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2 CONTEXTO HISTÓRICO DA PRODUÇÃO E PROCESSAMENTO DE PRODUTOS

3.1 Estado de Goiás: histórico de formação econômica e social

CAPÍTULO III

3 ESTADO DE GOIÁS, POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AGRICULTURA FAMILIAR E SUAS AGROINDÚSTRIAS: UM RECORTE DA REALIDADE DA ESTRUTURAÇÃO DO SIM EM DUAS CIDADES DO NORTE GOIANO

Este capítulo será centrado inicialmente na exposição do local de pesquisa, apresentando o histórico de formação e consolidação do Estado de Goiás, apresentando as principais políticas públicas estaduais que se correlacionam com a agricultura familiar e suas agroindústrias familiares rurais. Iremos realizar um recorte específico da Região Norte do Estado, apresentando os dados referentes a suas especificações econômicas e sociais, posteriormente, iremos realizar um segundo recorte, apresentando as cidades de Porangatu e Minaçu (são as únicas que possuem o SIM em funcionamento na região), expondo suas características históricas, sociais e econômicas, a partir da exposição de dados atuais referentes aos mesmos, buscando se entender a formação de sua realidade rural atual, expondo brevemente a implantação do SIM como política pública de incentivo a regularização sanitária e agroindustrialização local nestes dois municípios.

Figura 2 – Participação Agropecuária e Industrial no PIB Goiano em 2009.

Fonte: IMB - Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos / SEGPLAN / Governo de Goiás, 2009.

Segundo dados do Censo Agropecuário 2017 do IBGE (2017), o Estado de Goiás tem um total de 152.174 estabelecimentos rurais, , cuja área total destes estabelecimentos é de 26.3 milhões de hectares, sendo que 60,5% destes estabelecimentos tem até 50 hectares, sendo que 95.684 destes estabelecimentos se configuram na categoria da agricultura familiar, que representa 62,9% dos estabelecimentos do estado, sendo que deste total, 22.035 estão localizados em 421 projetos de assentamentos no estado (INCRA, 2017), contemplados nas Superintendências Regionais (SR) 04 e 28 do INCRA, ocupando uma área total de 1.079.609 hectares. Porém, o setor não familiar, que possuem estabelecimentos com mais de 4 módulos fiscais, representa 56.490 estabelecimentos, representando 37,1% dos estabelecimentos rurais (IBGE, 2017). Hoje, os estabelecimentos rurais, ocupam 491 mil pessoas em atividades agropecuárias no Estado Goiano (IBGE, 2017).

O Estado de Goiás hoje, representa um dos estados com maiores índices produtivos na agropecuária do país, segundo o Censo agropecuário de 2017, o referido estado obteve

13.194.213 milhões de toneladas de milho, colhidas em 1.742.074 hectares; a produção de soja chegou a 10.048.656 milhões de toneladas, colhidas em 2.939.399 hectares; a produção de arroz foi de 90.697 toneladas, colhidas em 21.203 hectares; a quantidade de feijão produzida foi de 229.835 toneladas, plantados em 101.103 hectares; a produção de mandioca foi de 225.412 tonelada, colhido em uma área de 18.228 hectares; já a efetivo bovino de Goiás em 2017 foi de 17.268.103 milhões de cabeças, representando 10% do rebanho nacional, com áreas de pastagens cultivadas de 13.014.793 hectares; a quantidade de vacas ordenhadas foi de 1.109.339, que resultou numa produção de 2.658.339 milhões de litros de leite, que dá uma média de 2,3 mil litros de leite por vaca ao ano. Estes dados deixam claro o enraizamento da agricultura capitalista dentro do Estado de Goiás, porém, devemos nos atentar para o processo que levou a consolidação dessa realidade.

Quando analisamos historicamente o processo de colonização e povoamento do Centro-Oeste brasileiro, nos deparamos com a figura do bandeirante, o mesmo representou a chegada do colonizador aos sertões, sendo que a partir do final do século XVII e início do século XVIII, a penetração ao interior do país em busca de ouro, se deparou com os nativos destas regiões, este contato em sua maioria foi de maneira violenta, através do domínio dos territórios antes povoados por estas etnias, até a escravização e morte dos mesmos. Para Silva (2017, p. 46) “o enfrentamento com os índios era um motivo a mais de preocupação para a população e para os administradores [...] Guerras sangrentas foram travadas com os indígenas, que não aceitavam a invasão de suas terras e a escravidão à qual seu povo era submetido”, demonstrando assim o caráter escravagista e genocida existente neste processo de expropriação e subjugação dos nativos da região pelos colonizadores.

No período de 1726 à 1770, através do chamado sistema colonial, se teve as primeiras migrações de populações para essa região, os efetivos humanos, advinham de Minas Gerais e do Nordeste Brasileiro, sendo o mesmo intensificado a partir da expansão dos meios de transporte, que integraram essas áreas a colônia (MENDES, 2005). A formação do Estado de Goiás, não é muito diferente da formação do Estado brasileiro, pois, sofreu grandes influências do latifúndio na estruturação de seu território e das instituições de Estado. Goiás, até 1749 fazia parte da capitania de São Paulo, após essa data o mesmo se tornou capitania independente. A referida, teve inicialmente como produção principal de divisas a mineração, através do uso de

mão de obra escrava negra e indígena. Após a decadência da mineração, a agricultura de subsistência e a pecuária extensiva se fez a principal geradora de divisas até o fim no século XIX, sendo utilizado em sua maioria mão de obra livre, neste período a economia da capitania se encontrava estagnada.

Para Callefi (2000), após a crise na mineração no estado goiano, ocorreu um processo de ruralização da população, sendo essa uma estratégia para se suprir as lacunas econômicas que surgem a partir do fim da extração do ouro e a estagnação da economia, sendo assim, de uma população que possuía características mais urbanas até o século XVIII, passou no século XIX a ter uma população mais concentrada no campo. Estes fatos potencializaram o poder econômico e político da classe latifundiária, sendo que estes agentes hegemônicos, se utilizaram de seu poder econômico para definirem a ocupação do território goiano, colocando se como mediadores entre as instituições políticas e a população interiorana, através do uso de cargos políticos e a cooptação das instituições de Estado (militares e judiciário) e religiosas, como instrumento de consolidação de seu poder e domínio, consolidando assim a hegemonia desta classe, sendo conhecidos regionalmente como pecuaristas, fazendeiros e coronéis, exercendo seu poder através da concentração da propriedade da terra, da violência e do voto.

Para Mendes (2005), um dos motivos que beneficiaram a consolidação dessa classe no estado de Goiás, foi a concentração da terra, que foi beneficiada pela política de terras da época, sendo que:

A política de terras em Goiás beneficiou a classe latifundiária que, em sua maioria, havia obtido suas terras ilegalmente. A venda de terras, em hasta pública, efetivada a partir do maior lance, prejudicou àqueles que já cultivavam a terra - os chamados ocupantes. Nesse sentido, as práticas advindas da Lei de Terras, também, impediram o acesso legal de terras para os pequenos produtores, em geral o morador e o agregado.

Em conseqüência, acentuou o desenvolvimento de um modelo concentracionista da propriedade fundiária, assentado na pecuária extensiva. (MENDES, 2005, p. 135).

Para Borges (1996), a posterior modernização do Estado de Goiás, esteve diretamente ligado ao Movimento de 30, onde Getúlio Vargas, através de um Estado forte, fez com que o poder público passa-se a intervir nas diferentes esferas da sociedade, isso contribuiu para que a economia goiana se ajustasse ao novo padrão de acumulação presente no país, sendo que o interventor Pedro Ludovico Teixeira, foi peça fundamental na implantação da modernização ocorrida em Goiás, dando maior protagonismo ao setor agrário goiano mais progressista da

época. Através do Estado Novo, como catalizador desse processo, foi instituído a Marcha para o Oeste, com o intuito de se desenvolver a nação, buscando a ocupação dos “vazios demográficos”, além da defesa do território nacional, integrando as diversas regiões do país, tendo como protagonismo a região Centro-Oeste e Norte (SAMPAIO, 2003).

Desta maneira, a produção agrícola goiana, passou por grandes transformações a partir da década de 1950, estando isto diretamente relacionado ao estreitamento das relações entre o setor agrícola e urbano-industrial (MENDES, 2005), sendo que esse crescimento e especialização da produção agropecuária goiana, a partir das primeiras décadas do século XX, está diretamente relacionada a expansão da fronteira agrícola do Sudeste, parte disto correlacionado a industrialização dessa região, ficando a produção de bens primários (menor valor), relacionados aos demais estados do país (BORGES, 1996). Sendo que um dos maiores fatores que contribuíram para este grande estimulo modernizador, foi a estruturação dos eixos de transporte dentro do estado goiano, dando sustentação ao alargamento da fronteira agrícola e escoamento dos produtos produzidos na região, para esse:

Novo padrão de acumulação implantado na economia brasileira, voltado para o mercado interno, exigia a expansão da fronteira agrícola no país. A economia de mercado em expansão e a divisão social do trabalho que se estabeleceu entre a indústria e agricultura incrementaram o processo de especialização e modernização na agropecuária regional (BORGES, 1996, p.39).

O que deu sustentação a essa expansão dos eixos de transporte em Goiás, foi a instalação de uma infraestrutura de transportes ferroviário, a exemplo da construção da estrada de ferro Goyás, que chegou até a cidade de Anápolis em 1935, até as mudanças ocorridas no pós revolução de 1930, através do início da construção da capital Goiânia na década de 1930, além da política do Estado Novo de estimular a Marcha para Oeste, através do projeto de colonização no Vale do São Patrício, com a implantação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás - CANG em 1941, e posteriormente com Juscelino Kubitschek, através da construção da nova capital do Brasil na década de 1950, e a construção de rodovias que ligaram todas as capitais dos estados a Brasília, que geraram um grande eixo migratório para a região, que proporcionou um rápido crescimento populacional e valorização das terras (MENDES, 2005; BORGES, 1996).

Para Mendes (2005), a incorporação do estado goiano ao processo produtivo nacional, foi de

forma gradativa, inicialmente como fornecedor de gêneros alimentícios e matérias primas para a indústria e principalmente como absorvedor de excedentes populacionais.

Para Sampaio (2003), a expansão da fronteira agrícola em Goiás dirigiu-se principalmente para a Região Norte do estado, a partir da estruturação CANG e por esta região ter porções de terras consideradas devolutas, a referida autora, define esse primeiro período da expansão da fronteira agrícola, como Frente de Expansão, tendo os lavradores pobres que vinham de várias regiões do país e que se instalaram na CANG e também em suas adjacências, em terras consideradas devolutas, sendo conhecidos como posseiros. Já o segundo momento da expansão, veio após a construção da capital Brasília e da rodovia Belém-Brasília, sedo denominado pela autora como Frente Pioneira, tendo como característica a chegada de novos migrantes, grileiros e fazendeiros, representando a expansão do capital no campo, através da supervalorização das terras que estavam próximas a nova capital e as margens da rodovia, a referida autora, fez uso destes dois conceitos teóricos (Frente de Expansão e Pioneira), através do delineamento proposto por José de Souza Martins (2009). O período da Expansão Pioneira, foi marcado por vários conflitos por terra entre grileiros/fazendeiros e posseiros em vários pontos do território goiano, sendo o conflito de Trombas e Formoso os mais conhecidos (SAMPAIO, 2003).

Os programas que incentivaram os investimentos para a expansão da modernização conservadora nas áreas de cerrado, foram promovidas pelo Governo Federal, temos como exemplo, entre os anos 60 e 70 o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que forneceu financiamento aos produtores goianos, o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), criado em 1975, através do Decreto 75.320, e o Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER), que foi implantado a partir de 1978, através de empréstimos internacionais a agricultores do Sul e Sudeste que migraram para o Centro-Oeste (MENDES, 2005). Através destes Programas, ocorreu a expansão das atividades tecnificadas e a implantação dos complexos agroindustriais no território goiano, este crescimento da agricultura capitalista, se tornou artificialmente rentável, pois eram sustentados por incentivos ficais e creditícios que representavam uma transferência de recursos do Estado a estes produtores. O governo goiano também criou programas estaduais de incentivo a estruturação destes complexos agroindustriais, através de incentivos ficais, a

exemplo do Programa FOMENTAR na década de 1990 e posteriormente o Programa PRODUZIR, sendo que a principal região beneficiada foi a Microrregião do Sudoeste de Goiás (COSTA; LUNAS e SILVA, 2014).

Com a implantação dos referidos programas, a produção agropecuária capitalista se expandiu por todo o território de Cerrado do estado goiano, tendo como áreas preferenciais os chapadões, onde a cultura da soja se expandiu, além da substituição das pastagens naturais por pastagens plantadas, sendo gradativamente eliminada as paisagens até então de arvores tortuosas pelas monoculturas de grãos (MENDES, 2015). Segundo Borges (1996), essa relação entre o setor agrário e industrial, se estabeleceram de maneira mais consistente a partir de 1950, onde o setor agrário se tornou um importante mercado para os produtos industrializados, abrangido inicialmente os bens de consumo e posteriormente atendendo também os bens de produção. Segundo o referido autor,

A demanda de produtos industrializados por parte da massa de produtores rurais somente expandiu-se mais tarde e gradativamente, com a destruição de sua auto-suficiência baseada na policultura alimentar e no artesanato. Através desse processo, o setor industrial não apenas ampliou o mercado para seus produtos, como também fez com que os estabelecimentos agropecuários se especializassem e ampliassem cada vez mais a produção de bens primários. Por sua vez, essa especialização e a crescente produtividade que ela requeria ampliavam as condições de demanda no meio rural, expandindo o mercado de equipamentos e insumos básicos de origem industrial (p.38).

Segundo Mendes (2005), corroborando com Borges (1996), parte desses produtos que até então eram comercializados em natura, e ou processados em pequena escala, agora eram direcionadas as grandes agroindústrias, tendo uma agricultura mais dependente dessas indústrias processadoras, mas também das indústrias de bens de capital, desde a dependência dos insumos, defensivos a maquinários, além da liberação de mão-de-obra familiar do meio rural que foi substituída pelo uso de maquinas. Para Mendes (2005), com a

[...] implantação de inovações na base técnica da agricultura, ocorreu novamente a concentração das terras, agora nas mãos de grupos empresariais que cultivam a terra para a produção de grãos, visando a exportação, em um processo crescente de exploração dos recursos naturais e humanos e, ainda, contribuindo para a expulsão do homem da terra e, assim, eliminando as condições para a produção familiar tradicional (MENDES, 2005, p.143).

Este desenvolvimento gerou inúmeros impactos ambientais e sociais, ficando centrado inicialmente nas médias e grandes propriedades em detrimento da exclusão dos agricultores

familiares, inclusive, com expulsão de posseiros, meeiros e arrendatários por pressões fundiárias, relacionadas a hipervalorização da terra e a destinação das mesmas para a monocultura, levando a concentração fundiária, aumento da pobreza no campo e a ocorrência de inúmeros conflitos entre posseiros e fazendeiros/grileiros, além da liberação de mão de obra familiar do meio rural através de sua substituição por maquinas e o êxodo rural. Segundo Graziano da Silva (1981, p. 40), este processo de “modernização conservadora” do campo brasileiro, privilegiou apenas algumas culturas e regiões, beneficiando as médias e grandes propriedades, sendo este processo induzido pelo Estado, e excluindo a grande maioria da população rural. Porém, na atualidade, este processo tem se intensificado em todo o Brasil e no mundo, através do domínio de grandes territórios nacionais por grupos empresariais nacionais e internacionais, trabalhando a lógica da produção de commodities e a financeirização das terras, tendo um processo contínuo de degradação ambiental e impactos sociais através da desterritorialização das populações locais em detrimento da expansão do capital.

Desta maneira, podemos observar como se formou e vem sendo formado social e economicamente o estado de Goiás, o quanto o Estado foi importante neste processo de expansão do capital no campo, a partir da industrialização do Sudeste brasileiro, e a expansão da fronteira agrícola do mesmo pelas demais regiões do país, que levou a expulsão e a concentração de terras, demonstrando o quanto os agricultores familiares foram prejudicados com este processo. No decorrer dos últimos anos, como citado no Capitulo I, os agricultores familiares vêm lutando pela conquista de direitos, dentre eles o acesso à terra e políticas públicas específicas para sua classe, em Goiás estas lutas não tem sido diferente. Sendo assim, através do exposto anteriormente, podemos afirmar que Goiás foi um dos estados mais afetados com a modernização conservadora, ou como nomeado por Graziano (1981) “modernização dolorosa”, demonstrando as características das lutas de classes existentes no campo brasileiro.