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2 INTEGRAÇÃO REGIONAL: ESTADOS E TERRITÓRIOS

2.2 O CONCEITO DE REGIME INTERNACIONAL E A INTEGRAÇÃO REGIONAL

2.2.3 Formas de integração regional

Para estimular a integração regional os Estados nacionais europeus estabelecem política comercial geograficamente discriminatória, que constitui a característica definidora dos acordos de integração regional. Mais especificamente, a integração econômica procede por acordos para abolir tarifas e cotas de importação entre os países-membros; para estabelecer tarifas externas comuns e quotas; permitir a livre circulação de bens, serviços e trabalhadores; harmonizar regras e normas sobre competição e políticas fiscal, monetária e social; para unificar as políticas econômicas e estabelecer instituições supranacionais.

Dentro desse quadro de possibilidades formais de políticas públicas, combinadas com ações de mercado, os sul americanos tem ensaiado a busca do caminho da integração regional. As pesquisas disponíveis mostram que as iniciativas sul americana são de natureza essencialmente estatal. No geral, suas atenções se direcionam para a formação de infraestrutura de apoio das atividades econômicas primárias de produção, direcionadas para os

mercados internacionais, com surtos modernizantes focados na industrialização, liderados por Brasil e Argentina.

Com efeito, o regionalismo20 que entrou na moda na década de 1990 na América do Sul, na concepção da Comissão para Estudos da América Latina e Caribe (CEPAL) enfeixa essa característica. Ou seja, corresponde à prática governamental de oferecer políticas de integração como resposta a:

“[...] um processo de crescente interdependência econômica em âmbito regional, impulsionado tanto por acordos preferenciais de integração como por outras políticas em um contexto de abertura e desregulamentação, com o objetivo de aumentar a competitividade dos países da região” (CEPAL, 1994, p. 9).

De forma diferente, Fernandéz descreve as vantagens não tradicionais do regionalismo, que se referem às vantagens não compatíveis com modelos econômicos tradicionais, argumentando que acordos de comércio regionais possibilitam a redução de incertezas, contribuindo para elevar a credibilidade e sinalizar, por um lado, determinada trajetória de liberalização; e, por outro, por permitir horizontes políticos e econômicos estáveis e atraentes para investimentos, inclusive estrangeiros diretos. Trata-se de trajetória e horizonte que não apenas favoreceriam, mas seriam pré-requisitos para a liberalização ampla (FERNANDÉZ21, 1997, p. 30, apud SABBATINI, 2001, p. 34). Para Krugman, o regionalismo não é apenas uma etapa mais eficaz de liberalização, mas é a única opção nesse sentido:

"(...) por uma série de razões, a capacidade para se empreender uma solução cooperativa em nível multilateral está em declínio, enquanto em nível regional permanece razoavelmente forte" (KRUGMAN22, 1993, p.75 apud SABBATINI, 2001, p. 34).

Em tais circunstâncias, os acordos comerciais multilaterais23 cederam lugar aos arranjos de formação de blocos regionais de comércio, situação em que os Estados nacionais reduzem e eliminam tarifas, removendo as discriminações estatais sobre o fluxo do comércio entre os países que formam a região aduaneira, objeto do processo de integração. A priorização da cooperação e da integração regional, deixando em segundo plano os acordos

20 Processo no qual as economias nacionais se fundem, eliminando gradualmente as barreiras econômicas entre

si, com o propósito de incrementar seus fluxos comerciais e elevar seus padrões de bem-estar.

21 FERNANDÉZ, R. (1997). Returns to regionalism: an evaluation of nontraditional gains from regional trade

agreements. Washington: World Bank. Policy Research Working Paper, n.1816. 34p.

22 KRUGMAN, P. (1993). Regionalism versus multilateralism: analytical notes. In: MELO, J . E

PANAGARIYA, A. New d i m e n s i o n s in r e g i o n a l i n t e g r a t i o n. Cambridge: Cambridge University Press. p.58-79.

23 Sistemática de comércio internacional viabilizada por intermédio das rodadas de negociações no âmbito do

GATT e, posteriormente da OMC, que propiciou uma expressiva liberalização comercial após a 2ª Guerra Mundial tendo nas reduções tarifárias multilaterais seu principal instrumento.

multilaterais de comércio, tem provocado questionamentos a respeito dos possíveis efeitos que acordos deste tipo trazem para a região e para o resto do mundo; até mesmo porque sobre tais arranjos sempre paira o argumento de Viner quanto ao temor dos partidários do livre- comércio de que o desvio de comércio prevaleça em relação à geração de mais comércio.

A crescente proliferação de Áreas de Livre Comércio e de Uniões Aduaneiras, ou seja, de países que se agrupam em regiões ou blocos comerciais (cooperação e integração) corresponde, na essência, à herança de características e de práticas do sistema econômico internacional que se desenvolveu na modernidade mais recente. Referidos arranjos políticos e econômicos resultaram em organizações e sistemas regionais tais como a União Europeia (UE), a Área de Livre Comércio Norte Americana (NAFTA), a Área de Livre Comércio da Ásia, a União Africana, a Comunidade do Caribe (CARICOM), o Mercado Comum Centro Americano (MCCA), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a União das Nações Sul Americanas (UNASUL).

No caso da UNASUL, revela-se interessante a evidência de que a idéia de América do Sul é algo recente, ação reativa ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement - NAFTA), de 1992, percebido como ameaça aos interesses brasileiros. Simultaneamente, a adesão do México ao NAFTA sepultou a idéia de América Latina, fortalecendo a proposta de criação da UNASUL e da identidade sul americana. Afinal de contas, a ALALC e a ALADI têm caráter latino-americano, enquanto a Comunidade Andina das Nações – CAN e a OTCA são de caráter sub-regional. Forjar a identidade regional sul americana representa, portanto, desafio imenso, no sentido de que, por exemplo, apesar de a Amazônia se situar no coração da América do Sul, o amazônida não se via e não se vê com identidade política sul americana.

A experiência histórica de referência certamente é a União Européia e os experimentos colocados em marcha desde 1960 na própria América Latina. O referencial teórico básico para se compreender os arranjos institucionais aponta na direção da tipologia de Balassa (1974) quanto às formas de integração econômica cujo processo se apresenta em graus diversos que são os seguintes:

1. Área ou Zona de Livre Comércio (ALC/ZLC): Abolição ou ausência de tarifas (e das restrições quantitativas) entre os países participantes as ALC, porém cada país mantém suas próprias tarifas e restrições frente aos países não pertencentes a ALC. Há liberdade de produtos em geral, mas cada país pode seguir uma política comercial própria em relação ao exterior. Trata-se de integração simples por meio de um acordo para aplicar um tratamento preferencial simétrico das importações e atribuir funções de apoio e instrumentos geridos em conjunto pelas organizações.

2. União Aduaneira ou Alfandegária (UA): É um passo adiante em relação à ZLC/ALC, pois estabelece tarifas externas comuns para produtos importados de

terceiros países, isto é, que não pertencem a ALC. A política comercial deve ser comum: pauta única em face do exterior e na negociação conjunta de qualquer acordo com outros países.

3. Mercado Comum (MC): É um passo além da união aduaneira. Estabelece a liberdade dos fatores (trabalho e capital) e implica maior coordenação das políticas macroeconômicas, além da harmonização das legislações nacionais (trabalhista, previdenciária, tributária, etc.). Este poderia ser o caso na área da migração de trabalhadores, política de concorrência e padrões de produção. Um exemplo dessa harmonização é o Ato Único Europeu. Entre outras disposições, esse ato aplicou o "princípio do reconhecimento mútuo" aos padrões do produto. Mais instituições de cooperação e supranacionais, como um tribunal comum sobre a política de concorrência, são também característica desse nível de integração.

4. União Econômica (UE): Combina a supressão de restrições ao movimento de mercadorias e fatores, com certo grau de harmonização das políticas econômicas nacionais, com o objetivo de eliminar a discriminação resultante das disparidades de ditas políticas.

5. Integração Econômica Total: pressupõe a unificação das políticas monetária, fiscal, social e anticíclica, além de requerer o estabelecimento de uma autoridade supranacional, cujas decisões sejam obrigatórias para os Estados membros24. Requer moeda única e Banco Central único para os países do bloco. O seu funcionamento efetivo tem como premissas a existência de níveis compatíveis de inflação, de déficit público e de taxa de juros; as taxas de câmbio se tornam fixas entre esses países. (BALASSA, 1974, p. 2).

Há outra possibilidade de classificação da integração regional que é por tipo: integração comercial; integração do mercado de trabalho; integração do mercado de capitais; integração de cadeias produtivas; integração monetária; e integração das atividades do governo e regulação ou cooperação.

Dentro de tal referencial básico da Área ou Zona de Livre Comércio (ALC/ZLC), os países da América Latina experimentaram em 1960 a criação da Associação Latino- Americana de Livre Comércio (ALALC). A iniciativa não prosperou por enfrentar ao longo das décadas seguintes, imensos obstáculos substantivos associados ao não reconhecimento pela ALALC das assimetrias entre os países e suas sub-regiões; ao afastamento do processo de Chile, Colômbia, Bolívia, Peru e Equador, países andinos, voltados para o Pacífico; a existência de baixa complementaridade entre as economias dos países da região, refletindo escassos níveis de interdependência e de linkagens das cadeias produtivas regionais, essencialmente de produtos primários; precariedade do sistema de transporte intrarregional; rigidez no mecanismo de desgravação tarifária (princípio de extensão automática das preferências acordadas aos demais integrantes da Associação) e, finalmente, o clima acentuado de instabilidade política.

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A integração social pode ser mencionada como premissa adicional à integração econômica total. Sem dúvida, a integração social não tem sido incluída nesta definição, já que – se bem incrementa a efetividade da integração econômica – não é necessária para as formas elementares de integração. A eliminação de barreiras subnacionais em uma área de livre comércio, por exemplo, é um ato de integração econômica, mesmo quando não se registre um desenvolvimento no campo social (BALASSA, 1974, p. 2-03).

Em face do referido quadro regional, surgiu a Associação Latino Americana de Integração (ALADI), criada em 1980, em substituição à ALALC, baseada no princípio da flexibilidade, com a finalidade de possibilitar que cada país pudesse definir seu próprio ritmo no processo de integração regional. A ALADI, formada por treze países (Cuba, México e todos os países da América do Sul, exceto Guiana e Suriname), em 2009, passou a contar com o Panamá, permanecendo como instrumento deveras importante de facilitação do processo de integração comercial dos países que a constituem.

Muda o mundo, mudam os paradigmas. A nova onda de globalização, a vaga neoliberal trouxe consigo os valores do livre comércio, pressionando pela redução do peso do Estado enquanto agente de intervenção direta na economia. A CEPAL mudou o enfoque trazendo ao lume o neo-estruturalismo, a discussão sobre transformação produtiva com equidade e o Novo Regionalismo ou Regionalismo Aberto ancorado nas novas teorias do comercio internacional (ortodoxo) e, mais especificamente, as teorias do crescimento endógeno e a nova economia geográfica. Nesse cenário, de profundas mudanças macroeconômicas e geopolíticas nasce o MERCOSUL como proposta de união aduaneira pactuada por quatro Estados, dentro das características do Regionalismo Aberto, ou seja, tem por objetivo não só o aumento do comércio intrazona, mas também o estímulo às trocas com terceiros países.