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4 TEORIAS DA PENA E SUA FINALIDADE

5 DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENITENCIÁRIO NO BRASIL

5.6 Sistema Penitenciário Brasileiro

Do mesmo modo que na Europa, até a promulgação do Código Criminal de 1830, a prisão cumpriu um papel eminentemente de custódia de presos provisórios que aguardavam julgamento definitivo, ou de condenados que esperavam a execução de sua pena, principalmente a de morte202. Isto porque as Ordenações Filipinas prescreviam a pena capital ou a de castigos corporais para a maior parte dos crimes203.

Na época do Império, o desenvolvimento de um sistema penitenciário voltado à reabilitação do sentenciado ainda não existia. Os estabelecimentos penais chamavam a atenção pela ausência de qualquer princípio de ordem, higiene e moralização. Assim, os presos provisórios ou definitivos, políticos ou não, por qualquer motivo (ou sem qualquer motivação), eram

201 MONTESINOS, Manuel. Bases en las que se apoya mi sistema penal. Valencia: Imprenta del Presidio, REP, 1962, p. 291.

202 GOULART, Henny. A individualização da pena no direito brasileiro. São Paulo: Brasileira de Direito Ltda., 1975.

„armazenados‟ na „Cadeia Velha‟, na do Arsenal da Marinha e nas fortalezas de Santa Cruz e São João (Rio de Janeiro), nas prisões da Fortaleza de São José da Ilha das Cobras e de Santa Bárbara, ambas localizadas na Baía de Guanabara, ou no presídio central do Império, em Fernando de Noronha204.

O penitenciarismo brasileiro, com regulamentação própria, preocupação sistêmica e funcional, surgiu no século XIX, com as Casas de Correções, inspiradas nas Houses of Corrections britânicas.

A Casa de Correção do Rio de Janeiro, inaugurada em 1850, tinha oficinas de trabalho. Embora Henny Goulart informe que essas oficinas nunca tenham funcionado205, a orientação para o trabalho é um forte indício de um incipiente sistema penitenciário brasileiro.

Alguns anos após a instituição da Casa de Correção do Rio de Janeiro, foi implantado no Brasil o sistema auburniano, que adota o isolamento nas celas durante à noite e o trabalho em comum, de dia, em absoluto silêncio206.

Contudo, nos relata Henny Goulart que o regulamento não foi efetivado. A gestão desses estabelecimentos penais ficou ao arbítrio das autoridades policiais, sem qualquer controle jurisdicional, configurando uma das causas do mau regime penitenciário brasileiro.

A partir do Código Penal republicano (1890), o ordenamento passou a prever quatro modalidades de penas privativas de liberdade: a prisão celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório e a prisão disciplinar. Para a execução dessas espécies de pena, foi adotado um sistema misto.

Antônio José da Costa e Silva207 relata que, para penas de prisão celular superiores a 6 anos, foi adotado o sistema progressivo, com o isolamento pleno na primeira fase, seguida de outra, que previa trabalhos em comum durante o dia, mas em silêncio absoluto. Após esses dois períodos, o preso poderia,

204 MORAES, Evaristo de. Prisões e Instituições no Brasil. Rio de Janeiro: Cândido de Oliveira, 1923. 205 GOULART, Henny. Penologia I. São Paulo: Brasileira de Direito, 197-. p.69.

206 Art. 2º do Decreto nº 8386, de 14 de janeiro de 1882.

207 SILVA, Antonio José da Costa e. Código penal dos Estados Unidos do Brasil comentado. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p.103.

mediante determinadas condições, cumprir o restante da pena em uma colônia agrícola e, finalmente, obter o livramento condicional.

O sistema auburniano, por outro lado, foi aplicado às penas de prisão celular inferiores a 6 anos. Quanto às penas de reclusão e de prisão com trabalho obrigatório, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil nada mencionou a respeito dos regimes para executá-las.208

Com exceção de São Paulo, que conseguiu efetivar ao menos em parte esse sistema pluralístico, o modelo penitenciário previsto pelo Código Penal de 1890 não foi obedecido pelas demais unidades federativas, principalmente por falta de aparelhagem que garantisse aos condenados o exercício laboral no cumprimento de suas penas. No caso de ausência de penitenciárias agrícolas, o sentenciado deveria cumprir a pena em uma prisão simples.

A partir do Código Penal de 1940, o direito penitenciário brasileiro adotou exclusivamente o sistema progressivo209. Segundo Roberto Lyra, integrante da comissão revisora do projeto de Alcântara Machado, o Brasil assimilou os princípios basilares da progressividade, mas com características próprias à realidade nacional.210

A progressividade do sistema brasileiro do Código Penal de 1940 traz as mesmas quatro fases do sistema irlandês: isolamento total211, isolamento noturno com trabalho coletivo durante o dia; trabalhos em colônias agrícolas em regime de semiliberdade e, finalmente, a liberdade condicional.

Contudo, conforme salienta Henny Goulart, o sistema progressivo pátrio era mais flexível às condições pessoais do sentenciado, ao contrário do sistema rígido de Crofton. Outra característica, que afasta bem o sistema

208 SILVA, Antonio José da Costa e. Código penal dos Estados Unidos do Brasil comentado. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 103.

209 Discordamos de Henny Goulart para quem o sistema contido no código de 1940 seria dual, um sistema progressivo para os apenados com reclusão, e outro não progressivo, para os apenados com detenção. Para nós, o sistema para os detentos é progressivo, ainda que ausente a primeira fase da reclusão (isolamento), pois de um sistema mais rígido (trabalho em comum com isolamento noturno) passa, em seguida, para outros menos rígidos, quais sejam a colônia agrícola e o livramento condicional.

210 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942.

211 Se as condições pessoais do recluso permitirem, e por tempo que não ultrapasse três meses (redação original do art. 30, caput, do Código Penal de 1940).

progressivo brasileiro dos demais, é a de ter abolido a regra do silêncio absoluto durante o trabalho em comum.212

Sem novidade, Henny Goulart, em um levantamento sumário sobre a situação das penitenciárias e os estabelecimentos penais agrícolas, em meados dos anos 70, constata que a notória melhoria legislativa introduzida pelo ordenamento penal não era materializada na mesma proporção, e demonstrava diversos problemas que até hoje são aparentemente incontornáveis.

A autora assinala ainda que, apesar da tendência moderna para implantar estabelecimentos prisionais abertos (sem grades ou cadeados), a tendência da política penitenciária era construir presídios de máxima segurança.

As diversas esferas do governo, bem como juristas e integrantes do Poder Judiciário, visualizavam os fracassos na implantação das medidas ressocializadoras do novo código. Diversas foram as manifestações visando reavaliar o modelo penitenciário adotado.

O projeto de reforma do sistema de penas do Código Penal de 1969, que nunca vigorou, propunha somente serem reservados às prisões fechadas os criminosos de maior periculosidade.

Igualmente foi a manifestação do I Encontro Nacional dos Secretários de Justiça e Presidentes de Conselhos Penitenciários, realizado em março de 1972, conhecido como Moção de Nova Friburgo. Em 11 de julho de 1984, com a reforma da parte geral do Código Penal de 1940, algumas normas do sistema penitenciário passaram à recém-criada Lei de Execuções Penais (nº 7.210, de 11 de julho 1984).

A mais importante inovação trazida pelos dois diplomas foi o afastamento da possibilidade de isolamento total do início do cumprimento da pena em regime fechado. A partir desse momento, só seria possível o isolamento durante o repouso noturno213, ou como espécie de sanção disciplinar214. Quanto ao

212 GOULART, Henny. Penologia I. São Paulo: Brasileira de Direito, 197-. p.72. 213 BRASIL. Código Penal. Art. 34, com redação dada pela Lei nº 7.209/84. 214 BRASIL. Lei de Execuções Penais. Art. 53, inc. IV, de 1984.

último aspecto, foi introduzido o regime disciplinar diferenciado215, que permite o recolhimento do preso em cela individual, por até 360 dias.

Atualmente, o isolamento total é medida excepcional, de natureza disciplinar, e resultado de um processo administrativo que necessariamente deve ser aberto para averiguar a infração disciplinar. Durante esse processo, é assegurado ao preso o direito à ampla defesa 216.

Em um primeiro momento, a pena perde o seu aspecto exclusivamente punitivo e vingativo, com a gradativa extinção das penas capitais e daquelas essencialmente degradantes e cruéis. Posteriormente e, por consequência, constatamos a notória humanização dos sistemas penitenciários, com o afastamento de medidas incompatíveis à reabilitação do preso, como o isolamento pleno e o silêncio absoluto.

Diante dessas considerações histórico-dogmáticas sobre a evolução do direito penitenciário, é possível verificar que essa escalada evolutiva das penas e do penitenciarismo se destinam a uma proteção cada vez maior do indivíduo em face dos arbítrios estatais. Com efeito, a humanização das penas e dos sistemas penitenciários tem íntima relação com a importância atribuída à dignidade humana, como um elemento determinante do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

215 Regime introduzido na LEP pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003.

216 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006.p. 963.