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3 Estudo de vários materiais usando microscopia confocal

3.5 Estudo dos domínios ferrelásticos do vanadato de bis muto

3.5.3 Estados de orientação das paredes de domínio

Os domínios ferroelásticos do vanadato de bismuto já foram estudados anteriormente por outros autores e suas orientações dos estados já estão bem determinadas [87–89]. Domínios adjacentes possuem orientações diferentes, porém ao longo de cada domínio os ângulos que as paredes fazem com um determinado eixo cristalográfico são constantes. Não há, no entanto, trabalhos na literatura científica tratando o modo como as paredes de domínio transitam de uma orientação para outra e é essa a ideia principal desta seção. Realizaremos esse estudo com o auxílio da teoria de grupos do BiVO4, de cálculos analíticos e de uma breve simulação

numérica.

Comecemos pela teoria de grupos do vanadato de bismuto monoclínico [102], cuja repre- sentação irredutível é:

Γrede= 3Ag+ 2Au+ 6Bg+ 4Bu.

Todos as representações g são ativas na espectroscopia Raman e como a radiação incide na direção do eixo c, os elementos do tensor polarizabilidade excitados são αxx, αyyou αxy. Con-

sultando uma tabela de caracteres, concluímos que mediremos apenas os modos Ag.

Ae ficiência do espalhamento Raman em cristais foi discutida teoricamente por R. Loudon [28]. Consideremos que os fótons incidentes e espalhados tenham polarizações nas direções dos vetores unitários ˆeie ˆes, respectivamente. A eficiência do espalhamento será dada pela fórmula

S = A "

ρ,σ =x,y,z eσ i Rσ ρeρs #2 , (3.1)

onde A é uma constante de proporcionalidade, eσ

i e eρs são as componentes do vetor unitário ao

longo dos eixos principais σ e ρ e Rσ ρ é o tensor Raman. Para maiores detalhes sobre a origem

da Equação 3.1, sugerimos consultar a referência [28].

A amostra de BiVO4 que usamos para estudar os domínios ferroelásticos é monoclínica e

pertence ao grupo espacial I2/b. Um desenho esquemático mostrando os eixos do cristal, o vetor da polarização incidente e os respectivos ângulos entre eles é mostrado na Figura 3.17, onde β refere-se ao ângulo entre os eixos cristalográficos a e c. O ângulo entre x e y é de 90◦ e y foi

definido de forma a coincidir com o c.

A partir da Figura 3.17, concluímos que os versores ˆeie ˆes são dados por

ˆei= senθ′ˆi+ cosθ′ˆj (3.2)

Figura 3.17: Desenho esquemático com os eixos do cristal, o vetor da polarização incidente e os respectivos ângulos entre eles.

onde o ângulo θ′ é aquele definido na Figura 3.17 e o θ′′ é arbitrário, uma vez que a luz

espalhada é polarizada em todas as direções. Para que finalmente possamos usar a Equação 3.1, ainda precisamos conhecer a matriz Rσ ρ e para isso consultamos a Tabela 1 do artigo do R.

Loudon [28]. Tendo em mente que apenas a representação Agé prevista pela teoria de grupos

acima desenvolvida, o tensor Raman deverá ser

Rσ ρ =     a 0 d 0 b 0 d 0 c     , (3.4)

onde a, b, c e d são constantes que dependem do material. Usando geometria plana, da Figura 3.17 teremos:

β + θ = θ′+ φ = constante, (3.5)

uma vez que β e θ são ângulos definidos pela estrutura cristalina e, portanto, não variam. Essa equação é importante pois relaciona as duas variáveis que (θ′ e φ) necessárias para mostrar o

processo de transição de um domínio para o outro. Além disso, fica claro que só precisamos conhecer uma delas, já que a outra é obtida de maneira direta pela subtração de uma constante conhecida experimentalmente.

Agora que temos todos os dados requeridos pela Equação 3.1, podemos calcular a eficiência do espalhamento Raman em função do ângulo θ′. Para um determinado ângulo de espalhamento

θ′′, a eficiência Raman será S = A "

ρ,σ =x,y,z eσ i Rσ ρeρs #2 Sθ′′ = A  senθ′ cosθ0     a 0 d 0 b 0 d 0 c         senθ′′ cosθ′′ 0    

Sθ′′ = A(asenθ′senθ′′+ b cos θ′cosθ′′)2. (3.6) Como a luz espalhada está polarizada em todas as direções, devemos integrar θ′′ de 0 e π de

modo a considerar todas as contribuições. Assim, S = I(θ′) =Z π 0 Sθ′′dθ ′′ = AZ π 0 a 2sen2θsen2θ′′′′+ AZ π 0 b 2cos2θcos2θ′′′′+ + A Z π 0 2asenθ

senθ′′bcosθcosθ′′′′

= Aπ 2  a2sen2θ′+ b2cos2θ′ ⇒ ⇒ I(θ′) = Aπ 2b 2cos2θ′1 +a2 b2tan2θ′  ⇒

⇒ I(θ′) = I0[cos2θ′+ ∆sen2θ′], (3.7)

onde I0= Ab2π/2 e ∆ = a2/b2> 0.

Se considerarmos que cada mínimo (máximo) de intensidade Im (IM) corresponde a um

ângulo θ′

m(θM′ ) teremos, após substituir na Equação 3.7,

Im = I0(cos2θm′ + ∆sen2θm′) (3.8)

IM = I0(cos2θM′ + ∆sen2θM′ ). (3.9)

Dividindo (3.8) por (3.9), podemos isolar ∆ da seguinte forma: Im IM = cos2θ′ m+ ∆sen2θm′ cos2θ′ M+ ∆sen2θM′ ⇒

⇒ Im[cos2θM′ + ∆sen2θM′ ] = IM[cos2θm′ + ∆sen2θm′] ⇒

⇒ ∆[Imsen2θM′ − IMsen2θm′] = IMcos2θm′ − Imcos2θM′ ⇒

⇒ ∆ = IMcos

2θ

m− Imcos2θM

Imsen2θM′ − IMsen2θm′

.

ver a equação acima da seguinte forma: ∆ = cos 2θ′ m− Ircos2θM′ Irsen2θM′ − sen2θm′ . (3.10) Essa equação é útil pois ela nos fornece uma maneira de obtermos ∆ a partir da intensidade relativa entre os domínios não correspondentes, o que pode ser obtido experimentalmente. As- sim, conseguimos sobrepor o problema de ter que saber de antemão quais os valores de a e b do tensor Raman, que dependem do material.

O próximo passo é encontrarmos θ′

m e θM′ . Igualar a derivada de I(θ′) em relação a θ′

a zero é uma das formas de se encontrar os mínimos e máximos de uma função. Derivando, teremos dI(θ′) dθ′ = d dθ′I0[cos 2θ+ ∆sen2θ] = 2I0senθ′cosθ′[∆ − 1]. = I0[∆ − 1]sen(2θ′) (3.11)

Para encontrarmos os valores de máximo e mínimo, devemos igualar a zero: I0[∆ − 1]sen(2θ′) = 0 ⇒

( ∆ = 1 (3.12a)

sen(2θ′) = 0 ⇒ θ= kπ/2, k = 0, 1, 2, .... (3.12b)

Quem informará se os casos acima serão pontos de máximo ou de mínimo é a derivada segunda de I(θ′) em relação a θ:

d2I(θ′)

dθ′2 = 2I0[sen

2θ− cos2θ+ ∆ cos2θ− ∆sen2θ] =

= 2I0(∆ − 1)cos(2θ′). (3.13)

A primeira condição 3.12a é rapidamente descartada pois ela gera I(θ′) = I0= constante,

o que não tem sentido físico. Para estudar a condição 3.13, começamos substituindo θ′= 0 (ou

qualquer outro valor para k par) na Equação 3.13:

I = 2I0(∆ − 1), (3.14)

que será ponto de máximo para ∆ < 1 e de mínimo para ∆ > 1. Concluímos o inverso para valores ímpares de k, ou seja, θ′será mínimo para ∆ < 1 e máximo para ∆ > 1. Não é necessário

considerarmos, nas nossas discussões, os múltiplos de π pois θ′= α e θ= α + kπ representam

Agora que conhecemos θ′

m e θM′ , podemos deduzir uma fórmula explícita para θ′(I) em

função de Ime IM. Essa fórmula será importante pois com ela poderemos determinar os ângulos

de cada parede de domínio do BiVO4a partir das intensidades dos espectros dos domínios não

equivalentes e de uma intensidade qualquer de um mapeamento Raman. Comecemos nossa dedução considerando o caso ∆ > 1, onde θ′

m= 0 e θM′ = π/2. Substituindo esses valores na

Equação 3.10, teremos ∆ = IM/Im. Usamos esse valor de ∆ na Equação 3.7 para obtermos

I = I0cos2θ′+ I0IM Imsen 2θ(3.15) Im= I0cos2θm′ + I0IM Imsen 2θ′ m= I0. (3.16)

Dividindo (3.15) por (3.16) e fazendo algumas manipulações algébricas conseguimos achar uma fórmula explícita para θ′(I):

I Im = cos 2θ+IM Imsen 2θ′ I = Imcos2θ′+ IMsen2θ′ cos2θ′= I − IM Im− IM ⇒ ⇒ θ′(I) =          arccos r I − IM Im− IM  , se − π/2 ≤ θ′≤ π/2 (3.17a) arccos  − r I − IM Im− IM  , se π/2 < θ′< 3π/2. (3.17b) Apesar de termos dois intervalos no ciclo trigonométrico para a equação de θ′, é suficiente con-

siderarmos apenas a primeira condição (Equação 3.17a), pois já temos uma faixa de 180 graus e todo domínio descrito por um ângulo no segundo (terceiro) quadrante é o mesmo domínio descrito pelo seu suplementar no quarto (primeiro) quadrante. Assim, podemos desprezar a condição (3.17b) e trabalhar apenas com a (3.17a).

As equações do θ′(I) para o caso 0 < ∆ < 1, após um procedimento análogo ao efetuado

θ′= 0 θ′= π/2 ∆ > 1 mínimo máximo ∆ < 1 máximo mínimo

acima, são: ⇒ θ′(I) =          arccos r I − Im IM− Im  , se − π/2 ≤ θ′≤ π/2 (3.18a) arccos  − r I − Im IM− Im  , se π/2 < θ′< 3π/2. (3.18b) Como vemos, essas fórmulas são análogas a aquelas encontradas para ∆ > 1 e, além disso, também observamos que elas são complementares para um mesmo valor de I, como é visto claramente na Figura 3.18. Nestes gráficos vemos θ′(I) para ambos os casos de ∆, porém apenas

o intervalo −π/2 ≤ θ′≤ π/2 foi considerado, por simplicidade e para evitar redundância. O

fato de os ângulos serem complementares significa que para um determinado ∆ é usado o θ′

indicado na Figura 3.17, enquanto que para o outro ∆ é o complementar desse ângulo que descreve a situação física. Considerando o esquema dos eixos, podemos concluir que essas duas possibilidades tratam, afinal, da mesma parede de domínio. Logo, é possível, sem nenhuma perda de generalidade, desprezarmos a situação descrita por 0 < ∆ < 1 e nos concentrarmos apenas no caso ∆ > 1 (Equação 3.17a).

Figura 3.18: Gráfico do θ′(I) para 0 < ∆ < 1 e ∆ > 1. Observe que as duas curvas tem ângulos

complementares para um mesmo I.

Através da Figura 3.17, observamos que o ângulo que melhor descreve as paredes de domí- nio é o φ, pois ele dá o ângulo entre a parede de domínio e a polarização de incidência do laser, que foi mantida constante durante nossas medidas. Esse ângulo vale:

φ (I) = β + θ − θ′(I) ≈ 135 − θ′(I), (3.19) em graus. Os valores de β e θ foram determinados por Yeom [89].

cionada e encontra-se destacada na Figura 3.19a. Ao escolher esta imagem, procuramos uma região relativamente homogênea, já que ela será usada para aplicarmos as Equações 3.17a e 3.19. Deste modo, encontraremos, com ferramentas teóricas, a orientação dos domínios em cada ponto da região da amostra representada pela imagem da Figura 3.19a.

Figura 3.19: (a) Mapeamento Raman do BiVO4. (b) Superfície gerada pela aplicação das

Equações 3.17a e 3.19 na imagem de cima. (c) Superfície da figura (b), porém rotacionada. A superfície vista na Figura 3.19b foi formada pela aplicação da fórmula 3.17a em cada ponto do mapeamento Raman da Figura 3.19a. É importante salientar que essas duas figuras foram escaladas de modo que as partes claras e escuras de uma estejam relacionadas com os vales e montes da outra, conforme foi obtido no momento da aquisição experimental. Pelo gráfico, observamos que a transição de um domínio para outro não é muito suave, o ângulo é de aproximadamente 82 graus, que é uma mudança de orientação consideravelmente abrupta. Também podemos estimar, com o auxílio dessa superfície, a largura das quatro fronteiras de

domínio. Os valores encontrados para essas dimensões foram, da direita para a esquerda, 0,54 µm, 0,75 µm, 0,51 µm e 0,82 µm, aproximadamente. A média, portanto, da largura dessas fronteiras é de 0,65 µm, que é em torno de 1/3 da espessura dos domínios comentados nas medidas com MEV (Figura 3.16).

A Figura 3.19c mostra uma representação tridimensional da orientação dos domínios na região mostrada na Figura 3.19a. Notemos que o ângulo φ é aproximadamente constante ao longo de um certo domínio. Embora surjam alguns picos, os mesmos tem uma variação angular que não passa de 10 graus. Este efeito pode ser originado em variações estatísticas dos espectros e imperfeições da amostra.

Na presente investigação, as estruturas de domínio do BiVO4foram claramente observadas

através de mapeamentos espaciais dos picos ν1 e ν3 do BiVO4. Observamos que estas duas

bandas têm imagens espaciais Raman complementares e, em alguns casos, perpendiculares. A microscopia polarizada foi empregada para observar a transição de fase do BiVO4e seus refle-

xos nos domínios ferroelásticos. Observamos também que os domínios do vanadato de bismuto têm características topológicas e isso nos permitiu estimar quantitativamente suas espessuras. Efetuamos, também, cálculos analíticos e teóricos para entender como ocorre a transição entre domínios diferentes. Nossos resultados mostraram que as transições ocorrem de forma abrupta e que a espessura das fronteiras de domínios têm um valor aproximado de 0,65 µm. Dessa forma, a facilidade de estudo dos domínios no vanadato de bismuto nos permitiu estudá-los com sucesso empregando variadas técnicas experimentais e teóricas.

3.6 Considerações finais

Neste capítulo, realizamos estudos em variadas áreas utilizando principalmente as técnicas de microscopia confocal e microespectroscopia Raman confocal. Com estas ferramentas ex- perimentais, investigamos com sucesso domínios ferroelásticos em diferentes materiais. Estas microscopias também nos permitem realizar estudos em profundidade, desde que a amostra te- nha uma transparência adequada para permitir a entrada da luz incidente e a captação da luz espalhada. Todos os experimentos deste capítulo foram realizados sem danificar a amostra, isso é importante pois o mesmo material pode ser reutilizado em outros experimentos. No en- tanto, a microscopia confocal obedece o limite de Abbe, limitando a resolução máxima que se pode alcançar com estas medidas. Existem várias técnicas de microscopia que ultrapassam o limite de Abbe, como AFM e MEV, porém as técnica ópticas têm o diferencial de fornecerem informações químicas sobre a amostra. Uma configuração experimental particularmente inte-

ressante é aquela que une os dois lados, obtendo-se informações topográficas simultaneamente com informações químicas de alta resolução. Tal situação é conseguida com a espectrosco- pia Raman intensificada por ponta (TERS, tip-enhanced Raman spectroscopy), que possibilita mapeamentos espaciais Raman ou de fluorescência com altas resoluções (< 20 nm) ao mesmo tempo em que se obtém a imagem topográfica da região medida. No capítulo seguinte discuti- remos os aspectos teóricos da microscopia de campo próximo e no Capítulo 5 aplicaremos esta microscopia para o estudo, em altas resoluções, de nanotubos de carbono individuais e/ou em pequenos agregados.

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A microscopia óptica de campo