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6 SISTEMA PENITENCIÁRIO E PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL

6.4 Privatização do Sistema Penitenciário e as Experiências Internacionais

6.4.1 Estados Unidos da América (EUA)

A privatização de presídios nos EUA começou no século XIX e repercutiu de forma bastante negativa a ponto de ter unidades prisionais federativas abolidas. Foi o caso de Nova Iorque que, em 1842, editou uma lei proibindo a criação de prisões industriais privadas.

Na gestão de Franklin Delano Roosevelt, em 1935, foi editado o Hawes-Cooper Act, que autorizava os Estados a proibir a entrada de bens produzidos em prisões de outros Estados.

Edmundo Oliveira245 menciona que os EUA iniciaram a privatização por volta de 1985. Um exemplo foi a prisão de Kyle, nos EUA, administrada pela empresa Wachenhut. A administração oferecia a guarda de segurança do presídio e o comando sob esses funcionários. Na época, em 1985, o governo dos EUA pagava US$ 25 (vinte e cinco dólares) por dia e por detento, contra US$ 50 (cinquenta dólares) que o governo despendia com os detentos que ficavam sob a administração e a vigília pública. O bem maior era a ressocialização do detento.

244 United States of America. U.S. Department of Justice. Emerging Issues on Privatized Prisons. Washington DC: Bureau of Justice Assistance, 2001, p. 19.

Foi, contudo, com o presidente Ronald Reagan, com a Reforma 88 e sob a ideologia liberal que a privatização das penitenciárias se estruturou de forma globalizada, com trespasse total dos serviços acessórios (alimentação e tratamento hospitalar), além da administração geral e do controle disciplinar dos presos.

Os primeiros estabelecimentos penais privatizados nesse modelo estavam relacionados à detenção de imigrantes ilegais até a sua deportação. Mas logo o governo compreendeu que poderia utilizar essa sistemática para reduzir o fluxo de despesas ao entregar os demais estabelecimentos para o setor privado. Diante disto, surgem no sistema norte-americano de privatização, três técnicas: o arrendamento das prisões, a administração privada das penitenciárias e a contratação de serviços específicos por particulares.

Pelo arrendamento, as empresas privadas financiam a construção dos estabelecimentos penais para arrendá-los, mais tarde, ao governo. Passam a ser definitivamente propriedade privada somente após certo período. A gestão e os demais serviços continuam sob a responsabilidade estatal.

Esta modalidade privatizante surge em decorrência da dificuldade enfrentada pelas diversas esferas de governo norte-americano em relação aos custos envolvidos. Ao se verem impedidos de afetar as receitas destinadas ao custo operacional do sistema, os americanos foram obrigados a emitir títulos da dívida pública aprovados pelo Poder Legislativo cuja emissão foi limitada a certo montante.

Na segunda técnica adotada pelo modelo estadunidense, além de construir a penitenciária, coube ao setor privado administrá-la. Segundo Marcelo de Figueiredo Freire, a participação do parceiro privado era permitida nas Halfway Houses (estabelecimentos destinados a presos em fase final de cumprimento da pena), nas instituições para delinquentes juvenis e nos estabelecimentos destinados a recolher imigrantes ilegais.246

A privatização de presídios, conforme o modelo adotado nos EUA, poderia ser basicamente a contratação de serviços acessórios (fornecer alimentação, serviços de hotelaria e assistência médica). Nessa categoria estão mais conhecidas prisões privatizadas, as prisões industriais. Esse é o motivo para as empresas privadas contemplarem tal oportunidade. Nesses estabelecimentos penais, o parceiro privado se compromete a abrigar, alimentar, vestir e dar assistência médica aos detentos. Em troca, é permitido explorar o trabalho desses presos.

A Corrections Corporation of America (Corporação de Correção da América- CCA), foi a empresa privada pioneira no promissor negócio de gestão de prisões. Fundada em 1983, atualmente opera com capacidade acima de 80 mil presos, em 66 unidades nos EUA.

A CCA implementou junto ao poder público um sistema de privatização total. Ela constrói e administra as penitenciárias. O Estado apenas paga pela estadia do preso, sem qualquer ingerência na direção do estabelecimento e se restringe a fiscalizar a atuação do parceiro privado.

O federalismo estadunidense é descentralizado. Suas unidades federadas têm muita autonomia, o que significa que suas competências legislativas são mais amplas que as do Brasil. Por isso, o panorama de modelos privatizantes no setor prisional pode ser demasiadamente heterogêneo. Na maior parte dos estados, os EUA adotaram esse modelo de privatização.

Tem-se que 32 estados dentre 50 adotaram a privatização do sistema penitenciário247. Assim como no Brasil, a privatização das penitenciárias custa mais aos cofres públicos.

Em estudo comparativo de custas operacionais e qualidade de serviço oferecido248, dentre 5 estados verificados – Texas, Novo México, Califórnia, Tennessee e Washington – apenas no Texas houve uma economia

247 Disponível em: http://www.businessinsider.com/new-hampshire-plans-to-privatise-prisons-2012-8 Acesso em: 10 set. 2012.

248 Report to the Subcommittee on Crime. Private and Public Prisons. Studies Comparing Operational Costs and/or Quality of Service. Agosto, 1996.

substancial de 14% a 15% em relação ao setor público. Em Washington, a economia apresentada foi aproximadamente 7%.

Uma das discussões sobre a privatização das penitenciárias ou gerência pelo setor privado é se as empreiteiras, como contribuintes, conseguem operar com custo menor e o mínimo de qualidade. Apesar do estudo ter se voltado mais para uma análise comparativa entre as penitenciárias privatizadas (e não com as públicas), verificou-se que em locais privatizados havia mais assistentes jurídicos à disposição dos detentos em comparação às unidades públicas.

Ao comparar a qualidade das prisões públicas e privadas nos EUA em 2002249, foi relatado que nas unidades privatizadas houve menos fugas e motins, melhor segurança, ordem e melhores programas educacionais. Também, em unidades privadas houve melhor monitoramento e uso de tecnologia do que nas unidades públicas. Do total, 44% das unidades privatizadas receberam o selo da Associação Correcional Americana (ACA) por atenderem ao mínimo de qualidade exigida dentro dos complexos prisionais, contra 10% das unidades públicas. De forma geral, as unidades privatizadas apresentaram significativas melhorias nos EUA.

6.4.2 Inglaterra

A Inglaterra já usava empresas privadas para transportar presos às colônias da América do Norte e da Austrália. Ambas faziam isso em troca da outorga do direito de comercializar os seus serviços obrigatórios.250

Contudo, a privatização das prisões surgiu apenas em 1984, a partir da proposta do Instituto Adam Smith. Em 1985, McConville e Willians, dois acadêmicos britânicos, lançaram uma proposta privatizante semelhante.

249 Disponível em:< http://www.burnetcountytexas.org/docs/6-Segal-Commission-on-PrisonAbuse.pdf> Acesso em: 01 nov. 2012.

250 UNITED STATES OF AMERICA. U.S. Department of Justice. Emerging Issues on Privatized

Em 1986, o parlamento britânico, pressionado a resolver o problema da superlotação em suas penitenciárias, formou um comitê para examinar os presídios privados estadunidenses. O comitê inglês, presidido por Sir Edward Gardner, recomendou construir e administrar prisões pela iniciativa privada251, que inicialmente era dirigida apenas aos presos provisórios.

O sistema carcerário britânico foi gradualmente sendo oferecido aos entes privados, com um leque cada vez mais amplo de serviços a serem prestados ao Estado. Nessa escalada privatizante, foi editado um Ato pela Corte de Justiça Criminal, que regulava as relações entre o Estado e os parceiros privados, e estabelecia a forma de organização administrativa, a obrigação de prestação de contas, os direitos dos presos e o seu controle252

Influenciada pelo modelo estadunidense, a Grã-Bretanha adotou a privatização total, com o trespasse dos serviços acessórios e da administração geral.

Marcelo de Figueiredo Freire, ao comparar os modelos inglês e norte-americano, afirma que a privatização inglesa foi pautada pela ideologia liberal do laissez-faire, e não na incapacidade financeira de construir e manter o sistema prisional, tal como os EUA. Neste país, as receitas para construir penitenciárias eram arrecadadas por meio de títulos da dívida pública, que deveriam ser necessariamente autorizados pelo Poder Legislativo. Na Inglaterra, por sua vez, o financiamento do sistema penitenciário é custeado pelos impostos e por empréstimos ao mercado.

Portanto, a Inglaterra, apesar da maior facilidade em angariar fundos para construir suas penitenciárias, assimilou a privatização prisional com o intuito de se conformar ao ideário liberal da mínima participação do Estado.

6.4.3 França

251 McDONALD, Douglas C. Public imprisonment by private means: the re-emergence of private

prisons and fails. Oxford University Press, p. 33.

Em meados do século XIX, as leis francesas previam estabelecimentos para menores infratores, que poderiam ser fundados e dirigidos por particulares, mediante a autorização e a fiscalização estatal. Embora não possamos registrar como uma atividade prisional privada, podemos citar esta prática como um precedente da privatização de prisões na França.253

Somente em 1986, em meio à crise do sistema penitenciário francês (superpopulação carcerária, aumento da taxa de criminalidade, cárceres insalubres e tratamento penal subumano), e por significativa influência das penitenciárias privadas dos EUA foi levado ao parlamento francês o Projeto 15 mil, que pretendia criar 15 mil vagas no sistema penitenciário.

O projeto visava reduzir o déficit do sistema penitenciário, que tinha 51mil presos para uma capacidade estimada de 32.500254; logo, um excedente de 18.500.

Por esse projeto, 15mil vagas seriam entregues ao setor privado para a construção e administração de penitenciárias em terrenos públicos ou privados. Nesta última hipótese, ao final da construção, a unidade prisional seria entregue ao Estado.

O modelo estadunidense serviu apenas como uma inspiração. A privatização integral255, uma das intenções do projeto, foi repudiada pelo parlamento francês, que após vários debates entre parlamentares e juristas256, aprovou um modelo de cogestão ou de dupla responsabilidade. Cabia ao Estado e ao parceiro privado a gestão e a direção conjunta da unidade prisional. Havia um período probatório de 5 anos, no qual o Estado francês impôs expressiva fiscalização sobre a unidade penal privatizada.

253 Nesse sentido: ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; SANTOS, Eliane Costa dos; BORGES, Rosângela Maria Sá. O modelo de privatização francês. in ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. (Coord.)

Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995, p. 67-88.

254 F. BOULAN (dir.) Les prisons dites « privées »: une solution à la crise pénitentiaire?, Actes du

colloque d’Aix-en-Provence, Presses Universitaires d‟Aix-Marseille, 23-24 janvier, 1987.

255 No modelo estadunidense de privatização são entregues ao ente privado, além da construção da penitenciária, os poderes de gestão e direção prisional, inclusive os serviços de vigilância e segurança. 256 F. BOULAN (dir.) Les prisons dites « privées »: une solution à la crise pénitentiaire?, Actes du

Neste contexto, foi aprovada na França a Lei 87/432, de 22 de junho de 1987, que autorizava o trespasse de atividades acessórias (hotelaria, assistência médica, oficinas, organização do trabalho e atividades de lazer) e a responsabilidade quanto a assistência social, jurídica, espiritual e relativa à saúde física e mental dos presos. Ao Estado, competiam as atividades de poder de polícia e relativas ao núcleo da execução penal.

As atividades consideradas indelegáveis permaneciam sob a responsabilidade do Diretor da prisão, nomeado pelo Estado. Também eram ressalvadas ao Estado as funções de segurança e vigilância da população intramuros257 exercidas por agentes nomeados pelo parceiro público.

Esta lei ficou conhecida como “lei de compromisso”258 pois a despeito do Ministério da Justiça querer executar o projeto, e realizar licitação para contratar as empresas que dariam início à construção das penitenciárias, ele não foi implementado devido às eleições presidenciais de 1988.

Com uma nova configuração (Partido Socialista), o projeto foi alterado para oferecer 13mil vagas e passou a se chamar Projeto 13mil. Segundo João Marcello de Araújo Júnior, a proposta nada tem de privatizante259.

Em janeiro de 2011, a França tinha 49 estabelecimentos em regime privado, seja com terceirização de serviços ou em parceria público-privada260. Segundo o Ministério da Justiça francês, a direção e a vigilância dessas unidades prisionais continuam sob a responsabilidade do Estado261.

257 Art. 2º, Lei 87/432: “O Estado pode confiar a uma pessoa de direito público ou privado ou a um grupo de pessoas de direito público ou privado uma missão versando ao mesmo tempo sobre a construção e a adaptação de estabelecimentos penitenciários. A execução desta missão resulta de uma convenção assinada entre o Estado e a pessoa ou grupo de pessoas segundo um rol de obrigações aprovado por decreto. Estas, pessoas, ou grupos, são designadas ao final de um processo licitatório. Nos estabelecimentos penitenciários, as funções outras que de direção, cartório, vigilância, podem ser confiadas a pessoas jurídicas de direito público ou privado segundo uma habilitação definida por decreto. Estas pessoas podem ser escolhidas em processo licitatório na forma prevista na alínea precedente.”

258 LÉUTÉ, Jacques. Les prisons. Paris: Presses universitaires de France, 1989.

259 ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995 p. 86. 260 Em 2009, foi inaugurada a Centre de détention de Roanne; considerada a primeira unidade prisional construída e operada em regime de parceria público-privada. Construída em uma área de 27 mil m², com capacidade para 600 presos, divididos em duas partes de 240 células para homens e 90 para mulheres, incluindo 30 vagas para os recém-chegados, uma ala de segregação de 12 vagas, e uma área disciplinar de 14.

261 Disponível em <http://www.justice.gouv.fr/prison-et-reinsertion-10036/les-chiffres-clefs-