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Observação da estrutura de domínios ferroelásticos do

3 Estudo de vários materiais usando microscopia confocal

3.4 Observação da estrutura de domínios ferroelásticos do

vanadato de chumbo (Pb

8

O

5

(VO

4

)

2

)

Inicialmente falaremos sobre a ferroelesticidade por ser o assunto principal de alguns tra- balhos que serão discutidos nesse capítulo. Em seguida, focaremos no estudo dos domínios ferroelásticos do Pb8O5(VO4)2.

3.4.1 A ferroelasticidade

Quando forças de cisalhamento são aplicadadas a um cristal, freqüentemente se observa uma resposta altamente não linear. Os materiais ferrolásticos pertencem a uma classe de mate- riais com resposta não linear e não biunívoca às tensões aplicadas [72]. Estes tipos de materiais são considerados os análogos mecânicos dos materiais ferroelétricos e ferromagnéticos. De fato, o conceito de ferroelasticidade foi introduzido em analogia direta com ferroeletricidade e ferromagnetismo. As curvas de histerese (Figura 3.8) são a característica do "efeito ferroelás- tico", que é definido como o intercâmbio mecânico entre pelo menos dois estados orientacio- nais do cristal, também chamados de domínios. Assim, o comportamento mecânico da curva de histerese está relacionada à estrutura de domínios do material ferroelástico. Um cristal fer- roelástico foi primeiro definido por Aizu [73] como um cristal que possui um ou mais estados orientacionais na ausência de tensão mecânica, e esses estados podem ser intercambiados pela aplicação de um esforço mecânico.

O tamanho da histerese ferroelástica depende sensivelmente de parâmetros termodinâmicos como a temperatura, a pressão ou a composição química. A maioria dos materiais ferroelásticos apresentam uma transição de fase entre a fase ferroelástica e a paraelástica e os domínios ferroe- lásticos ocorrem como um resultado da redução da simetria entre essas duas fases. A orientação dos estados foi estudada teoricamente por Sapriel [75] em 1975 e ele sugeriu que existem dois tipos de paredes de domínio, chamadas de W e W’. As paredes tipo W têm suas orientações governadas somente por questões relacionadas à simetria, enquanto que as classificadas como W’ dependem dos valores das componentes do tensor da tensão.

Figura 3.8: Histerese de ferroelasticidade do Pb3(PO4)2[74].

Cristalograficamente, a estrutura de domínios ferroelásticos é de grande interesse pois ela representa um exemplo incomum de twinning, onde os planos que o compoem, i.e., as paredes de domínio, nem sempre coincidem com um plano de índices racionais de Miller. Além disso, os materiais ferroelásticos são potencialmente úteis em aplicações nanotecnológicas. Padrões de twin ferroelásticos ocorrem exatamente na escala nano e por isso o entendimento desses cris- tais pode contribuir para o modelamento de nanoestruturas eletrônicas [74]. Outra razão para a atenção sobre essas substâncias é a descoberta de muitos minerais naturais que são ferroelásti- cos e que a interação deles com a atividade biológica, a corrosão e o comportamento geológico estão largamente determinados por esta propriedade [76–78].

3.4.2 Domínios ferroelásticos do vanadato de chumbo

A fase cristalina do Pb8O5(VO4)2 (PVO) à temperatura ambiente é um tanto quanto con-

troversa e sua simetria ainda não foi determinada com clareza. Um artigo publicado por Von Hodenberg [79] informa que a fase à temperatura ambiente do PVO é monoclínica com os possíveis grupos espaciais: C2, Cm ou C2/m, com Z = 8.

Embora a determinação definitiva da estrutura à temperatura ambiente do PVO esteja in- completa, as suas mudanças de fase com o aumento da temperatura já foram relatadas. Dudnik e Kolesov [80], por exemplo, observaram uma transição de fase de segunda ordem à 426 K. Andress e Fischer [81] e Annenkoff et al. [82] relataram a observação de uma transição de fase de primeira ordem à 444 K. Baggio et al. [83] determinou a seguinte seqüência de transições

de fase:

FASE I−−−−−−−−→426K FASE II−−−−−−−−→523K FASE III.

Como a estrutura cristalina do PVO ainda não é conhecida, a teoria de grupos não pôde ser devidamente aplicada e a identificação dos modos vibracionais é sugerida a partir do cristal Pb8O5(AsO4)2, que é monoclínico e pertence ao grupo espacial C32h, com Z = 4. O espectro

Raman do PVO é visto na Figura 3.9 e os três picos intensos encontrados em 813, 826 e 836 cm−1 são associados, segundo a nossa interpretação, ao modo de estiramento simétrico ν1 do

VO4, e os seis modos de baixa intensidade em 693, 718, 736, 761, 772 e 787 cm−1ao modo de

estiramento antissimétrico ν3[84]. Escobar e Baran [85] mediram o espectro infravermelho do

PVO e seus resultados associaram as bandas em 770 e 820 cm−1ao modo ν3e os picos em 340

e 360 cm−1 ao modo de deformação ν4.

Figura 3.9: Espectro Raman do Pb8O5(VO4)2.

A evolução térmica dos domínios ferroelásticos do PVO é claramente observada nas ima- gens de microscopia polarizada apresentadas na Figura 3.10(a-c). À temperatura ambiente, os diferentes tipos de estruturas de domínio são observados: (1) dois conjuntos de domínios quase ortogonais com um formato fino e alongado que lembra uma agulha, chamados de domínios tipo a, e (2) alguns domínios formando 45 graus em relação anterior com uma forma similar à de uma cunha (tipo b) (Figura 3.10a). À medida que a temperatura aumenta, uma mudança no padrão de domínios é identificada em torno de 426 K, como mostrado na Figura 3.10b. Nesta temperatura, os domínios "tipo a" desaparecem, o que está de acordo com o que foi observado

por Baggio et al. [43, 83]. Estes autores mediram o ângulo entre os domínios "tipo a", mos- trando que eles desaparecem continuamente com o aumento da temperatura seguindo uma lei de potências, caracterizando uma transição de fase de segunda ordem. Domínios "tipo b" são claramente observados até 573 K, como mostrado na Figura 3.10c, quando eles desaparecem repentinamente. Considerando estes resultados e a histerese observada nas medidas de DSC [84], esta última transição de fase tem um caráter de primeira ordem.

Figura 3.10: Imagens do PVO obtidas com um microscópio polarizado às temperaturas de (a) 300 K, (b) 475 K e (c) 500 K. (d) Imagem Raman do pico ν1do PVO.

Figura 3.11: Imagem topográfica do PVO.

Com o propósito de complementar o estudo dos domínios ferroelásticos do PVO à tempe- ratura ambiente, empregamos a microscopia Raman confocal. Além disso, também tentamos, sem sucesso, observar esses domínios com microscopia de força atômica (AFM, atomic force

microscopy) (Figura 3.11). O fracasso nas tentativas de se observar os domínios usando esta técnica deveu-se ao fato de que as paredes de domínio não são proeminentes nos planos de cli- vagem. Apesar disso, os estados orientacionais são facilmente mapeados usando microscopia Raman confocal, como é verificado na Figura 3.10d. Nesta imagem, que é baseada na banda ν1

do PVO, identificamos domínios paralelos e perpendiculares. Esta imagem não é uma medida topográfica, mas uma medida da variação espacial da seção de choque de espalhamento Raman, uma vez que nos domínios e nas interfaces os eixos cristalográficos podem exibir orientações diferentes quando comparadas com a polarização do laser, dando origem a intensidades do es- palhamento Raman que são dependentes da posição. Isso será discutido analiticamente adiante e ficará mais claro na discussão posterior sobre os domínios do vanadato de bismuto. Como foi comentado anteriormente, o plano de clivagem é perpendicular ao eixo principal da rede mo- noclínica e, de acordo com as regras de seleção dos grupos pontuais monoclínicos, os mesmos modos ν1devem ser ativos Raman em qualquer configuração de espalhamento frontal ao longo

do eixo principal. Deste modo, os domínios ferroelásticos não devem ser caracterizados por espectroscopia Raman. No entanto, este não é o caso das paredes de domínio, onde a deforma- ção induzida pela mudança de orientação dos domínios quebra as regras de seleção. Baseado nesta análise, as finas regiões escuras vistas na Figura 3.10d podem ser associadas às paredes de domínio. Assim, aplicando microscopia Raman confocal aos cristais PVO, observamos que os domínios de aproximadamente 3 µm são separados por paredes da ordem de 1 µm.

Neste trabalho, transições de fase de segunda e primeira ordem foram observadas no PbVO4

e confirmadas através de microscopia polarizada. Observando as imagens microscópicas em função da temperatura, notamos claramente variações nas estruturas dos domínios do PVO. A estrutura de domínios ferroelásticos do PVO também foi mapeada espacialmente com sucesso através da microscopia Raman confocal e observamos domínios de aproximadamente 3 µm largura separados por paredes da ordem de 1 µm.

3.5 Estudo dos domínios ferrelásticos do vanadato de bis-