• Nenhum resultado encontrado

6 SISTEMA PENITENCIÁRIO E PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL

6.5 Obstáculos e soluções da política privatizante

O fenômeno privatizante comporta inúmeras e severas críticas vindas dos diversos campos do conhecimento humano. Do ponto de vista econômico, os críticos afirmam que os resultados esperados, ou seja, a redução dos custos do Estado com o sistema prisional, não é significativo ou relevante.

Para a sociologia, o pensamento capitalista voltado primordialmente à obtenção de lucro é incompatível com o objetivo ressocializador da pena. A criminologia, por seu turno, fazendo uso de certas estatísticas, conclui que a entrega das prisões aos entes privados leva a um incremento do fator criminógeno das prisões.

Em âmbito jurídico, afirma-se que a privatização de presídios é inconstitucional por ofender a indelegabilidade de atividade exclusivamente estatal, uma vez que a execução penal é corolário do monopólio da violência pelo Estado de Direito; e mesmo que assim não fosse, alega-se a incompatibilidade com o arcabouço legislativo pátrio, que ainda não prevê delegação de atividades integrantes da execução penal brasileira.

Laurindo Dias Minhoto, valendo-se da experiência estadunidense, assevera que a economia dos EUA não foi condizente com aquela estimada pelo

CA%26url%3Dhttp%253A%252F%252Fepublications.bond.edu.au%252Fcgi%252Fviewcontent.cgi%253F article%253D1200%2526context%253Dblr%26ei%3DhqqzUPWqMIWa8gS2_ID4BQ%26usg%3DAFQjC NENZq172CjfD6Z1iXwF7AcXSGCZ_Q#search=%22privatization%20prisons%20comparative%20uk%22 >. Acesso em: 23 nov.2012.

governo. Por vezes, segundo o autor, alguns cenários de administração privada se converteram em prejuízo aos cofres públicos, pois houve necessidade de aditamento contratual para restabelecer o equilíbrio econômico.264

O autor vai além, ao relatar que naquele país, se há sérias dúvidas em relação à redução de custos na gestão e operacionalização dos presídios, há relatos significativos demonstrando que o setor privado não tem compensado tais encargos financeiros com a administração eficiente e humanitária que se espera dele.265

Assim, para o autor, diante desses fatos, não há motivação econômica para uma manobra tão complexa e tão polêmica. Desta forma, o Estado deveria assumir essa função estatal de primordial importância.

Contudo, a realidade brasileira de privatização, tanto na modalidade de parceria público-privada, quanto na qualidade de terceirização de presídios, é muito diferente daquela vivenciada pelos EUA. Não é possível comparar as ordens jurídicas, tampouco suas realidades socioeconômicas.

No Brasil, ao contrário dos EUA266, o que se verifica é que a privatização do sistema prisional, principalmente por meio da terceirização de serviços acessórios, melhora a qualidade do tratamento dedicado aos presos267.

Esse salto de eficiência obtido somente com um modelo privado de gestão demonstra que os gastos com operacionalização, acompanhada ou não da infraestrutura, são mais baixos que os gastos do poder público. As assertivas serão demonstradas ao apresentarmos os principais exemplos brasileiros de privatização de presídios.

Do ponto de vista sociológico, afirma-se que o ideário capitalista transforma o preso em mero elemento material dos meios de produção. Desta forma, na medida em que a pessoa é condenada, ela deixa de ser tratada como indivíduo, centro de valores, e passa a ser uma mercadoria.

264 MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 82-83.

265 Id., Ibid., p. 84-85. 266 Conforme item 6.4.1 267 V. item 8.

Conforme relatado pelo penitenciarismo, o nascimento das penas privativas de liberdade como sanção penal autônoma, e os centros prisionais como elementos estruturais dessa clausura, têm íntima relação com o capitalismo industrial do século XVII. Em que pese essa gênese do sistema prisional, não é de se negar que as crescentes conquistas dos constitucionalismos moderno e contemporâneo elevaram a penologia a patamares de humanização268 que afastam tal mecanização pretendida pelo empresário privado.

Para os opositores do fenômeno privatizante no setor prisional, trata-se de um silogismo simplista, uma incompatibilidade ideológica entre a finalidade imanente da pena (preponderantemente reabilitadora), e o objetivo último do empresário (ao exercer uma atividade lucrativa). Afirma-se que, se o objetivo da prisão é combater a criminalidade, o objetivo da empresa é somente obter lucro diretamente proporcional à quantidade de presos sob sua guarda. Então, não haverá qualquer interesse do parceiro privado em perseguir aquela finalidade primeira269.

O silogismo tem uma falha lógica ao considerar equivocadamente o lucro e o combate à criminalidade ou objetivo ressocializador da pena como elementos excludentes entre si. Em verdade, é desnecessário, nas atuais circunstâncias, que o parceiro privado se esforce muito para ter um contingente carcerário que lhe seja financeiramente rentável. Aliás, o problema da superpopulação intramuros é uma das questões as quais a privatização se propõe a resolver.

Ademais, a inaptidão do sistema prisional para atuar como fator preventivo do crime não é falha que possa ser atribuída ao estabelecimento penitenciário. Esta função é atributo da pena.

Reiteramos que o modelo privatizante adotado no Brasil não efetua o trespasse do controle da pena, da progressão de regime ou do aumento ou

268 Ver item 2.1.

269 Nesse sentido: ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995, p. 20.

unificação de penas. Essas avaliações estão sob o crivo permanente do Poder Judiciário por serem exercício típico de jurisdição.

Desta maneira, não haverá o risco do gestor privado imputar infrações que agravem a pena do sentenciado e o faça permanecer mais tempo recluso, conferindo assim maiores lucros ao ente privado. Entretanto, os opositores do sistema erram ao equiparar modelos estrangeiros com o brasileiro.

Outra crítica que se faz é na área da criminologia. A privatização, segundo os opositores, elevaria o fator criminógeno do encarceramento. Atribuem tal característica ao fato de que nas prisões privatizadas os funcionários são despreparados, mal treinados e recebem salários baixos. Atualmente, o panorama descrito parece retratar o setor público. Tal argumento se mostra, portanto, infundado.

As técnicas privatizantes que o Brasil tem levado a efeito não transferem a parte substancial da segurança presidial aos cuidados do parceiro privado. Salvo em alguns casos de vigilância interna, na totalidade dos casos, a segurança e a vigilância de muralhas é feita por agentes públicos.

Juridicamente, afirma-se que a privatização de prisões no Brasil não é admitida pela atual ordem jurídica porque o poder de coação investido pelo Estado é indelegável. Afirma-se que não seria válido uma pessoa exercer sobre outra qualquer forma de poder que se manifeste pelo uso da força270. Qualquer proposta que vise ao trespasse desse monopólio da violência seria, portanto, inconstitucional271. Acrescentam os opositores que a imposição do domínio de um particular em relação ao outro ofende o princípio da igualdade, pois coloca o parceiro privado em situação de prestígio em relação a seu igual.

Concordamos com este último posicionamento. Nossa proposta é que a privatização no Brasil seja controlada pelo Poder Judiciário, com rígida fiscalização do Poder Executivo. Isto porque, os poderes estatais que envolvam parcela do monopólio do uso da força devem ser preservados para prestigiar o

270 ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995. p. 12. 271 MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 87.

atual estágio do Estado Democrático de Direito (de índole garantista, concretista dos valores atinentes à dignidade humana, e eminentemente contratualista).

Contudo, a preservação desse núcleo indelegável de poderes não impede o movimento privatístico das políticas neoliberais. Conforme situações de fato abordadas neste estudo, o exercício do poder coercitivo permanece sempre com o Estado. Não há que se falar, portanto, em relação de domínio de um particular em relação ao outro, mesmo porque o ente privado irá gerir somente as atividades acessórias.

Ademais, conforme esclarece Ada Pellegrini Grinover, a execução penal no Brasil é uma atividade complexa, desenvolvida nos planos jurisdicional e executivo272. Segundo a processualista, são atividades administrativas aquelas voltadas ao cumprimento da pena por meio da vida penitenciária do condenado, ou de sua vigilância, observação cautelar e de proteção273. Noutro lado, estão afetos à indelegável função jurisdicional os incidentes da execução, tais como a concessão de livramento condicional, a progressão de regime, o indulto, a comutação de pena e a remição de pena, entre outros.274

Novamente, não se aplicam as críticas pressupostas, pois todas consideram exemplos estrangeiros. Os EUA, em detrimento dos valores e primados constitucionais, trespassam integralmente a direção prisional. Até as sanções disciplinares poderão ser aplicadas pelo diretor do estabelecimento penal. Nesse sistema, até o diretor penitenciário pertence aos quadros da administração privada. Reiteramos que estas características não foram e não poderão ser assimiladas pela ordem jurídica brasileira.

Outro argumento contrário à implementação de práticas privatísticas do setor penitenciário no Brasil seria a ausência de legislação específica a respeito. A nosso ver, o direito positivo brasileiro já contém normas

272 GRINOVER, Ada Pellegrini. Natureza Jurídica da Execução Penal. GRINOVER, Ada Pellegrini (coord). Execução Penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência e súmulas. São Paulo: Max Limonad, 1987, p.7.

273 Id., Ibid., p.10.

274 No mesmo sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006. p. 948.

que legitimam a privatização de prisões. A privatização comporta, dentre outras, técnicas da parceria público-privada e a terceirização.

Para o primeiro caso, há a Lei 11.079/04, que institui normas gerais para a licitação e a contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública; para a segunda modalidade, o direito positivo brasileiro há tempos admite a contratação de pessoa jurídica estranha à sua intimidade para a execução indireta de serviços acessórios, instrumentais e complementares. Em outras palavras, o Estado poderá delegar a um ente privado os serviços que não pertençam às suas atribuições centrais, assim entendidas aquelas determinadas em lei.

Ao fim da breve exposição sobre as críticas e posicionamentos contrários à privatização do sistema prisional, é necessário destacarmos que o modelo nacional deve considerar todas essas reflexões para não incorrer nos mesmos equívocos cometidos pelas privatizações estrangeiras.

A par dessas críticas, passaremos a delinear um modelo de privatização de prisões constitucionalmente adequado, principalmente no que diz respeito ao metaprincípio da dignidade humana e às finalidades essenciais da pena privativa de liberdade.