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2 Princípios do espalhamento Raman e da microscopia

2.1 O espalhamento Raman

A espectroscopia Raman é uma das técnicas mais usadas para a caracterização dos mate- riais e sempre que um material novo é descoberto ou algum material antigo passa a ter grande interesse físico, esta é uma das primeiras técnicas empregadas pelos cientistas. Os espectros Ra- man podem ser medidos em amostras pequenas e pouco conhecidas e, sem danificar a amostra, fornece informações detalhadas sobre as propriedades físicas, químicas e qualidade do material. Os processos Raman revelam informações não somente sobre as propriedades vibracionais, os estados eletrônicos do sistema também podem ser caracterizadas com essa técnica experimental, se realizada em condições de ressonância. Além disso, propriedades elásticas e de transições de fase são estudadas com eficiência através do espalhamento Raman. Experimentalmente, nos últimos anos os espectrômetros Raman tornaram-se mais baratos e mais fáceis de serem manuseados, popularizando ainda mais a técnica.

Sem nos aprofundarmos nos detalhes, discutiremos a seguir os pontos principais da espec- troscopia Raman, com ênfase no espalhamento Raman em cristais e em nanotubos de carbono. Informações mais detalhadas da Teoria do espalhamento Raman podem ser encontradas nas referências [23–29].

2.1.1 Processo de espalhamento Raman

A ordem de um espalhamento é definido pelo número de eventos de espalhamento que ocor- rem no processo, sejam eles inelásticos ou elásticos (devido a alguma imperfeição do cristal). O espalhamento Raman de primeira ordem ocorre em três passos: (1) um fóton com freqüência ω1e momentum~k1excita um elétron da banda de valência para a banda de condução, criando

um par elétron-buraco, (2) o elétron excitado é espalhado emitindo ou absorvendo fônons e, por último, (3) o elétron relaxa para a banda de valência e o par elétron buraco recombina-se e um fóton (~k2, ω2) é criado ou emitido. A conservação da energia e do momentum no processo

Raman é

¯hω1= ¯hω2± ¯hωf onon (2.1)

~k1=~k2±~qf onon, (2.2)

onde os símbolo (+) e (−) indicam espalhamentos anti-Stokes e Stokes, respectivamente. Os experimentos Raman mais comuns nos laboratórios atuais são processos Raman de pri- meira ordem limitados ao ponto Γ da primeira zona de Brillouin, devido ao pequeno vetor de onda da luz incidente. Isso pode ser entendido da seguinte maneira: se~k1é pequeno, da ordem

de~k2, então~qf onondeve ser aproximadamente zero (ver Eq. 2.2). Como exemplo, consideremos

um experimento com geometria de retroespalhamento com um laser de excitação com o com- primento de onda λ = 488 nm e um meio com índice de refração n = 4. Neste caso, a máxima transferência de momentum será

qmax= π λ /4= π 488/4 ≈0,01 Å −1 . (2.3)

Este é um valor muito pequeno, se comparado com a extensão da zona de Brillouin no espaço recíproco,

kmax= π

a0 ≈ 1 Å −1

, (2.4)

onde a0= 2, 46 Å para o grafite.

Existem alguns métodos experimentais de espalhamento que não estão limitados ao ponto Γ, como o espalhamento de nêutrons e mesmos alguns tipo de espalhamento Raman. Infe- lizmente, no caso da espectroscopia Raman, existem poucas informações específicas sobre a dispersão dos fônons. No caso do espalhamento Raman de segunda ordem, no entanto, dois fônons são emitidos (ou absorvidos) ao mesmo tempo, em um processo que é geralmente 10 a 100 vezes mais fraco que o de primeira ordem. Se os momenta dos fônons envolvidos forem iguais e opostos, eles se anulam e a condição Eq. 2.3 é facilmente satisfeita. Assim, o pico Ra-

man é obtido por uma integração ao longo de toda a zona de Brillouin, e regiões com maiores densidades de estados se destacam no espectro.

No caso dos nanotubos de carbono, devido à estrutura de banda eletrônica particular des- tes materiais, o espectro Raman deles contém alguns picos associados a processos de dupla ressonância, que não se restringem ao centro da zona de Brillouin. Este tipo de processo será discutido na subseção 2.1.3.

2.1.2 Espalhamento Raman em cristais

Se a simetria de um cristal for conhecida, pode-se calcular a eficiência do espalhamento Raman através da fórmula [28]

S = A[ ˆe†1←→α ˆe2]2, (2.5)

onde A é uma constante de proporcionalidade e ˆe1e ˆe2são versores de polarização de incidência

e de espalhamento, respectivamente [28]. As condições de polarização adotadas experimental- mente determinarão as componentes de ˆe1e ˆe2, enquanto que a forma de ←→α depende da classe

cristalina e da simetria da vibração em questão. Tabelas mostrando a forma do tensor polariza- bilidade para cada simetria ativa no Raman é encontrada no Apêndice G da referência [26] ou na Tabela 1 do artigo The Raman Effect in Crystals, publicado por R. Loudon [28].

2.1.3 Espalhamento Raman duplamente ressonante

A dupla ressonância na espectroscopia Raman pode ser responsável por alguns efeitos in- trigantes nos espectros dos materiais. Alguns desses efeitos são o deslocamento da freqüência de um pico com a energia do laser e o surgimento de bandas além das permitidas pela teoria de grupos. Estes dois aspectos estão presentes na banda D do grafite, observado em torno de 1350 cm−1 [29]. O espalhamento Raman duplamente ressonante tornou-se uma ferramenta

chave para estudar não somente o grafite, mas materiais de carbono em geral. Nesta subseção, daremos uma breve introdução aos conceitos do espalhamento Raman duplamente ressonante.

A Figura 2.1 mostra um esquema dos espalhamentos Raman de primeira ordem não-ressonante (Figura 2.1a), com ressonância simples (Figura 2.1b) e com dupla ressonância (Figura 2.1c). Nesta figura, as linhas sólidas indicam estados reais e as linhas tracejadas indicam estados virtuais intermediários. Os três passos do espalhamento Raman descritos acima estão exem- plificados nessa figura: (1) um fóton com energia E1 é aniquilado e excita um elétron, (2) este

elétron é espalhado emitindo um fônon com energia ¯hωph e (3) o elétron recombina-se com o

o processo é não ressonante, se um (dois) estado intermediário for real, o processo é simples (duplo) ressonante. O espalhamento de ressonância simples deve ter dois estados reais com energias E1 e ¯hωph (Figura 2.1b). O processo de dupla ressonância deve ter, além desses dois

estados reais, um terceiro com energia E1− ¯hωph (Figura 2.1c). As condições restritivas de

dupla ressonância podem ser satisfeitas experimentalmente se a estrutura de banda eletrônica do material for ajustada com a aplicação de um campo elétrico ou de um campo magnético.

Figura 2.1: Esquema dos espalhamentos Raman de primeira ordem (a) não ressonante, (b) ressonância simples e (c) dupla ressonância [29].

Os processos de espalhamento Raman de segunda ordem são esquematizados na Figura 2.2, onde duas bandas eletrônicas lineares são mostradas e podem ser consideradas, por exemplo, como aproximações das bandas do grafeno no ponto K [29]. Os processos da Figura 2.2, mais especificamente da Figura 2.2a, são ditos de segunda ordem pois envolvem dois eventos: um espalhamento entre os estados a e b e outro entre os estados b e c. As duas transições ressonantes que constituem o processo Raman duplamente ressonante são, no exemplo da Figura 2.2, a excitação do elétron com vetor de onda ~ki pela luz incidente e o espalhamento inelástico do fônon com vetor de onda ~q. Devido à conservação do momentum, o esquema mostrado na Figura 2.2a tem que incluir o espalhamento inelástico por um segundo fônon ou um elástico por um defeito. Este último caso é o indicado na Figura 2.2a por linhas tracejadas que simbolizam a recombinação elétron-buraco no ponto c. As condições dos processos de dupla ressonância são satisfeitas para um combinação particular de ~q e ¯hωph. A Figura 2.2b esquematiza um processo

de ressonância simples. A Figura 2.2c, por sua vez, ilustra o efeito da mudança da energia do fóton incidente no espectro Raman. O vetor de onda do elétron na qual a primeira ressonância ocorre (pontos a e a’) é maior para lasers de maiores energia (ponto a’), conseqüentemente, o fônon que espalha o elétron para a segunda ressonância em b’ terá um maior momentum. Portanto, mudando a energia do laser, é possível, em princípio, medir a dispersão dos fônons.

De maneira geral, essa dependência pouco usual das freqüências Raman no comprimento de onda da fonte de excitação é uma assinatura do processo Raman duplamente ressonante, se o processo envolve fônons com ~q 6=~0.

Figura 2.2: (a) Espalhamento Raman duplamente ressonante e (b) simples ressonante. (c) Ilustração da energia da luz de excitação sobre o fônon em um processo duplamente ressonante

[29].

Os exemplos da Figura 2.2 foram úteis para uma ideia inicial, porém estão restritos a espa- lhamentos do tipo Stokes e com ressonância na incidência. Esquemas mais gerais são mostrados na Figura 2.3, onde na primeira linha temos ressonância na incidência e na segunda linha a res- sonância ocorre no espalhamento. As oito imagens dessa figura referem-se a processos Stokes, mas os processos anti-Stokes são obtidos simplesmente invertendo os sentidos das setas indi- cativas de ressonância. A Figura 2.3 é muito útil pois sumariza os conceitos de espalhamento Raman de primeira e segunda ordem e deixa claro a quantidade de fônons envolvidos em cada processo. Na Figura 2.3a temos um processo Raman de primeira ordem com apenas um fônon envolvido. Em (b), também há apenas um fônon envolvido, porém um segundo espalhamento (elástico) ocorre através de um defeito. Em (c), vemos um processo Raman de segunda ordem com a emissão dois fônons. Para exemplificar, a Tabela 2.1c lista algumas das principais bandas encontradas no espectro Raman de nanotubos de carbono e as relaciona com o tipo de espalha- mento que as explica. Não entraremos em detalhes no momento pois nanotubos de carbono é assunto do Capítulo 5.