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4 TEORIAS DA PENA E SUA FINALIDADE

5 DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENITENCIÁRIO NO BRASIL

5.4 O Penitenciarismo e a sua Evolução Histórica

Por ser objeto do Direito Penitenciário, o regramento referente às penitenciárias – assim entendidas como locais institucionalizados que recebem os condenados à pena privativa de liberdade – e o estudo de sua evolução perpassam a evolução da própria pena de encarceramento.

156 CARVALHO FILHO, Milton Júlio De. Do Cárcere à Rua. Um estudo sobre homens que saem da

prisão. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006. Biblioteca digital.

157 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. São Paulo: Martins Fontes, São Paulo. 2008, p.149-161.

158 Id.,Ibid., p.150. 159.Id.,Ibid., p.161.

Assim, como qualquer outro elemento cultural160, o estabelecimento penal, como existe atualmente, percorreu uma escalada evolutiva no decorrer da história. Conforme veremos adiante, tal jornada está intimamente relacionada à evolução histórica da pena privativa de liberdade como uma sanção penal.

Nessa investigação de cunho histórico, o escritor especialista em história da Antiguidade Latina, Christian Matthias Theodor Mommsen161, em trabalho sobre o direito romano, relata que na ordem jurídica da Antiga República, a prisão era tida apenas como um meio coercitivo do Estado162. Ela somente viria a ser considerada pena, isto é, reprimenda de origem estatal por infringência à norma de relevância qualificada, a partir do Direito Canônico.163

Esse conjunto normativo vem da Antiga Igreja Romana, com origem na Idade Média quando introduz a pena de prisão. Mas, conforme alerta Romeu Falconi, naquela ocasião, ela não cumpria o objetivo da atual sanção penal privativa de liberdade.164 Referiam-se à reclusão em mosteiros e eram destinadas àqueles clérigos que infringissem as normas eclesiásticas ou aos condenados por crime de heresia.

Historicamente, as reclusões do direito penal canônico ganham relevância quantitativa a partir da Inquisição, um dos instrumentos de repressão às doutrinas consideradas heréticas pela Igreja Romana. Em que pese serem mais conhecidas as penas de morte, os Tribunais de Inquisição tinham a possibilidade de impor outras espécies de penas, como o confisco e a pena privativa de liberdade.

A prisão eclesiástica foi a precursora do sistema penitenciário moderno e, também, a fonte de fundamento à pena privativa de liberdade, ambos

160 Objeto cultural, enquanto locução técnica, entendida como qualquer objeto “constituído pelo homem para alcançar determinada finalidade” (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do

Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 86)

161 Prêmio Nobel de Literatura, em 1902, por História de Roma.

162 Igualmente nesse sentido: GUZMAN, Luis Garrido. Manual de Ciencia Penitenciária. Madrid: Edersa, 1983.

163 MOMMSEN, Christian Matthias Theodor. Derecho penal romano. Tradução de Pedro de Garcia Dorado Montero. Bogotá: Editorial Temias, 1976, p. 559.

nos aspectos material e lógico165, dando-lhe um contorno humanizado de punição. O termo “penitenciária” está etimologicamente vinculado à palavra “penitência”, que denota justamente ao sacramento da Igreja Romana para remissão dos pecados confessados.

Com efeito, foi no sistema penitencial canônico que surgiu o isolamento celular, que oferecia ao recluso a possibilidade de se arrepender e de buscar expiação para os pecados cometidos.

Na Idade Moderna, segundo Heleno Cláudio Fragoso166, o sistema prisional remonta às chamadas Houses of Corrections (Casas de Correção), de 1575, que por sua vez teve sua unidade pioneira no castelo abandonado de Birdwell, em 1552, na Inglaterra.167

Segundo Max Grünhut, as Casas de Correções britânicas eram destinadas às pessoas que viviam em ócio habitual, forçadas a trabalhar para que pudessem ser novamente inseridas na sociedade.168

Na sequência, ainda na Inglaterra, em 1697, surge a primeira Workhouse, ou Casa de Trabalho169. Em que pese assumirem alcunha diversa das Casas de Correção, as Casas de Trabalho traduzem a mesmo ideologia destas últimas, isto é, a reabilitação do recluso por meio da atividade laboral, que foi igualmente implantado na Holanda, em 1596 e 1597, para homens e mulheres, respectivamente. Assim como foram adotadas na Inglaterra, as casas de correções holandesas era destinadas apenas àqueles que cometeram delitos de menor gravidade.170

Diante desse resumido processo evolutivo da pena privativa de liberdade, depreendemos que o encarceramento institucionalizado passou de uma

165 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.12. 166 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Sistema do duplo binário: vida e morte. Vol. III. Studi in memoria di

Giacomo Delitala , A., 1984.

167 É importante registrar que a origem aqui relatada não é pacífica entre os pesquisadores, sendo que Valdés (1982) vincula o início das prisões à Holanda, por volta do ano de 1600.

168 GRÜNHUT, Max. Penal reform. New York: Claredon Press, 1948. p.15.

169 VALDÉS, Carlos García. El nacimiento de la pena privativa de libertad. Cuadernos de Política Criminal, 1977, p. 43-44.

finalidade estritamente de custódia para a de sanção penal, a partir do direito canônico da Idade Média.

Em sua escalada evolutiva, noutro plano, a pena privativa de liberdade passou a ter, em meados do século XVI, na Inglaterra e na Holanda, uma íntima relação com os trabalhos forçados por parte dos reclusos, o que para Foucault171, Dario Melossi e Massimo Pavarini172, passava a ser um considerável coeficiente de reforço aos índices produtivos, seja em benefício do Estado ou de particulares, fortalecendo, assim, o então incipiente sistema de produção capitalista .

Na segunda metade do século XVIII, surge um movimento de oposição à crueldade da legislação penal então vigente, que em detrimento da dignidade do homem173, acabara por se tornar um instrumento de dominação em posse das classes mais abastadas. Essas insurgências provocaram a reforma do sistema punitivo, que teve Cesare Beccaria174, John Howard e Jeremy Bentham entre os seus principais expoentes.

Cesare Beccaria (1738-1795), diante de uma concepção nitidamente contratualista, extravaza a necessidade de impedir a crueldade das penas, sobretudo, as de morte e de castigos corporais, em defesa de uma visão utilitarista da pena.

Suas ideias sobre a prisão contribuíram para o processo de humanização e de racionalização da pena privativa de liberdade que, segundo ele, deveria possibilitar ao detento o preparo para retornar ao convívio da social para que ele deixasse de cometer crimes.175 Estas finalidades da pena são chamadas de prevenção especial e geral.

John Howard (1726-1790), contemporâneo de Beccaria, e conhecedor das obras deste último, diferencia-se em sua pesquisa e escritos por

171 FOUCAULT, Michel. A história da loucura: na idade clássica. Tradução: José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2009.

172 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcel y fábrica: los orígenes del sistema penitenciario. México: Siglo XXI ed., 1985.

173 Expressão utilizada à época, muito embora seja preferível „dignidade da pessoa humana‟. 174 Na verdade, Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria.

175 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad.: Nélson Jahr Garcia. Ridendo Castigat Mores, 2001.

ser notoriamente mais pragmático. Impulsionado por convições religiosas (calvinista) e humanistas, percorreu grande parte da Europa visitando diversas prisões e constatou, de modo alarmante, suas deploráveis condições.

Sua maior militância era pela humanização das prisões, que ele entendia ser apropriadas à função essencial de reabilitação. Defendia o isolamento noturno, o trabalho obrigatório, a separação entre homens e mulheres e por faixas etárias, e foi precursor de uma classificação elementar de pessoas submetidas ao encarceramento: processados, condenados e devedores.176

John Howard defendia ainda a presença permanente do controle jurisdicional para impedir abusos por parte dos carcereiros 177, muito comum nas prisões da época.

Em 1787, Jeremy Bentham, nascido em Londres, encaminhou cartas de Crecheff (Rússia), à Inglaterra para “uma pessoa em particular, tendo em vista um estabelecimento particular” 178, que, mais tarde, reunidas, tomaram a forma de O Panóptico179.

O escritor sugere ao destinatário das cartas um modelo de casa de inspeção penitenciária, de forma que o estabelecimento fosse melhor supervisionado e o propósito do local, alcançado.

Esse modelo apresenta uma torre central (que seria o centro da circunferência) com celas posicionadas às margens do círculo, divididas e fragmentadas por raios. Desta forma, cada detento ficaria isolado visualmente um do outro mas o supervisor poderia ter uma ampla visão de todos eles ao seu redor.

A finalidade do modelo também tinha cunho econômico. Jeremy Bentham falava sobre a economia que seria gerada com a sua implantação, sugeria que a administração fosse realizada por meio de contratos com os interessados em administrá-los, vencendo aquele que oferecesse o menor preço.

176 BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42.

177 SCHAFER, Stephen. Introduction to criminology. USA: Reton Publishing Company, 1976. p.215- 216.

178 BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Trad. Guacira Lopes Louro; M.D. Magno; Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica. 2000, p.15.

Mariano Ruiz Funes nos informa que, apesar de o modelo panótico ter sido aprovado pelo parlamento inglês, nada foi feito. Entretanto, a arquitetura acabou sendo adotada no mundo inteiro.180

Para o filósofo e jurista inglês, o estabelecimento penitenciário deveria ser o símbolo de uma situação malquista pelos demais cidadãos, fazendo com que estes evitassem cometer novos delitos.

O panóptico, por outro lado, é mais do que uma concepção meramente arquitetônica; revela o prestígio que Jeremy Bentham conferia à segurança e à dominação sobre os reclusos. Para o autor, o trabalho era fundamental para a reabilitação; condenava, entretanto, as atividades penosas e inúteis.

Estes são, portanto, os precedentes históricos e filosóficos que determinaram, e ainda determinam, o processo evolutivo das penas e, por conseguinte, das penitenciárias, conforme veremos nas linhas seguintes que tratarão dos três grandes sistemas penitenciários: sistema pensilvânico ou celular, sistema auburniano e sistemas progressivos.