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4 TEORIAS DA PENA E SUA FINALIDADE

5 DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENITENCIÁRIO NO BRASIL

5.3 Lei de Execução Penal

A Lei n. 7.210, de 11 julho de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal no Brasil, rege a fase processual penal de execução da sentença penal condenatória, que poderá impor penas privativas de liberdade, restritiva de direito ou multa.

A execução penal é uma atividade complexa140; viabiliza-se por norma individual e concreta, estruturada na sentença penal (atividade

134 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006. p. 948.

135 Sanção penal seria o gênero do qual são espécies as penas e medidas de segurança (RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de Segurança. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998).

136 CAPEZ, Fernando. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 203.

137 Trata-se de corte epistemológico com fins meramente didático, pois, na verdade, o direito é um sistema uno. Sua compressão transborda os limites dessa falsa autonomia conferida às diversas locuções conferidas aos ramos de direito.

138 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 150.

139 Conforme a escolha epistemológica deste trabalho, trataremos somente das regras relativas à pena privativa de liberdade.

jurisdicional), e se materializa sob a gestão de ordem político-institucional (atividade administrativa). A primeira atividade cabe ao Poder Judiciário; a segunda, ao Poder Executivo. Ambos, no exercício de suas funções típicas, conforme estabelecidas pela Constituição.

A própria exposição de motivos da Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que a o direito regulador da execução se submete a outros domínios, além do Direito Penal e do Direito Processual Penal141.

Assim, é inviável analisar a execução penal na ordem jurídica vigente, sem a ingerência permanente dos Poderes Judiciário e Executivo142.

É importante ter em perspectiva o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF). Assim, por mais intensa que seja a atividade administrativa na execução penal, qualquer incidente que lhe seja afeto pode e deve estar submetido à apreciação judicial.143

Em que pese essa previsão constitucional, na prática, as decisões proferidas pelo órgão administrativo jamais são questionadas ou levadas ao conhecimento da autoridade judiciária. A previsão de controle e fiscalização pelo Ministério Público, ou pelo Poder Judiciário, não acontece na prática.

A exemplo dessa situação, o inciso VII, do art. 66, da LEP, é constantemente ignorado pelos juízos executivos penais. Rege o dispositivo que o juiz da execução deve determinar a inspeção mensal da unidade prisional, “tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade”.

A LEP traz um importante programa de participação cooperativa da comunidade durante a execução das penas.144 A integração da comunidade traz

140 GRINOVER, Ada Pellegrini (coord). Execução Penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência e súmulas. São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 7

141 Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal n. 7.210/1984, item 10.

142 Nesse sentido: Sidnei Agostinho Beneti. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 6-7. 143 Nesse sentido: Renato Marcão. Curso de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 2.

144 LEP, art. 4º: “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”.

maior probabilidade de reabilitar o condenado, facilitando a recolocação do egresso no mercado de trabalho.145

Quanto à competência para legislar em matéria de execução penal é preciso fazer uma distinção. Quando a norma for relativa ao direito penal ou processo penal, a competência é defina pelo art. 22, inc. I, da Constituição, ou seja, privativa da União. Quando a matéria versar sobre a organização e o funcionamento do estabelecimento prisional, órgãos auxiliares da execução penal ou a assistência ao preso ou egresso, a competência pertencerá de forma concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos do art. 24, inc. I, da Lei Máxima.

A Lei de Execução Penal, em respeito ao princípio constitucional da humanidade, dispõe como um dever do Estado, com fins de prevenção do crime e de recuperação do condenado ou internado a assistência material146, à saúde, além das assistências jurídica, educacional, social e religiosa.

Quanto ao egresso, o Estado deverá, nos termos do art. 25, fornecer orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade. No mesmo dispositivo está previsto um alojamento, em estabelecimento adequado, por 2 meses.

Norma de substancial importância é a que se refere ao trabalho do preso (art.28 e seguintes). Seja interno ou externo, o trabalho é fundamental para a ressocialização do preso. Não é coincidência o fato de os estudos relativos à finalidade da pena sempre se referirem ao trabalho para fortalecer no condenado o senso de responsabilidade e de dignidade pessoal.

Alfredo Issa Ássaly, defendia, em 1944, que o trabalho era um dos objetivos fundamentais do sistema penitenciário e que compunha um dos elementos básicos da política criminal147.

A Organização da Nações Unidas editou, em 1955, no primeiro Congresso das Nações Unidas para a prevenção do crime e para o tratamento de delinquente, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. É um conjunto

145 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 954.

146 A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas (art. 12, LEP).

de normas internacionais que orientam a legislação e as práticas dos países membros em relação à matéria penitenciária.

Com base nestas normas, o Brasil aboliu o trabalho sem remuneração e vedou o trabalho obrigatório na Constituição de 1988. Por meio da Lei 6.416/77, a remuneração do recluso também se tornou obrigatória. Dispõe o art. 33 dessa mesma lei, que a jornada normal de trabalho não será inferior a seis nem superior a oito horas, com descanso aos domingos e feriados, com possibilidade de flexibilização.

O trabalho externo passou a ser permitido pelo diretor da unidade prisional, desde que o preso houvesse cumprido, ao menos, um sexto da pena, dependendo, ainda, da aptidão, disciplina e responsabilidade do pretendente148. Esta modalidade é destinada aos condenados ao regime fechado, somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas para evitar fugas e em favor da disciplina149.

Em relação à educação, o art.18 da Lei de Execução Penal (LEP) resguarda expressamente somente o ensino fundamental como obrigatório. Contudo, tal preceito normativo deve ser interpretado nos termos da Constituição, que afirma como obrigatória toda a educação básica, inclusive o ensino médio. Por outro lado, em decorrência direta da função da pena (ressocialização), o art. 19 da LEP ordena que “o ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico”.

Noutro plano, a Lei de Execução Penal, ao tratar da assistência à saúde em seu art. 14, dispõe que “a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico”. E, conforme a determinação do §2° do mesmo artigo, “quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante a autorização da direção do estabelecimento”.

148 BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei 7.210/1984 (art. 37). 149 BRASIL. Lei de Execução Penal Lei 7.210/1984 (art. 36).

Conclui-se, portanto, que a LEP se manteve fiel ao progresso humanizador das penas, assegurando os direitos inerentes à pessoa humana independentemente de sua condenação, como a garantia de assistência material à saúde, assistência jurídica, educacional, social e religiosa (art. 12), o direito à integridade física e moral (art. 40), além de alimentação suficiente e vestuário, de atribuição de trabalho e remuneração devida, entre outros integrantes do rol não taxativo do art. 41.

Há, contudo, a necessidade urgente de tirar essas normas do plano normativo abstrato e conferir-lhes efetividade.

5.3.1 A inclusão de atividades laborais no cumprimento da pena

O trabalho foi introduzido nas penitenciárias como forma de cumprimento de pena com a primeira Casa de Correição de Bridwell, em 1555, na cidade de Londres, Inglaterra150.

Sanches afirma que esse sistema se desenvolveu na Holanda, ao ser utilizada a mão de obra dos detentos de forma útil.

Manuel Lopez-Rey151 discorreu em seu trabalho sobre a evolução da prisão laboral que, em um primeiro momento, os detentos eram vistos pela sociedade como merecedores de punição e privação aos direitos humanos. Num segundo período, as organizações trabalhistas não aceitavam que as atividades desenvolvidas pelos prisioneiros fossem classificadas como trabalho.

Em 1895, durante o V Congresso Penal e Penitenciário Internacional em Paris (França) foi declarado que o detento não tinha direito a receber salário. E, em 1913, no Texas (EUA), foi declarado inconstitucional qualquer remuneração ao detento, sob a alegação de que o indivíduo, quando

150 RIOS, Rodrigo Sanches. Ponto de Partida. Prisão e Trabalho. Uma análise comparativa do sistema

penitenciário italiano e do sistema brasileiro. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1994, p.17.

151 LOPEZ-REY, Manuel. Some Considerations on the Character and Organization of Prison Labour.

Journal of Correctional Work. IV Issue, 1957. Publicação: The Government Jail Training School,

condenado, perdia, além da liberdade, o direito sobre os produtos advindos de seu trabalho.152

Para Manuel Lopez-Rey, o trabalho, além de ser parte do tratamento do detento, é algo intrínseco à vida na penitenciária. Menciona o autor que, se concordamos que os detentos devem viver uma vida comum dentro da penitenciária, eles devem trabalhar153.

Em conformidade ao referido autor, Rodrigo Sanchez Rios alerta sobre a possibilidade de as empresas privadas absorverem a mão de obra dos detentos como uma forma de ressocialização. O autor afirma que o trabalho deve ser visto como uma real alternativa da pena, em face da superlotação e das impossibilidade de se oferecer trabalho para todos os detentos, enquanto estiverem sob a tutela integral do Estado.

5.3.2 O trabalho e a ressocialização

A ressocialização do detento não é resultado unicamente das atividades laborais realizadas durante o cumprimento de pena.

Gustavo de Almeida, em sua tese de doutorado, A inaplicabilidade da Lei de Execução Penal e seus reflexos nos reclusos e egressos do cárcere em Sorocaba 154 menciona que 53 % dos egressos voltam a delinquir. Observa ainda que o detento, ao tornar-se egresso, é entregue à própria sorte e enfrenta o preconceito da sociedade.155

152 LOPEZ-REY, Manuel. Some Considerations on the Character and Organization of Prison Labour.

Journal of Correctional Work. IV Issue, 1957. Publicação: The Government Jail Training School,

Lucknow, Uttar Pradesh, Índia. p.3.

153 Id., Ibid., p.24. “If it is agreed that prison life, as far as possible should reflect normal life, the prisoners should work.”

154 ALMEIDA, Gustavo Portela Barata de. A inaplicabilidade da Lei de Execução Penal e seus reflexos

nos reclusos e egressos do cárcere em Sorocaba. Biblioteca Digital da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo. 155 Id., Ibid., p.172.

Milton Carvalho Filho, em sua tese de doutorado em Ciências Sociais, Do Cárcere à Rua156,observa que o trabalho, por si só, é uma das ferramentas de ressocialização.

Há um processo ao qual o detento deve ser submetido durante o cumprimento da sentença para que a sua adaptação à sociedade evite o deslocamento do egresso ao retornar ao meio social como se fosse um sujeito „estranho‟ ao meio. Essa transitoriedade deve ter uma aceitação maior pela sociedade e intensa reflexiva a respeito dessa condição.

Oswaldo Henrique Duek Marques157 explica que a teoria socializadora se tornou mais notável no século XX, visando sempre reintegrar o detento à sociedade.

Observa o autor que a Lei da Execução Penal (LEP) adotou essa teoria ao proporcionar mais que um programa mínimo de socialização158 ao detendo, prevendo assistência educacional e social aos presos.

O antigo pensamento de que, em primeiro lugar, a sociedade deveria oferecer condições mínimas aos menos favorecidos começa a ser afastada. E a ressocialização passa a ter como objeto e intuito o desenvolvimento do indivíduo por meios construtivos.159