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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO RODRIGO HENRIQUE COLNAGO O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO

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Academic year: 2018

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O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

DOUTORADO EM DIREITO

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O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira.

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RODRIGO HENRIQUE COLNAGO

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira.

Aprovado em: _____________

Banca Examinadora

Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira (orientador)

Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________

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Dedico esta tese à minha esposa, Simone, pelo carinho, companheirismo e presença constante.

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Agradeço aos docentes da PUC-SP pelos ensinamentos e contribuições valiosas para que este trabalho pudesse ser concluído, em especial, ao meu orientador, Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira, pela compreensão e orientações precisas.

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O presente trabalho traz uma análise crítica sobre a situação do sistema penitenciário nacional frente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Abordaremos a evolução da teoria da pena, desde quando a pena era sinônimo de punição corporal, ao entendimento mais recente de sua finalidade, que é o da ressocialização. Observaremos a divergência de aplicabilidade nos tratamentos intramuros. Serão considerados, precipuamente, um momento em que os direitos do homem e sua integridade estão monitorados de forma global. E desse processo, a participação mais ativa da sociedade, não como um ente separado do Estado, porém integrante ao Estado. Nosso estudo aborda a gestão pública, que trata o homem como “coisa”, à gestão particular, que melhor possui meios para atender aos direitos dos presos. Delimitaremos a atuação tanto do Estado como do particular, e demonstraremos o resultado de uma convergência entre os direitos atualmente protegidos e declarados constitucionalmente, o Estado Democrático de Direito e a nova política de gestão compartilhada, na qual a sociedade tem uma participação mais ativa sobre os serviços públicos.

(7)

This work aims at analyzing the penitentiary system of Brazil in the light of the principle of human dignity, human rights and the right of integrity of its internees. As part of this study, it was mentioned some relevant theories of penalty adopted in penitentiaries throughout the history, from the concept of corporal punishment to the most recent theory of ressocialization. According to the data collected, the existing public infrastructure and services of the penitentiaries is far from providing means to ressocialize the prisoners. In a comparison made between public and private models, it was observed that most public penitentiaries deal with the internees as a human thing, contrary to the private models, in which the internees have the human being rights mostly respected. Although the privatization of services in the penitentiaries has been more effective than the public ones, not all services can be privatized. Under these circumstances, the Author proposes some changes in the present model of privatization, restructuring the management of the penitentiaries, implementing the theory of ressocialization in this system in line with the principles protected in the Constitution.

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INTRODUÇÃO 10

1 SOCIEDADE, ESTADO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 15

2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 21

2.1 Histórico: origem e evolução 21

2.2 Conceito e delineamentos 22

2.3 Eficácia e Conteúdo Mínimo 26

2.4 Dignidade Humana e Direito Constitucional à Liberdade 27

2.5 Pena Alternativa e a Dignidade da Pessoa Humana 28

2.6 Dignidade humana e sistema prisional no Brasil 31

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORIENTADORES DO PODER

PUNITIVO DO ESTADO 42

3.1 Princípio da legalidade 44

3.2 Princípio da Isonomia 46

3.3 Devido Processo Legal 47

3.4 Princípio da proporcionalidade 48

3.5 Princípio da humanidade 50

4 TEORIAS DA PENA E SUA FINALIDADE 53

4.1 Teoria retributiva ou absoluta 54

4.2 Teoria preventiva ou relativa 55

4.2.1 Prevenção geral 56

4.2.2 Prevenção especial 57

4.3 Teorias mistas ou unificadoras 57

4.4 Finalidade da pena no direito penal brasileiro 58

5 DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E

DIREITO PENITENCIÁRIO NO BRASIL 60

5.1 Direito Penal e Processual Penal no Estado Democrático de Direito 60

5.2 O Direito Penitenciário 62

5.3 Lei de Execução Penal 64

5.3.1 A inclusão de Atividades Laborais no cumprimento da pena 68

5.3.2 O trabalho e a ressocialização 69

5.4 O Penitenciarismo e a sua Evolução Histórica 70

5.5 Conceito de Sistema Penitenciário 75

5.5.1 O sistema pensilvânico 76

5.5.2 O Sistema Auburniano 78

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6.1 Conceito de Privatização 87

6.2 Fundamentos da Política Privatizante 89

6.3 Privatização do sistema penitenciário 91

6.4 Privatização do Sistema Penitenciário e as experiências internacionais 97

6.4.1 Estados Unidos da América (EUA) 98

6.4.2 Inglaterra 101

6.4.3 França 102

6.4.4 As experiências internacionais e a realidade brasileira 105

6.5 Obstáculos e soluções da política privatizante 107

6.6 Limites à privatização prisional 112

7 EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E MODELOS ADOTADOS 115

7.1 Parceria Público-Privada 115

7.1.1 Minas Gerais 7.1.2 Pernambuco 7.1.3 Ceará

7.1.4 São Paulo 7.1.5 Mato Grosso 7.1.6 Goiás

7.2 Terceirização das Atividades Acessórias, Instrumentais ou

Complementares 123

7.2.1 Paraná 7.2.2 Ceará 7.2.3 Bahia 7.2.4 Amazonas 7.2.5 Santa Catarina 7.2.6 Espírito Santo 7.2.7 Goiás

7.2.8 Tocantins 7.2.9 Alagoas 7.2.10 Sergipe

7.2.11 Rio de Janeiro 7.2.12 São Paulo 7.2.13 Outros Estados

7.2.14 Penitenciárias Federais

8 COMPARATIVO: UNIDADES PRISIONAIS PRIVATIZADAS

E UNIDADES INTEGRALMENTE PÚBLICAS 146

9 SISTEMA PRISONAL PRIVATIZADO: UMA PROPOSTA

TOTALIZANTE 151

CONCLUSÃO 154

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INTRODUÇÃO

(...) demonstrando que o Direito acima de tudo era um fenômeno social e não somente produto do monopólio estatal.

Norberto Bobbio1

A maioria das penitenciárias brasileiras continua abarrotada, oferecendo tratamento desumano aos detentos, faltando-lhes com assistências jurídica e médica.

Com o intuito de dirimir as variadas situações precárias das quais os detentos são submetidos, há pouco mais de dez anos, o Brasil iniciou o sistema de cogestão prisional com empresas privadas em algumas penitenciárias.

O investimento do Estado apresentou resultados positivos em sua grande maioria, tais como a melhoria no tratamento humano dos detentos e na alimentação, a assistência jurídica e médica, a diminuição de motins e de reincidência criminal, entre outros fatores que proporcionaram aos prisioneiros maior respeito à dignidade da pessoa humana.

Durante nosso estudo, confirmamos que o sistema de cogestão prisional brasileiro é a forma de gestão que melhor atende aos direitos decorrentes da dignidade humana dos detentos.

Nosso trabalho tem como objeto a privatização do sistema prisional brasileiro, em congruência com o princípio da dignidade da pessoa humana no Estado democrático de direito e a atual teoria da finalidade da pena no Estado contemporâneo.

A dignidade humana foi, pela primeira vez no Brasil, positivada na Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Apresenta-se como um parâmetro de análise da constitucionalidade do atual sistema penitenciário nacional e impõe uma tomada de posição ativa do poder público.

(11)

Simultaneamente, demonstraremos a ineficiência do Estado quanto à Administração Pública centralizada para prover as condições mínimas suficientes à efetivação dos princípios constitucionais orientadores do poder punitivo, ou que possibilitem a consecução das finalidades pena, segundo as diretrizes do Estado democrático de direito.

A privatização do sistema prisional torna-se, portanto, um meio eficaz de ordem constitucional, que apresenta soluções jurídicas, sociais e econômicas viáveis.

Pelo enfoque conferido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao Estado democrático de direito, discorreremos sobre os aspectos histórico e filosófico desses temas. Preliminarmente, estudaremos a gênese da sociedade civil e do Estado moderno, chegando, por último, ao atual conceito de Estado democrático de direito e suas irradiações necessárias.

Em seguida, abordaremos a dignidade da pessoa humana como pressuposto da razão de existir do direito, em todas as suas manifestações, e em especial, ao direito penitenciário.

Sob as irradiações da dignidade humana, manejaremos o direito constitucional à liberdade, bem como os princípios constitucionais orientadores do poder punitivo estatal, a saber, os princípios da legalidade, da isonomia, do devido processo legal, da proporcionalidade e da humanidade.

Ao abordarmos a tutela da dignidade humana no Estado democrático de direito, serão ventiladas as concepções filosóficas que buscaram tracejar a finalidade ou os objetivos da pena, para ao final concluir que a finalidade da pena deve ser dirigida precipuamente à reabilitação e à ressocialização do preso, e de forma secundária, cumprir a sua função preventiva geral, isto é, dirigida à coletividade.

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democrático de direito e sob as balizas do valor supremo da dignidade da pessoa humana.

O direito penitenciário será, então, alvo de nossas investigações, com o intuito de delinear a peculiaridade das normas referentes à execução da pena privativa de liberdade, sendo logo em seguida, estudada a Lei de Execução Penal, por ser o âmbito geral de operabilidade daquele primeiro conjunto normativo.

No fluxo da nossa pesquisa, o trabalho dará início à sua convergência para o objeto de estudo, identificando os fatores histórico e filosófico do penitenciarismo, que deram origem aos sistemas penitenciários (pensilvânico, auburniano, e sistemas progressivos).

Adentrando ao penitenciarismo e ao estudo dos sistemas penitenciários, percorreremos a história do sistema prisional pátrio. Desde as casas de custódias dos tempos das ordenações portuguesas, passando pela criação da Casa de Correção do século XIX2, que adotava o sistema auburniano, até o atual estágio da progressividade, assimilado pelo Código Penal de 1940.

De posse de todo o arcabouço teórico construído até então, o trabalho chegará ao tema principal da privatização do sistema prisional. A primeira abordagem que daremos é a do Direito Administrativo.

Destas conclusões, partiremos para o estudo da privatização de penitenciárias na conformidade das técnicas privatizantes compatíveis com o setor prisional, ou seja, a privatização por meio de parceria público-privada (concessão administrativa) ou por terceirização de atividades acessórias, instrumentais ou complementares.

Quanto a essas técnicas privatizantes do setor prisional, foram colhidos extensos e detalhados dados provenientes, sobretudo, de relatório de órgãos governamentais e de empresas privadas parceiras no empreendimento prisional.

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Nesse ponto, cumpre destacar a dificuldade enfrentada na obtenção de dados atualizados. Constatou-se um grande desrespeito à publicidade de dados da gestão prisional, mesmo com o advento da recente Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12. 527/2011).

Mesmo assim coletamos material suficiente a evidenciar a situação mais atual dos presídios privatizados.

Sob a técnica parceria público-privada, constatamos a presença desta modalidade nos seguintes Estados: Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, São Paulo, Mato Grosso e Goiás. A única em funcionamento é a de Minas Gerais; as demais estão em fase de estudo, licitação ou de contratação.

No regime de terceirização3 de atividades acessórias, instrumentais ou complementares, um grande número de Estados realiza trespasse de serviços, variando entre a privatização do simples fornecimento de alimentos e a terceirização de todos os serviços concernentes à hotelaria (alimentação, vestuário, limpeza), manutenção das instalações físicas, etc.

A par de todos os dados colhidos, será, então, possível traçarmos um comparativo entre as unidades prisionais que sofreram algum tipo de privatização e aquelas que permaneceram sob a administração exclusivamente pública.

Neste momento, serão demonstradas empiricamente as melhores condições em que se apresentaram as penitenciárias que operaram em regime privatizado, ao menos num panorama geral.

Como a privatização do setor prisional teve início em países estrangeiros, traçaremos uma linha comparativa do sistema penitenciário, principalmente, mencionando os Estados Unidos da América, da Inglaterra e da França.

Ao final do trabalho, será exposto que a atual ordem constitucional, fundamentada na dignidade da pessoa humana, urge por uma melhoria de estado das nossas prisões contra a situação alarmante em que estas se encontram.

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1 SOCIEDADE, ESTADO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A atual sociedade civil4 é uma criação humana lastreada principalmente na conveniência entre os seus membros. Ela surge quando o homem descobre a necessidade de viver com outros, criando agrupamentos voluntários de relações intersubjetivas.5

As pessoas se reúnem em função das necessidades humanas, do medo, e constituem relações de utilidade recíproca6. Assim como o homem possui uma tendência para se associar aos seus semelhantes de forma a desenvolver suas capacidades naturais, ele tende a se isolar, possui uma qualidade antissocial de centralizar tudo para o seu próprio interesse7.

É dessa tendência para a dissociação que deflagra o bellum omnia omnes8, a guerra de todos contra todos, necessitando que o agrupamento voluntário renuncie à parcela de sua liberdade, ampla e irrestrita, como forma de cessar esse estado permanente de insegurança no convívio social. Transita-se do estado de natureza do homem para o pacto ou contrato social9.

Surge o Estado10 enquanto ente regente das relações intersubjetivas; aquele que passa a figurar como mediador, fiscal e controlador da sociedade civil, detentor, por toda medida, dos meios de controle social. Cresce e avoluma-se o Leviatã, tornando-se soberano e dotado de poder absoluto.

4 Cumpre esclarecer que aqui se faz um corte epistemológico para apenas assimilar teorias mecanicistas (associação de vontades para consecução de um fim comum, que isolados dos indivíduos seria impossível de

se obter). Para Paulo Bonavides, as teses contratualistas colocam o “assentimento” como base da Sociedade,

e não o “princípio da autoridade” (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 61), tal como o faz as teorias organicistas.

5 FERGUSON, Adam. An Essay on the History of Civil Society. New York: Cambridge, 2003. 6 HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 29.

7 KANT, Immanuel. Duas Introduções à Crítica do Juízo. São Paulo: Iluminuras, 1995.

8 Esta situação de guerra de todos contra todos não é unânime nos contratualistas, sendo peculiaridade das doutrinas formuladas por Hobbes e Spinoza. Para Locke e Rousseau, a condição do homem anterior à Sociedade era de paz e felicidade, respectivamente. Contudo, importante que para os Contratualistas, o estado de natureza (situação humana anterior ao estado de sociedade) é de pouco interesse, com exceção de Rousseau. (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de

Política.Trad.: FERREIRA, João (coord.). Brasília: UnB, 1998, p. 273).

9 Cf. doutrina contratualista com nascimento desde os sofistas, mas conhecida a partir dos filósofos modernos dos séculos XVII e XVIII: Hobbes, Locke e Rousseau.

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Maquiavel foi o primeiro a mencionar o Estado como um ente que exerce domínio sobre os homens na forma de repúblicas ou principados.11

Essa forma de organização jurídica de um povo, fixado em um território, estabelece tanto um poder supremo, em âmbito interno, como um poder soberano no plano internacional. 12

A primeira expressão dessa figura jurídica é o Estado absolutista, centrada na pessoa do soberano, um poder unipessoal, legitimado por um fundamento mítico-religioso. Ao exceder sua finalidade em buscar o bem comum, começa a cometer arbitrariedades.

Nesse contexto, consolida-se o constitucionalismo moderno que abriga os ideais de contraposição àqueles arbítrios estatais, havendo a necessidade de uma lei suprema, Lex Mater, que se consolidou em forma de constituição, a qual até mesmo o poder soberano estatal está adstrito. A esta condição de supremacia da legalidade13 foi dada a denominação de Estado de Direito.

As Constituições, nesse primeiro momento14 cumpriam a pretensão de limitar o poder estatal, que deveria se abster de interferir na vida privada dos indivíduos. A Lei Fundamental, nesse período, assume posição de garantia das liberdades individuais, que eram severamente agredidas além do pacto inicialmente formulado.

Contudo, a visão liberal pautada no abstencionismo estatal provocou uma defasagem no âmbito social. Descobriu-se que a igualdade formal de todos ao redor da lei gerava, em verdade, disparidades sociais que irradiavam conflitos intersubjetivos insuperáveis. Era necessário que o Estado assumisse serviços imprescindíveis à existência humana. Surge nesse momento, o Estado Social.

Com efeito, sob a influência do constitucionalismo alemão (Constituição de Weimar, em 1919), o próprio constitucionalismo brasileiro, com

11 MACHIAVELLI, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.3.

12 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 78. 13 Ou The Rule of Law, para o direito inglês; État Legal, para o direito francês; e, Rechtsstaat, para o direito alemão. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.5).

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a Constituição de 1934, assimila ideais sociais que buscaram suprir a crise social causada pelo abstencionismo do Estado de Direito.15

São exemplos dessa inovação constitucional a subordinação do direito de propriedade ao interesse social ou coletivo, a colocação da família, da educação e da cultura debaixo da proteção especial do Estado, a criação da Justiça do Trabalho, o salário mínimo, o amparo à maternidade e à infância e a ajuda às famílias com muitos filhos.16

Na política do bem-estar social, o aparelho estatal cresceu incontidamente, gerando uma nova realidade na qual o Estado, por meio de instrumentos diretos e indiretos passou a monopolizar todas as formas de controle social.

Essa maximização do Estado e sua consequente ineficácia, o insustentável aparelho burocrático, os gastos excessivos e a corrupção causaram a falência do Estado.

O Estado ganhou, por volta de 1945, suas feições atuais. Da falência estatal somada às atrocidades vivenciadas pelos governos autoritários, surgiu a necessidade de se realizar uma leitura crítica do direito positivo, centrada na dignidade da pessoa humana, com proteção e promoção dos direitos fundamentais. Desta reformulação dos ideários concernentes à concepção estatal, originou-se o Estado Democrático de Direito.

Por decorrência desse momento histórico, surge também o neoconstitucionalismo, que tem como marco filosófico o pós-positivismo. Em resposta à crise do pensamento positivista, ele propõe uma aproximação entre o direito e a moral, uma reunião entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.17

15 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 368. 16 Id.,Ibid., p.369.

17 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucinalização do direito (o triunfo tardio do

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Neste período pós-positivismo, retornaram os valores ao Direito por meio de uma teoria da justiça e o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais, com fundamento na dignidade humana.18

Dentro desse conjunto heterogêneo de ideias, citamos a consagração dos princípios como normas jurídicas e o estabelecimento de uma nova hermenêutica constitucional.

O pós-positivismo é, assim, a base filosófica na qual se fundamenta a atual concepção do Estado. Nessa fase, o Estado brasileiro busca materializar o valor supremo da dignidade da pessoa humana tornando-a o verdadeiro epicentro de valores do Estado Democrático de Direito.

Para Paulo Bonavides19, os princípios estão acima da lei, norteando e direcionando as normas constitucionais. José Afonso da Silva20 afirma que o Estado atual reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito como uma nova formação conceitual, em vez de simples justaposição de valores.

As conquistas sociais levadas à responsabilidade estatal permanecem, de modo que o Estado tem o dever constitucional de prestigiar ativamente os direitos sociais21 concebidos no período que lhe foi anterior, o Estado Social.

Do período liberal do Estado de Direito, destacam-se as seguintes premissas: primazia da lei, tripartição das funções estatais típicas (legislativa, executiva e jurisdicional), reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais até então positivados, observância obrigatória da legalidade pelos agentes estatais e preservação da segurança jurídica.22

Soma-se ao modelo atual a pretensão democrática, com eleições livres, periódicas, com um governo do povo e pelo povo, bem como o respeito das

18 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista da Academia Brasileira de Direito

Constitucional. Curitiba, v. 1, n. 1, 2001, p.43.

19 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.237. 20 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 112. 21 Colocamos nessa categoria os direitos sociais previstos no art. 6º (direitos sociais universais) e no art. 7º (direitos sociais dos trabalhadores), todos da Constituição Federal de 1988.

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autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, principalmente aqueles diretamente relacionados à dignidade da pessoa humana.

Nesse novo conceito, os valores do Estado de Direito permanecem como diretrizes de índole liberal, destacando-se o império da lei (legalidade formal), a tripartição das funções estatais (Legislativa, Executiva e Jurisdicional) e a garantia dos direitos individuais.23

Incorporada a essa concepção abstencionista e individualista, perpassando pelas experiências totalitárias do Estado Social, que nega ou ignora o regramento igualitário das leis, está o princípio da soberania popular24.

A soberania popular é definida como o respeito e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais, o pluralismo de expressão e organização política, que se direcionam à plena democracia nos planos social, cultural e política25.

Dessa junção ideológica surge um ente formatado a buscar a justiça social, proteger e se abster de ofender os direitos individuais, sempre com base no princípio democrático e ingerência popular nas políticas públicas.26

Em suma, o Estado Democrático de Direito reúne os seguintes princípios, que se apresentam destacadamente: princípio da constitucionalidade27, princípio democrático28, sistema de direitos fundamentais, justiça social, igualdade, divisão de poderes, legalidade, liberdade e segurança jurídica.

A par dessas considerações é possível traçarmos um parâmetro de abordagem das diretrizes atinentes ao sistema prisional brasileiro, posto que este deverá se conformar com os ideais do Estado Democrático de Direito numa

23 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.113. 24 MORAES, Alexandre de., Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.5; SILVA, José Afonso da. O estado democrático de direito. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 45.

25 A Constituição portuguesa introduziu uma democracia bem mais totalizante, incluindo-se aí o plano econômico, dando ao Estado português o objetivo de transição para o socialismo. (art. 2º, Constituição portuguesa).

26 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.120. 27 Cf. J. J. Gomes CANOTILHO: “Qualquer que seja o conceito e a justificação do Estado – e existem vários conceitos e várias justificações –o Estado só se concebe hoje como Estado constitucional”. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 87.

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ingerência harmônica e permanente entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, que sempre devem ser atuantes nas esferas do sistema penitenciário.

Por fim, a preservação dos direitos individuais, que são indisponíveis e devem ser observados pelo princípio fundante de toda a ordem jurídica: o princípio da dignidade humana.

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2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 Histórico: Origem e Evolução

A dignidade humana, na atual acepção, aparece primeiro como um valor bíblico, de origem judaico-cristã29. É decorrência de ser o homem criado à imagem e semelhança de Deus. Com a Era da Razão ou Iluminismo, movimento cultural do século XVIII, esse valor passa ser objeto de estudo da Filosofia30.

Ao longo do século XX, a dignidade se torna objetivo político, havendo menção a respeito em algumas Constituições. Na sua primeira metade, citamos a Constituição do México (1917) e a Constituição Alemã de Weimar (1919).

Somente após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) a dignidade da pessoa humana passa a ganhar contornos mais efetivos e concretos, em resposta às barbáries nazistas e fascistas testemunhadas pela comunidade mundial. Nesse momento, esse postulado passa a integrar diversos documentos internacionais e Constituições de Estados democráticos, como a Carta das Nações Unidas (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (1955), a Constituição Alemã (Lei Fundamental de Bonn, 1949), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1978), e a Convenção contra a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (1984).

Atualmente, a discussão jurídica em torno do tema da dignidade humana assume uma dimensão transnacional, havendo muitas decisões que fazem referência a julgados de outros países.31

29 V. ALVES, Cleber Francisco. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: O Enfoque da Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

30 Exemplo: Immanuel Kant (1724-1804).

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2.2 Conceito e Delineamentos

O conceito de dignidade humana deve ser pensado como um conceito aberto32, dinâmico e de construção permanente33. Nada impede, porém, que lhe sejam traçados delineamentos e conteúdos mínimos, sob pena de total inutilidade e ineficácia do postulado.

A dignidade é tradicionalmente conceituada como um atributo intrínseco da pessoa, da essência do ser humano34; sendo, pois, irrenunciável e inalienável. Abstraindo essa característica da pessoa humana, perder-se-á sua própria humanidade.

Este atributo está relacionado à integridade física, psíquica e emocional da pessoa. A integridade corporal, mais especificamente, é o elemento mínimo de sua dignidade. Quando este espaço de identidade é destruído, o seu valor como membro da família humana é também perdido.35

Assim, em obediência a esse princípio, torna-se inadmissível os antigos castigos corporais e penas de mortes, ainda hoje praticadas em alguns estados norte-americanos. A pena privativa de liberdade, atualmente existente em nosso ordenamento jurídico penal, impõe o dever de fornecer assistência à saúde física, psíquica e religiosa.36

Do mesmo modo, esse postulado representa o fundamento da sociedade, sem o qual perderia sua justificação de existência.37 Afinal, as pessoas se unem com o intuito de juntar forças para a realização de objetivos pessoais de felicidade e satisfação, que individualmente são incapazes de atingir.

32 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.72. 33ANTUNES, Cármem Lúcia Rocha. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista Interesse Público, v. 1, n. 4, p. 23-48, out-dez 1999. p.24.

34 SILVA, José Afonso da. Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana. Revista da PGR, n. 9, 1996, p.91. 35 FLEINER, Thomas. O que são Direitos Humanos? São Paulo: Max Limonad, 2003, p.13.

36 Constituição Federal, art. 5º, inciso XLIX, é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Código Penal, “Art. 38. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo

-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”

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Nesse contexto, Ingo Wolfgang Sarlet38 relaciona de maneira íntima e vinculada os conceitos de dignidade, vida e intimidade.

Para Cármen Lúcia Antunes Rocha39, a dignidade tornou-se um axioma jurídico, um verdadeiro princípio matricial do constitucionalismo contemporâneo. Já nas palavras de Jorge Miranda, é um limite transcendente do poder constituinte, um metaprincípio40, ou, como preferiu Luiz Antônio Rizzatto Nunes41,um supraprincípio.

Sendo elementar à condição humana, este valor é inerente à pessoa, em toda e qualquer circunstância, sendo de responsabilidade do Estado a proteção e a promoção de sua existência.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, em seu artigo XXII, reconheceu à toda pessoa humana o direito de realizar direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao desenvolvimento de sua personalidade.

Immanuel Kant (1724-1804) estabeleceu as raízes da significação da dignidade humana. Na base do seu pensamento está a ideia de que o homem é um fim em si mesmo.

Para esse filósofo, o humano se distingue dos demais seres pela sua atribuição a um determinado preço. Assim, enquanto a coisa é sempre passível de valoração econômica, o homem é imensurável em valores.

O ser humano, segundo uma visão kantiana, nunca poderá ser reduzido à condição de meio42 porque isso seria coisificar o homem, transformá-lo em uma coisa ou objeto.

38 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p.26.

39 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista Interesse Público, v.1, n. 4, p. 23, out-dez, 1999.

40 MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio Marques da (Org.) Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 170

41 Nunes, Luiz Antônio Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 50.

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Sob outro aspecto, Kant verifica uma relação entre o conteúdo da dignidade e o direito de autodeterminação como fundamento da dignidade da natureza humana.43

Em síntese, todo ser humano teria, ao menos potencialmente, a aptidão de pautar suas escolhas mediante sua própria e íntima convicção. A liberdade moral de se dirigir por suas próprias leis é uma das dimensões daquele valor inato atribuído à pessoa. Tirar-lhe essa capacidade é abstrair sua própria humanidade.

A dignidade também funciona como limitação àquelas condutas possivelmente violadoras desse núcleo intangível da pessoa.

Anota José Joaquim Gomes Canotilho que o homem deve servir de limite e fundamento do domínio político da República44, posto que a razão última de existência de Estado é o indivíduo, e não o contrário.

Em todo momento, constata-se que a dignidade da pessoa repudia todo o processo de coisificação, afastando a possibilidade de o ser humano se voluntariar a condições vis e degradantes, colocando a si próprio em situações subumanas e perversas. Nessas circunstâncias, o Estado, guardião dos valores fundamentais da sociedade, em determinado tempo e espaço, deve intervir. É sua tarefa, sua missão precípua, é seu dever contratual45, sob pena de perder seu fundamento de existência e validade.

Por esse motivo é que o Estado censura os atos que coloquem os seres humanos à condição análoga a de escravo, mesmo que tal submissão seja voluntária46.

43 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Coleção Os pensadores. Textos Selecionados / Immanuel Kant. Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí; tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 141.

44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 225.

45 Conforme a concepção moderna de Estado, este seria formado por meio de um pacto firmado por indivíduos que abdicam de parcela de suas liberdades para formar uma comunidade orientada ao bem comum de todos.

46 Em verdade, como esclarece Marco Antonio Marques da Silva, de voluntário nada há, uma vez que a

pessoa que se submete a tal condição é vítima de “ardis e fraudes”, e acrescenta, “explora-se a minoria e o desespero do indivíduo desempregado e sem meios de subsistência própria através da promessa de uma

melhor condição de vida”. (SILVA, Marco Antonio Marques da. Trabalho escravo e dignidade humana.

(25)

Marco Antonio Marques da Silva defende a eliminação do trabalho escravo como uma condição fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito; todos os esforços devem ser empreendidos para evitar a escravidão e o tráfico de pessoas47. Ademais, segundo o autor, o trabalho salubre e livre de qualquer elemento degradante é necessidade intrínseca, isto é, uma faceta imanente daquele primado fundamental.

Infere-se dessa discussão inúmeros princípios fundamentais, quais sejam, a igualdade, a liberdade48, a integridade física e moral, a segurança, bem como os direitos individuais e sociais, entre eles, a saúde, o trabalho digno, a educação, e todos que propiciam ao ser humano sobreviver e ter uma existência digna.

Se dissemos que há numa das dimensões possíveis da dignidade a aptidão inata de todo ser humano de se autodeterminar, como, então, poderá o Estado em algumas situações, tal qual a da vida laboral análoga a de escravo, interferir de modo ativo nessa relação?

O Estado tem a função primordial de proteger a dignidade de seus internos e, concomitantemente, de promovê-la. Assim, o homem reduzido a uma situação notoriamente ofensiva de sua dignidade, há de merecer a proteção do Estado. Toda vez que uma pessoa, por algum indício objetivo (ofensa a princípio fundamental ou a direito individual), mostrar-se em situação de comprometimento daquele caráter de autodeterminação, o Estado deverá atuar como promotor da dignidade humana.

Trata-se de um vetor de abrangência irrestrita, incidente em todos os seguimentos de regulação da vida social, principalmente naqueles referentes aos direitos fundamentais, uma vez que estes encontram seu fundamento primeiro e último naquele metaprincípio, além de auxiliar em decisões envolvendo questões moralmente complexas49.

47 SILVA, Marco Antonio Marques da. Trabalho escravo e dignidade humana.Tráfico de pessoas. por Laerte I. MARZAGÃO JÚNIOR, 193-217. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 206.

48 Liberdade em sentido amplo, e não somente aquela relativa ao direito de ir e vir.

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2.3 Eficácia e Conteúdo Mínimo

O princípio da dignidade humana, apesar de possuir uma função inspiradora e um tanto distante da realidade, tem uma aplicabilidade concreta e constante imposta pela Constituição de 1988.Luiz Antônio Rizzatto Nunes afirma que é dever de todos os operadores do Direito torná-la eficaz. 50

Essa elevada carga de abstração é possível uma vez que todo princípio tem um núcleo que irradia comandos concretos.51 Podemos citar a vedação do nepotismo na Administração Pública, que foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como uma decorrência dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.52

Outro exemplo é a vedação da autoincriminação que, implícito no direito positivo brasileiro, poderá ser extraído do núcleo essencial da dignidade.

Assim, se de um lado o metaprincípio da dignidade humana coloca toda pessoa em uma redoma de proteção de sua integridade, de outro, haverá uma imposição ao Estado, principalmente, para que consolide esse postulado por meio de prestações positivas.

A dignidade humana, integralmente reconhecida, exige que os direitos fundamentais sociais (saúde, trabalho, educação, etc.) sejam perseguidos como uma meta permanente, com precedência sobre qualquer outro interesse político dos governos locais, regionais ou nacional.

Desta forma, apesar de o detento sofrer restrições da liberdade e dos seus direitos políticos, entre outros, a dignidade humana ainda lhe é atributo inafastável; ele necessariamente deverá receber do Estado e da sociedade todos os meios necessários a lhes resguardar a dignidade.

50 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. OPrincípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 51 e ss.

51 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 67-70.

(27)

2.4 Dignidade Humana e Direito Constitucional à Liberdade

O valor supremo da dignidade humana é o pressuposto de todos os demais princípios. Nesse passo, faremos uma análise detida de sua abrangência, tanto filosófica, quanto jurídico normativa, bem como a sua relação com o essencial direito constitucional à liberdade.

O direito de liberdade e a dignidade humana são atributos intrínsecos da pessoa, da essência do ser humano53; indissociáveis e inalienáveis de qualquer assunto que envolva o ser humano e o seu aprisionamento.

A liberdade é o princípio regra no sistema; sua exceção, proibição ou restrição, deve estar expressa em lei de forma indubitável. 54

Não há que se falar em direito à liberdade sem menção ao art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988, que estabelece que somente em virtude da lei alguém se obriga ou se desobriga de fazer algo55.

A relevância do dispositivo no ordenamento jurídico nacional é de introduzir no sistema dois princípios que formam o núcleo essencial de um Estado Democrático de Direito: o princípio da legalidade e o princípio da liberdade geral ou da liberdade de ação.

Dessa conexão estabelecida pela norma constitucional, depreende-se que a liberdade só poderá sofrer limitações em virtude de lei, ou como anota José Afonso da Silva, excepcionais restrições somente serão possíveis na existência de normas jurídicas que impõem uma conduta positiva ou proibitiva, proveniente do Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento previsto na Constituição56. Para esse autor, a liberdade, para ser condicionada, depende de um sistema de legalidade legítima57.

53 SILVA, José Afonso da. Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana. Revista da PGR, n. 9, 1996, p. 91. 54 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & Cia, 1957, p. 382.

55 A norma foi introduzida somente na Constituição de 1934, sendo afastada nas Cartas de 1937 e1946, e reintroduzida na Constituição de 1967.

(28)

São formas de expressão desse direito constitucional: as liberdades da pessoa física, de pensamento, de expressão coletiva, de ação profissional e de conteúdo econômico e social.58

Contudo, será dada atenção apenas à liberdade da pessoa física relativa à proteção ao direito de ir, vir e permanecer, chamada por alguns de liberdade individual59.

O direito à liberdade é a materialização da dignidade da pessoa humana, numa compreensão kantiana, quando se refere a este valor supremo como a capacidade racional e inafastável de autodeterminação, vislumbrando em todo o ser humano a aptidão para pautar suas escolhas mediante sua própria e íntima convicção.

Assim, aos integrantes de uma comunidade, e principalmente ao Estado, é lhes negado agir e omitir de forma a ofender a liberdade de alguém, de forma ilegal ou arbitrária.

Toda restrição à liberdade da pessoa física só poderá ocorrer quando houver lei excepcional, segundo o sistema punitivo constitucional. A regra é a prevalência do status de autodeterminação.

Tocar o direito à liberdade é afetar diretamente a dignidade humana. Mais do que isso, sua restrição deverá ocorrer sempre na medida em que menos reduza a esfera de autogoverno do sentenciado, de forma que a sua dignidade se mantenha incólume. Mesmo sendo legítima a privação da liberdade nos casos em que a lei determina, segundo os valores constitucionais, a dignidade humana é valor que será sempre intangível.

2.5 Pena Alternativa e a Dignidade da Pessoa Humana

Há muito protesto pela promoção da dignidade por meio de políticas públicas de índole assistencialista, mas o Estado Democrático de Direito,

58 Id.,Ibid., p.235.

59 Para José Afonso da Silva, a expressão “liberdade individual” é imprópria, já que todas as formas de

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compreendido de uma forma global deverá, diante daquele ideal supremo, fornecer tanto as condições de subsistência material como propiciar um ambiente harmonioso e pacífico entre os conviventes.

Independentemente do crime praticado, o sujeito antissocial deve ser visto primordialmente como um paciente, ao qual o Estado visa recuperar e reintegrar ao convívio social.

Transita-se, assim, entre o pensamento arcaico de concepção vingativa e primitiva da pena à ideia de respeito ao homem e à sua integridade.

Consideramos que a realidade normativa ou factual é construída pela linguagem, que se utiliza da capacidade humana de apreender e criar conceitos. Com efeito, Paulo de Barros Carvalho menciona que a realidade é um dado que existe por meio do contexto da linguagem, sendo esta a única responsável pelo seu aparecimento60.

Por essa análise, a dignidade é o esteio da existência dos homens ao qual o próprio sistema penal está vinculado. Assim, a execução da pena, e todos os fenômenos que dela decorrem, devem ser determinados com base neste princípio. Desta forma, as soluções buscadas pelos diferentes povos para resolverem a criminalidade local não deve ser necessariamente a privação de liberdade.

Na criminologia, um pequeno percentual de criminosos intramuros é formado por pessoas cruéis e psicopatas. A maior parte dessa população, ou seja, aqueles que compõem a área interna das penitenciárias, é de pessoas que, por um lapso, uma situação de desespero ou um episódio de descontrole emocional, infringiram uma única norma jurídica. São pessoas comuns que serão drasticamente violentadas pelo sistema criminal, que lhes ofendem inúmeros direitos, sobretudo a norma-vetor da dignidade humana.

A comunidade mundial há muito se mobiliza para investigar alternativas e soluções mais efetivas que, sem prejuízo da dignidade dos seus sentenciados, promova a recuperação e a ressocialização. O que verificamos hoje

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é o aumento da criminalidade em números muito superiores ao crescimento vegetativo.

No retrato atual, as pesquisas demonstram que os detentos primários ingressam no sistema criminal e os antigos reincidem ou praticam novos delitos. A consequência disso é o complexo e insolúvel problema da superlotação carcerária.

Ainda que nosso tema se dirija à execução criminal pelo encarceramento, concordamos com Evandro Lins e Silva61,para quem a prisão só pode ser aplicada em última hipótese, visto que é uma fábrica de reincidência. E, uma vez que há resistência para eliminar o encarceramento do sistema, seria ideal conservá-la para os casos em que ela é indispensável. No mesmo sentido, René Dotti62 considera que a prisão deverá ser imposta somente em relação aos crimes graves e aos delinquentes de intensa periculosidade.

Ademais, pela subsidiariedade tanto da prisão como do próprio sistema criminal, argumenta Claus Roxin63 que o direito penal deve ser um meio último de punição.

Portanto, se atualmente a pena privativa de liberdade ainda é necessária para os casos mais graves – nos quais o preso demonstra um elevado nível de antissociabilidade – carece, pois, de um tratamento especial e de profissionais competentes para atuar na reclusão intramuros.

Nos demais casos, conforme defendemos64, será conveniente desenvolver e, principalmente, aplicar penas alternativas à prisão.

Assim, seguindo a tendência mundial de oposição às penas segregadoras e de caráter punitivo, existe hoje, em muitos países, a preocupação para criar novas modalidades de penas que substituam a privação de liberdade por medidas que privilegiem o caráter educativo das penas, mais humanas e que envolvam toda a comunidade nos problemas decorrentes da criminalidade.

61 SILVA, Evandro Lins. Sistema penal para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 33-34. 62 DOTTI, René. Bases alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Saraiva, 1998, p.178.

63 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986, p.28.

(31)

Quando desnecessário o encarceramento, as penas alternativas –

sanções modernas e inovadoras da estrutura clássica – garantem ao criminoso a possibilidade de redenção pelos seus erros sem a necessidade de prisão. Assim, apresentam-se como alternativas penais: a reparação do prejuízo causado, a restrição parcial dos direitos do criminoso e a prestação de serviços gratuitos à comunidade. São maneiras pedagógicas de fazer o detento se conscientizar do mal praticado e das suas consequências para a sociedade.

Além de permitir a integração do criminoso ao grupo social, as penas alternativas são benéficas aos cofres do Estado, na medida em que a prisão é dispendiosa para a sociedade. O gasto mensal do Estado com um preso é maior que o custo de um estudante universitário para o mesmo período.

Conforme afirmamos, nossa ideia nesta pesquisa é investigar a viabilidade da privatização de presídios, na atual conjuntura socioeconômica brasileira, e a legitimidade dessa prática neoliberal a partir da ordem constitucional vigente.

Não obstante, diante da primazia da dignidade humana, julgamos pertinente esta breve ressalva, sob pena de uma leitura simplista.

Ressaltamos que a política criminal que melhor irá resguardar os direitos individuais dos presos, em vários casos, será a pena alternativa. Todavia, naquelas situações em que a prisão é necessária, ela deve ocorrer com base no respeito ao valor supremo da dignidade humana. A presença e a obediência a este princípio é imprescindível em toda e qualquer circunstância.

2.6 Dignidade humana e sistema prisional no Brasil

(32)

A Constituição assegura, entre os objetivos fundamentais da República, a solidariedade, a justiça, a proibição de quaisquer formas de discriminação; todos valores que emanam diretamente da digna condição humana.

A dignidade, como direito intrínseco ao homem, se insere no direito penal como um objetivo a ser protegido e cumprido, estando o sujeito em liberdade ou sob a tutela do Estado.

Os postulados de elevado grau axiológico compõem os fundamentos de um Estado e devem permear toda a atividade hermenêutica normativa como um parâmetro valorativo65. Eles conferem unidade semântica a todo o direito positivo. Este valor supremo66 atribuído ao homem assume uma

posição de destaque no ordenamento, que deverá reger toda a atividade de criação, interpretação e aplicação de normas no ordenamento jurídico.

A ordem constitucional atual exige abandonar de vez o pensamento desumano e ultrapassado de que a perda da liberdade para o preso acarreta necessariamente a supressão de seus direitos fundamentais.67

O legislador ordinário respeita esses mesmos preceitos ao mencionar que o detento preserva todos os direitos que não tiverem sido atingidos pela perda da liberdade, sendo impositiva às autoridades o respeito à sua integridade física e moral (art. 38 do Código Penal)68.

Esses direitos representam o núcleo protetivo mínimo da dignidade humana do preso. Desrespeitá-los é ofender diretamente à Lei Maior. Negar-lhe efetividade máxima significa dar fim à razão de existir do Estado.

Essa positivação do princípio da humanidade é uma conquista do movimento humanista iniciado nos séculos XVIII e XIX. Contudo, conforme argumenta Cármen Lúcia Antunes Rocha, por mais que a normatização seja imprescindível, ainda assim é insuficiente69.

65 BENDA, Ernest. Manual de derecho constitucional. Madrid: Marcial Pons, 2001, p.121.

66 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 67 FRAGOSO, Heleno Cláudio; CATÃO, Yolanda; SUSSEKIND, Elisabeth. Direito dos presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

68 Igualmente o art. 3º c/c art. 40 da Lei de Execução Penal.

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Ainda que louvável a introdução no ordenamento de preceitos que valorizam e efetivam a dignidade do sentenciado, a situação atual de nossas penitenciárias apresenta-se em total discrepância com os valores constitucionalmente protegidos. Delas, testemunhamos a presença ínfima de concretude quanto à defesa e a proteção do princípio da dignidade. Analisemos alguns números que demonstram essa realidade.

No Brasil, em março de 2012, existiam 2.892 estabelecimentos penais70, com capacidade para 335.301 presos71. Conforme informações do Conselho Nacional de Justiça, o número total de presos era 504.686, o que configura um déficit de vagas da ordem de 169.385.

Ao concluirmos esta tese, o mesmo site informou um aumento no número de estabelecimentos para mais de 2.900, com capacidade total para 343.574 presos. Em janeiro de 2013, 515.379 detentos eram albergados, o que representa um déficit de 171.805 vagas.

Os números demonstram a dificuldade em solucionar a questão, ao menos aparentemente, a respeito da superpopulação carcerária, que há muito é a realidade do nosso sistema prisional.

Como exemplo, citamos o Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que conta com 1.986 vagas para detentos, mas abriga o impressionante número de 4.470 presos; logo, uma superlotação de 2.484 presos (125% além da sua real capacidade).

Citemos outros exemplos dessa situação de calamidade relativa à superlotação, constatados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Em São Paulo, o Centro de Detenção Provisória I, de Pinheiros, custodiava 1.026 homens em uma infraestrutura para, no máximo, 504 pessoas; em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, havia 1.500 presos em uma unidade prisional com lotação para 500.

70 Entre penitenciárias; colônias agrícolas, industriais ou similares; casas de albergado; cadeias públicas, casas de detenção ou similares; hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico; delegacias.

(34)

A Colônia Agrícola de Mato Grosso do Sul, projetada para acomodar 80 presos em regime semiaberto, possuía o exorbitante número de 680 reeducandos, muitos deles morando em barracas improvisadas. E, por fim, numa situação grotesca e desumana, a cadeia pública de Contagem, em Minas Gerais. Em uma de suas celas havia 70 presos amontoados, enquanto sua capacidade máxima era para apenas 12 homens.

Para melhor compreendermos nosso relato, vejamos a tabela que mapeia a situação consolidada72 dos sistemas prisionais, em todo o país:

UF

População do Sistema

Penitenciário

Vagas do

Sistema Penitenciário

Situação D/F

ACRE 3.421 1.833 -1.588

ALAGOAS 1.978 1.941 -37

AMAPA 1.812 994 -818

AMAZONAS 3.875 2.297 -1.578

BAHIA 8.220 10.945 2.725

CEARÁ 12.872 9.946 -2.926

DISTRITO

FEDERAL 8.157 6.550 -1.607

ESPÍRITO

SANTO 8.036 7.818 -218

GOIÁS 9.870 6.367 -3.503

MARANHÃO 3.425 2.733 -692

MATO

GROSSO 11.061 5.235 -5.826

MATO

GROSSO DO

SUL

9.641 5.670 -3.971

MINAS 35.121 23.199 -11.922

(35)

GERAIS

PARÁ 8.736 6.115 -2.621

PARAÍBA 8.524 5.313 -3.211

PARANÁ 22.166 22.633 467

PERNAMBUCO 21.041 9.675 -11.366

PIAUÍ 2.591 2.105 -486

RIO DE

JANEIRO 23.158 23.832 674

RIO GRANDE

DO NORTE 3.775 3.356 -419

RIO GRANDE

DO SUL 28.750 18.010 -10.740

RONDÔNIA 6.986 4.103 -2.883

RORAIMA 1.651 538 -1.113

SANTA

CATARINA 13.340 7.591 -5.749

SÃO PAULO 154.515 101.774 -52.741

SERGIPE 2.742 2.007 -735

Tabela 01. Fonte: Departamento Penitenciário Nacional

A superpopulação carcerária agride diretamente a integridade física e moral do preso73 e afeta de forma manifesta o direito do detento à integridade física e psíquica, a ter uma alimentação digna, a vestir-se adequadamente e de privacidade, visto que está restrito ao espaço mínimo de 6m² da cela, que segundo a legislação, deveria ser individual74.

73 Lei de Execução Penal, art. 85. “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua

estrutura e finalidade.”

(36)

Assim, são frequentes as notícias de revolta, motins, homicídios entre internos, e outras condutas de detentos que reagem contra às agruras psicológicas causadas pelo excesso populacional. A propósito, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário – cujo relatório foi publicado em 2009 – concluiu o que por muitos anos observamos: faltam em muitos estabelecimentos as instalações apropriadas para albergar os presos, não há condições mínimas de acomodação75.

Outras circunstâncias demonstram de forma incontestável a deplorável situação das prisões brasileiras. A Câmara dos Deputados, na CPI do Sistema Carcerário relatou, em 2009, que o ambiente carcerário nacional, representava uma realidade cruel e ilegal, na qual os presos são tratados de forma desumana. Foram observadas situações de repressão, torturas e violências, que se estendiam, inclusive, para os parentes, por ocasião da visita76.

O relatório apontou ainda que os detentos estavam seminus, sem roupas adequadas, ainda que este seja um direito previsto pelo art. 12 da resolução nº 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Este artigo adveio da norma nº 17.1 das Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos que prevê a todo preso sem condições de vestir suas próprias roupas, receber vestimentas apropriadas ao clima e em quantidade suficiente para se manter em boa saúde, não podendo, de forma alguma, ser degradantes ou

humilhantes”.77

Em inspeção realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, ficou evidenciada, de forma flagrante, a transgressão a um dos direitos mais elementares do preso; na cadeia pública de Contagem, em Minas Gerais, 70 presos (repita-se, em ambiente para apenas 12 pessoas), além de estarem praticamente empilhados, estavam em estado de seminudez por falta de vestimenta adequada e limpa.

75 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. CPI sistema carcerário. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. p. 194. 76 Id., Ibid., p.192.

(37)

Conforme o levantamento das CPI, verificou-se que, na grande maioria das unidades federadas, fornecer uniforme aos reclusos é uma exceção (Tabela 2).

Estado Uniforme

AC NÃO

AL NÃO

AM 02 unidades

CE 03 unidades

DF NÃO

GO NÃO

MA 02 unidades

MS 01 unidade

MT 01 unidade

PA 04 unidades

PB NÃO

PI NÃO

PR SIM

RJ NÃO

RO NÃO

RR NÃO

RS NÃO

SC 02 unidades

SE 02 unidades

SP NEM TODOS

TO 01 unidade

FEDERAL SIM

(38)

A alimentação, outro direito elementar, também estava em estado deplorável, faltando com o mínimo de dignidade ao preso. Isto porque, segundo a determinação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) (art. 13, Resolução nº 14) deve ser preparada com higiene adequada e dieta controlada por nutricionista.

A Câmara dos Deputados constatou que tais preceitos eram desrespeitados e a realidade estava muito longe de ser a ideal. O relatório da CPI, neste contexto, conteve o exemplo alarmante do Instituto Penal de Paulo Sarasate, no município de Aquiraz, Estado do Ceará, que fornece a alimentação dos presos em sacos plásticos. Os detentos ainda são obrigados a se alimentar com as mãos porque não recebem meios para fazê-lo dignamente.

Outro direito do sujeito, na condição de ser humano, é à educação, um elemento vital para a reinserção do preso à sociedade.78

O Projeto de Lei sobre a execução das penas na Alemanha, apresentado em 1971 e em vigor desde 1973, previa o direito de o detento sair das unidades prisionais para assistir às aulas79.

Na Constituição brasileira, esse mesmo direito é fundamental, além de obrigatória e gratuita a educação básica (ensino infantil, fundamental e médio), como um direito público subjetivo (art. 208, §1º).

Por ser obrigatória, gratuita e um dever do Estado, seria desnecessária essa observação pelo preceito constitucional. Mas, por certo, reforça a sua obrigação e resta claro que a educação básica pode ser exigida da autoridade competente, que será responsabilizada em caso de descumprimento (art. 208, §2º). Os direitos fundamentais do sentenciado são afetados somente nos termos da condenação. Uma vez que a educação básica é direito fundamental, ao preso também lhe é assegurado esse mesmo direito.

78 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei 7.210, de 11-07-84. São Paulo: Atlas, 1992, p. 73.

(39)

Observamos que a situação verificada na realidade das penitenciárias nacionais encontra-se em divergência aos desígnios constitucionais e legais em vigor.

O relatório de diligências empreendidas por ocasião da CPI do Sistema Carcerário apontou que, em média, apenas 13,23% dos presos estão inseridos no sistema educacional obrigatório; 65% dos presos nem chegaram a completar o ensino fundamental.

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, os presos se dividem quanto à escolaridade: fundamental incompleto (46%), fundamental completo (12%), médio incompleto (11%), médio completo (7%), superior incompleto (1%), superior completo (0,4%) e acima do ensino superior (0,1%).80

Em relação à saúde dos presos, mais uma vez as diligências da CPI do Sistema Carcerário constataram o verdadeiro descaso das autoridades.

Em São Paulo, no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, vários presos com tuberculose permaneciam juntos aos demais em situação de superlotação.

No Maranhão, na Penitenciária de Pedrinhas, havia presos com gangrena nas pernas. No Rio de Janeiro, Presídio Vicente Piragibe havia um detento com uma bolsa de colostomia sem nenhuma previsão para a intervenção cirúrgica. Em Porto Velho, um preso com gangrena, depois de muito reclamar de dores, foi levado ao hospital, onde recebeu a notícia que seu pé seria amputado. Ainda sob essas condições visíveis, foi informado de que o hospital não tinha vagas para detentos naquele momento; com dores, retornou ao presídio. Foi nesse momento que a Comissão Parlamentar visitou o estabelecimento penal.

Os exemplos oferecidos pelo relatório da CPI do Sistema Carcerário continuam demonstrando que o preso, quando ingressa em uma instituição penal, além da liberdade perde, mesmo que paulatinamente, a dignidade. Conforme mencionamos, há a coisificação do detento devido ao sentimento de vingança social e de descaso estatal.

(40)

Notamos o descaso do Estado quanto ao fornecimento de adequada assistência judiciária aos presos, inclusive aos provisórios que aguardam o julgamento definitivo. Esse dado foi verificado pelo ex-Diretor do Departamento de Execução Penal (DEPNS), Maurício Kuehne, que informou à CPI do Sistema Carcerário que, aproximadamente, 30% dos presos brasileiros deveriam estar fora da prisão. Há cerca de 151.405 presos indevidamente. O livramento desse contingente reduziria o déficit carcerário para 17.979 presos.

Ademais, uma boa prestação de assistência judiciária assegura os demais direitos e evita abusos e descasos por parte da direção da penitenciária. Assim, o defensor poderá exigir o cumprimento dos deveres do Estado e noticiar eventuais ofensas à dignidade do preso.

Em verdade, enxergamos na inércia estatal em fornecer o adequado serviço assistencial uma situação de conveniência ao alto escalão da gestão penitenciária, uma vez que o preso sem advogado restará indefeso e em total estado de sujeição aos arbítrios perpetrados pelas autoridades responsáveis.

Essa carência assistencial se materializa nos milhares de presos provisórios sem julgamento, são sentenciados que tiveram suas penas integralmente cumpridas ou que tem direito a progressão de regime; todos em situação de indevido aprisionamento e em condições de extrema degradação.

Desta forma, observamos um enorme dispêndio do Estado em relação ao sistema prisional adotado na medida em que alberga aqueles que deveriam estar em liberdade, dentro de complexos com superpopulação.

Os fatos nos induzem a concluir que, embora o ordenamento positivo ofereça normas que se espalham pelo sistema carcerário a fim de defender e garantir o valor supremo da dignidade do preso, a realidade da execução penal demonstra desrespeito às determinações constitucionais, legais e infralegais.

(41)
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3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORIENTADORES DO PODER PUNITIVO DO ESTADO

O direito de punir é o direito do Estado de aplicar a pena cominada na norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão nela descrita, causando um dano ou lesão jurídica, de maneira reprovável.81

Na Idade Antiga ou Antiguidade, o jus puniendi, direito de punir, pertencia, num primeiro momento, ao próprio ofendido, sem qualquer ingerência do Estado. É a fase da vingança privada. Neste estágio primitivo, a figura do Estado ainda era inexistente (ordenamento político de uma comunidade). Os agrupamentos de pessoas eram fundados em laços de parentescos ou em comunidades oriundas da reunião de várias famílias.

Aquele que causasse algum dano a alguém era alvo da vingança da própria vítima ou da sua família. Se alguém desse causa à morte de uma pessoa, a família da vítima poderia tirar-lhe a vida, sem qualquer responsabilização, haja vista se tratar de exercício de um direito; o direito de punir.82

Mais tarde, o fundamento da pena deixa de ser o sentimento de retribuição, de cunho eminentemente emotivo e passional, e passa a ser um sentimento religioso. A punição nesse estágio serviria para fazer valer a justiça divina.

A pena passa a ter como fundamento uma entidade superior, assimilando, contudo, a mesma índole vingativa de outrora. A diferença reside na origem da ira que deve ser aplacada. Na fase da vingança privada, a necessidade de retribuição partia do próprio ofendido ou de seus familiares; neste segundo estágio, a vingança era divina.83

Porém, mais do que o mero sabor da vontade do ofensor, é inserida na punição a finalidade expiatória da alma do delinquente, sob o argumento de que a pena tinha o condão de purificá-la.

81 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. I. São Paulo: Millenium, 2007, p. 3.

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Com o surgimento do Estado, politicamente organizado, há uma centralização de poderes repassados pelos vários integrantes da sociedade civil. O que motivou essa transferência do direito de aplicar a punição foi a necessidade de o poder soberano avocar atividades que eram manifestação de controle social. A pulverização do direito de punir não era conveniente, posto que enfraquecia a noção de Estado dotado de soberania.84

Mas, não foi porque a punição deixou de ser decorrência das animosidades imanentes do desejo de vingança é que perdeu sua crueldade, que à época parecia ser sinônimo de pena.

Gilberto Ferreira85 arrola uma série de exemplos das atrocidades

cometidas na execução penal dessas primeiras civilizações. Na Grécia, vigorava a pena de morte; em Esparta, o açoitamento, as mutilações, as ofensas físicas e o desterro; Em Roma, também a pena capital era obtida por meio de decapitação, crucificação e outros meios degradantes e humilhantes.

Em todos esses momentos históricos, a pena era um exercício para o desenvolvimento da criatividade mórbida da mente desviada dos executores que representavam o Estado.

A humanização das penas só é pensada a partir do século XVIII, por inspirações racionais iluministas, que davam ideias reformistas a escritores como Cesare Beccaria, com a obra Dos Delitos e das Penas. O seu pensamento era tão contrário aos ideais absolutistas que sua primeira publicação, em 1764, foi feita sem autoria explícita.

Anos depois, essa mesma obra influenciaria a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França.86. Os artigos 7° e 8° dessa declaração determinavam que ninguém poderia ser acusado, preso ou detido, senão nos casos determinados por lei anterior ao fato; esta deveria, ainda, estipular pena somente quando estrita e evidentemente necessárias.

84 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 9. 85 Id., Ibid., p.9.

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Tabela 01. Fonte: Departamento Penitenciário Nacional
Tabela 2. Fonte: Relatório da CPI (2009)

Referências

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