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2 INTEGRAÇÃO REGIONAL: ESTADOS E TERRITÓRIOS

2.5 SOBERANIA TERRITORIAL, FEDERALISMO E FEDERAÇÃO

2.5.1 Soberania territorial, território e territorialidade

Milton Santos apresenta o espaço geográfico como o resultante híbrido da interação entre o sistema de ações humanas e o sistema de objetos:

O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário, e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. (SANTOS, 1997, p. 51).

Ao se considerar o espaço como o quadro único no qual a história se dá, cabe distinguir os significados atribuídos às palavras, que formam categorias específicas, através das quais se pretende explicar a realidade. O Estado-nação foi o ator que historicamente emergiu com importância ímpar na configuração da história moderna. Por isso, a dimensão política do conceito de território assume papel vital no sentido de que nenhum recorte espacial é natural e, em última instância, decorre de relações de poder a partir de construções de natureza econômica, cultural e social.

Dentre as infinitas possibilidades de escalas territoriais, o conceito de território que se sedimentou nos últimos 500 anos como o historicamente mais importante foi o de território nacional, associado à criação do Estado-nação, na Europa dos séculos XVI-XVIII. Por decorrência, a ideia de fronteira internacional se associa à construção de limites territoriais nacionais. As razões básicas que levaram à imposição desses limites em que os Estados estabelecem as fronteiras nacionais são mais bem compreendidas se for tomado como ponto de partida o fato de que são elementos relacionados à manutenção do poder.

Mas o conceito de território não se situa apenas no núcleo conceitual de Estado-nação, pois aparece também na explicação de conceitos aplicados a políticas governamentais como o de desenvolvimento sustentável. Os fluxos de comércio de bens e serviços e a mobilidade de pessoas entre nações enfrentam as restrições impostas pelas fronteiras dos Estados nacionais, representadas pelas barreiras alfandegárias; fitosanitárias; burocráticas ou administrativas (sistemas jurídicos complexos e diferentes, hostilidade política, corrupção, instituições jurídicas fracas e ausência de pesos e contrapesos governamentais); além desses fatores há as dificuldades impostas pela geografia como distâncias físicas enormes e relevos de difícil

acesso, diferenças climáticas, inexistência de saída para o mar e isolamento geográfico; distância cultural (línguas ou idiomas, etnias diferentes, religiões, regimes de trabalho diferentes, tradicionalidade e outros); distâncias econômicas (infraestrutura precária, grandes assimetrias nas rendas individuais, tamanho de mercado, nível de monetização, assimetrias nas disponibilidades de capital humano, capital natural, insumos intermediários e outros).

O significado do espaço territorial para o Estado moderno encontra em Ratzel, contribuições relevantes para a compreensão do conceito de soberania territorial, pois a abordagem ratzeliana (1988) enfoca o território como o elemento fundamental do Estado; afinal, não há Estado sem território. A defesa do território constitui o ponto de origem do Estado, pois a defesa do território e de sua propriedade constituem os eixos vetoriais em torno dos quais a sociedade se organiza politicamente, ao atingir determinado grau de civilização.

O Estado-nação representa, portanto, estágio evolutivo superior da sociedade política. O Povo ou Nação se define pelo território em comum e não necessariamente pelo idioma e religião. Todo Estado é fruto da humanidade e parte do espaço terrestre. Na modernidade grupos separatistas ou etnias que se sentem mal contempladas dentro do espaço de um ou de vários países demandam determinado espaço físico para que construam seu próprio Estado nacional.

Partindo dessas premissas, a concepção ratzeliana de Estado é construída com base nos seguintes fundamentos:

As leis particulares da propagação da vida humana sobre a superfície da Terra determinam também a emergência dos Estados. Nunca se viu a formação de Estados nas zonas polares ou nos desertos, e eles são escassos nas regiões pouco povoadas dos trópicos, nas áreas florestais e nas altas montanhas [...]. O território faz parte da essência do Estado, a soberania é considerada como um direito territorial Dessa forma, eu chamo de 'povo 'a uma comunidade ou indivíduos politicamente associados, que não são necessariamente aparentados pela origem ou pela língua, mas unidos especialmente por um território comum [...]. As características mais fundamentais são a extensão, a posição e as fronteiras [...]. Quando falamos do 'nosso pais ', no nosso espírito associamos um fundamento natural com as obras que os homens ai introduziram [...]. Trata-se de um laço mental e afetivo entre a terra e os habitantes, no qual existe toda uma história. (RATZEL, 1988, p. 32).

Os Estados constituem organismos vivos na visão ratzeliana, mantendo íntima concepção com o espaço, espécie de “senso geográfico” ou o fundamento geográfico do poder político. Ratzel (1988) trouxe essa concepção da biogeografia, para a qual o solo condiciona as formas elementares e complexas de vida. Nesse sentido, o Estado, como forma de vida, tenderia a comportar-se (por analogia) segundo as leis que regem os seres vivos na terra, isto é, percorrem ciclo de vida que consiste em nascer, crescer, avançar, recuar, estabelecer relações, declinar e mesmo morrer:

O homem, bem como a maior de suas obras, o Estado, não é concebível sem o solo terrestre. Quando nós falamos de Estado, designamos sempre, exatamente como no caso de uma cidade ou estrada, uma fração da humanidade ou uma obra humana e, ao mesmo tempo, uma superfície terrestre. (RATZEL, 1988, p. 55).

O mundo de Ratzel se organiza com base em territórios demarcados, em que as fronteiras são reais, fenômeno que caracteriza e distingue o Estado Moderno, pois sua soberania nesse território, após Vestfalia, é incontestável e imprescindível. A valorização do território como elemento fundador do Estado, sobre o qual a Soberania é exercida de forma suprema e a ele se vincula de forma indissociável, traz para o centro do cenário a discussão do exercício desse poder; o controle do território se coloca como função vital para o funcionamento tanto da economia quanto para o exercício da dominação e de sua soberania externa. Ou seja, como todo organismo, o Estado precisa de espaço vital para sobreviver (defesa e segurança) e prosperar (desenvolvimento econômico) por meio de lutas e de competição contra os demais estados ou interagindo em regime de cooperação em determinadas circunstâncias.

A guerra contra outros Estados sempre revelou-se ao longo da história como fator de centralização do poder nas mãos dos governantes. Ocorre que a capacidade efetiva dos Estados entrarem em guerra uns contra os outros vem diminuindo desde 1945. Creveld (2004, p. 483) mostra que a perda de poder dos Estados vem ocorrendo em favor de diversos tipos de instituições sem território ou sem soberania, ou ambas; isto é, as questões que afetam a soberania das nações continuam muito difíceis de serem manejadas mesmo em face da Organização das Nações Unidas - ONU, assim como da União Européia - UE e do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL.

Na ONU, o poder de veto reservado às cinco grandes potências, membros permanentes (Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China) do Conselho de Segurança, corresponde ao reconhecimento explícito da existência de hierarquia entre Estados no cenário internacional. Isto é, reconhece-se que há Estados mais poderosos do que outros, bastando o voto de um deles para derrubar, no campo das relações diplomáticas multilaterais, propostas dos interesses soberanos dos demais países. Para Sato, as dificuldades para se estabelecer, aprioristicamente, limites para o exercício de tais poderes no campo das relações internacionais são imensas:

Não há uma fórmula para estabelecer os limites da noção de soberania em confronto com normas, princípios e instituições internacionais. A razão central reside no fato de que não há um padrão universal para os conceitos de justiça, de direitos e de obrigações entre sociedades e povos. Apesar de toda a retórica da globalização, continuam evidentes os sinais de que permanecem vivas as diferenças culturais e religiosas entre povos (SATO, 2003, p. 162).

Waltz observa que há os adeptos tanto da formulação de que as democracias são garantias de um mundo para sempre em paz e que os governos autocráticos são beligerantes, quanto da formulação de que “a chave não é a organização política, mas a econômica” (WALTZ, 2006, p. 150). Tem-se na prática, portanto, jogos dialéticos entre as estruturas internas dos Estados nas suas relações com os demais Estados.