esta ao extrativismo.

26 O Institut d’Éstudes Politiques de Paris (Science Po) possui um grande programa de cartografia econômica,

política e social e um acervo de mapas que mostram a evolução do eixo da atividade econômica na Europa desde a Idade Média. O dinamismo das rotas de comércio é discutido em detalhes em “Before European hegemony: the world system A.D. 1250-1350, Partes 1250-1350” por Abu-Lughod (1989).

Na Amazônia, compreendendo o Norte do Brasil e suas fronteiras com o Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname, as propostas de integração dos Estados nacionais têm ocorrido em três dimensões:

a) como políticas nacionais de desenvolvimento regional do subespaço amazônico de seu território nacional; nesse caso trata-se de política de intervenção do Estado nacional que pode levar em consideração ou não os interesses do Estado vizinho;

b) como políticas bilaterais de cooperação nas fronteiras, que normalmente enfatizam as questões de segurança e defesa, voltadas para o estabelecimento de medidas de controle de fluxos de pessoas e de mercadorias nas normalmente precárias vias de acesso (aeroportos, rodovias ou rios); nas relações Brasil e Venezuela mais recentes, o Protocolo de La Gusmania (1994) se inscreve como um dos mais importantes instrumentos de cooperação bilateral entre os dois países, sob o enfoque dos interesses fronteiriços;

c) ações conjuntas dos Estados nacionais em ações multilaterais. O exame mesmo que superficial do quadro institucional como conjunto de políticas, de organizações e de formulações de intervenções coordenadas dos Estados nacionais que formam a Amazônia revela a existência de imenso déficit de cooperação internacional multilateral, cuja cesta institucional se restringe ao Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e à IIRSA.

A rigor, a institucionalidade do regionalismo da Amazônia se circunscreve ao Tratado de Cooperação Amazônica – TCA (1978) e à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA (1997). As formulações e propostas de desenvolvimento regional enquanto conjunto de países operando de forma articulada e sincronizada para a Amazônia se esgota no TCA, cuja organização ocorreu de fato vinte anos após ser firmado. Além disso, o nível de efetividade desses arranjos é muito baixo. A OTCA até o momento não conseguiu se estruturar em bases permanentes e seguras por absoluta insuficiência de recursos materiais e financeiros que, de certo modo, reflete o nível de interesse dos Estados-membros na cooperação regional.

Essa quase inexistência de base institucional de caráter multilateral orientada e focada na Amazônia não significa inexistência de políticas de desenvolvimento regional sul- americana. Significa que os Estados nacionais sul-americanos que a possuem tratam-na quase que exclusivamente como parte de questões nacionais mais amplas, como revelam os investimentos previstos nos programas da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana - IIRSA. Para o Mercado Comum do Sul - MERCOSUL, a Amazônia e todas as questões sub-regionais são virtualmente invisíveis. A União de Nações

Sul Americanas - UNASUL incorporou a gestão da IIRSA, e seus dez Eixos de Integração e Desenvolvimento – EIDs, dentre os quais o Eixo Amazonas e o Eixo do Escudo Guianês que estruturam as ações de integração regional ao longo do Corredor Amazonas-Roraima- Bolívar/Orenoco.

A rigor, as instituições que resultam por influenciar decisivamente a Amazônia são aquelas criadas pelas organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Essas Organizações Internacionais operam com base nos regimes internacionais em vigor, sendo de maior visibilidade e importância os que dizem respeito à proteção dos direitos humanos e à defesa do meio ambiente, que adquiriram real importância política a partir da Conferência da ONU realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92 ou RIO-92) e as questões relativas à promoção do crescimento econômico regional.