• Nenhum resultado encontrado

ESTRATÉGIA DO PODER: O SABER QUE REVELA O INSULTO COMO PROCESSO VITIMIZADOR COMO UMA NOVA FORMA DE DOMINAR

2 1 COMO ESTÃO REPRESENTADAS AS TRAVESTIS NO ESTADO DA ARTE As travestis, pois, estão representadas numa dimensão epistemológica que o

5. PARA UMA NOVA AURORA TRAVEST

5.4. O ENIGMA DESFEITO: A CONQUISTA TRAVEST

5.4.2. ESTRATÉGIA DO PODER: O SABER QUE REVELA O INSULTO COMO PROCESSO VITIMIZADOR COMO UMA NOVA FORMA DE DOMINAR

Diante, então, da “falência” da dupla poder-saber, dupla que perde o poder de organização, de instituição, de normatividade, diante de uma força que a desobedece, que

não a tolera, que a humilha e a descredita, que a enfraquece e faz com que ela se revele em sua negatividade absoluta, que desperte seus rancores, ressentimentos, surge não um poder reativo, mas um poder ativo, criativo capaz de afirmar-se; não uma limitação, uma interdição ou restrição, não uma coerção ou uma espécie nova de moralização, mas uma abertura para a criação, para o inventar-se, uma abertura para as possibilidades, um campo de agônicas batalhas em que os competidores não negam e não desejam uns em relação aos outros instituir alguma nova espécie de poder. O poder age, pois, salvaguardado pelo saber que daí faz nascer, de sua vontade, de sua força, de seu querer íntimo, interno, procurando limitar tudo e todos aos estabelecimentos que ergue para conservar sua vontade. Quero dizer que, para que existam poderes, devem existir mecanismos/instrumentos disponíveis a cumprir determinadas determinações limitadoras, que sejam capazes das mais perversas e frias ações a fim de assegurar o ‘completo’ domínio. Sendo um pouco mais claro, diante de uma força que se insurge, que se apresenta mais forte, que consegue transpor, transcender às determinações limitadoras de suas organizações o poder apela. O poder baixa o nível. É a sua expressão mais desesperada; lança mão dos mais baixos artifícios, bem como, dos mais sofisticados (como o saber, a exemplo), a fim de reequilibrar o desequilíbrio – a seu favor - das forças para manter, preservar, conservar o domínio que um dia ergueu.

Como afirma o médico Dráuzio Varella,

De todas as discriminações sociais, a mais pérfida é a dirigida contra os travestis. Se fosse possível juntar os preconceitos manifestados contra

negros, índios, pobres, homossexuais, garotas de programa, mendigos, gordos, anões, judeus, muçulmanos, orientais e outras minorias que a imaginação mais tacanha fosse capaz de repudiar, a somatória não

resvalaria os pés do desprezo virulento que a sociedade manifesta pelos travestis120. O grifo em negrito é meu

De todos os “discriminados” quem mais ousou medir forças com o poder disciplinar? Então, por que “continuamos” a descrever, narrar, dissertar as travestis como

uma espécie de seres discriminados – dando este termo pejorativo às travestis -, como diz Dráuzio Varella, o mais discriminado dos discriminados? A que atende esta “nossa” imperiosa necessidade de situar, assim, as travestis? Por que os analistas, os pesquisadores, os intérpretes das travestis, nesta tese, não as descrevem/ram, as narram/ram, as dissertam/ram como aquelas que romperam com “o” poder disciplinar, com suas determinações constitutivas, com sua ordem ou agenciamento moral? Como aquelas que desestruturaram as suas estruturas (de gênero), quebraram, como iconoclastas, as lógicas que até, então, as oprimiam e as governavam? O que significa, enfim, afirmarmos, carregando a mão nas tintas, que travestis sofrem a respeito de todas as “discriminações sociais”, a “mais pérfida” discriminação? Por que, então, do contrário não conseguimos afirmar que de todas as ações sociais as ações travestis são as mais fortes, as mais poderosas, as mais desafiadoras, as mais triunfantes, porque transcendem às coerções limitadoras do poder disciplinar para se constituírem? Por que, então, medir as ações travestis sempre pelo ângulo do poder disciplinar? Isto não é um sintoma da qualidade desta força? Aqui, como entendo, é onde a dupla poder-saber revela-se mestre nas estratégias. Como? Colocar as travestis em discurso e, neste, as situar num ângulo que seja capaz o suficiente de lhes proporcionar um incômodo (a invenção de uma caricatura para lhes caracterizar, minimizando-as) e de estabelecer uma nova lógica para dominá-las (sua pseudo-fragilidade passível de direitos). Isto é, inverteram na ordem do discurso a qualidade e a força das ações travestis. Isto é, sepultaram suas ações para em detrimento disto avaliá-las pelas ações negativas do poder; daí delas aparecerem apenas como discriminadas, injuriadas, insultadas, etc. E, neste caso, o poder aparece como aquele capaz de resolver (o caráter de sujeição, de rebaixamento ressurge) uma tão vexatória e humilhante situação oferecendo-lhes, às travestis, as flores do direito e reconhecendo a sua luta a caminho da inclusão social. E, assim, a discriminação, pois, como fato do saber,

como mecanismo de dominação do poder, efetiva por um lado uma fisiologia e uma pedagogia com que as próximas gerações poderiam/poderão enxergar as travestis retroalimentando pesquisas nesta direção.

Vitimizar no discurso, pois, as travestis para não reconhecer a derrota, o fracasso, a impotência foi a estratégia encontrada pelos mecanismos de poder-saber para continuar dominando. Se por um lado o poder se rebaixa aos mais baixos níveis – tendo como exemplo toda a fenomenologia da discriminação, da injúria -, por outro, ele se levanta, se ergue, envenena, contamina por meio de suas elucubrações científico-discursivas: suas interpretações científicas, o seu mais alto nível. Várias frentes de ataque. Ataca ferozmente num lado e oferece suas espiritualizações (interpretações científicas, porque aí o poder- saber impera) por outro. Um único interesse: conservar o seu poder, o seu domínio. Daí de Dráuzio Varella se perguntar,

Quem são esses jovens travestidos de mulheres fatais, que expõem o corpo com ousadia nas esquinas da noite e na beira das estradas?

Apesar da diversidade [...] Que autoritarismo preconceituoso é esse

que lhes nega acesso à assistência (sic) médica, direito mínimo garantido pela Constituição até para o criminoso mais sanguinário121

(sic). O grifo em negrito é meu

“O” poder-saber tem até mesmo a necessidade de se caricaturar para continuar a dominar. Assim, as travestis são chamadas, como marco político de sua libertação, eis aqui a sua sedução, o canto de sereia, – porque o saber-poder as faz enxergar que são vítimas de um poder -, a insurgirem-se, a lutarem contra as discriminações, as injúrias de que são vítimas e, assim, tornam-se novamente presas a uma lógica, a uma sujeição que, em tese, já teriam saltado por cima, transcendido pelo próprio caráter de sua constituição travesti. E é aqui, justamente, nesta seara em que o poder-saber atua ferozmente combatendo quaisquer características de superação, de afirmação, de vontade de domínio forte, de utilidade individual transformando a própria utilidade individual em algo negativo. É preciso, então,

estar-se reduzido a questões políticas de afirmação fraca – o gay pride é uma de suas expressões -, a desejar-se aí em meio a estas brigas, a estas lutas, a estes vaivens que só lhes resulta – às travestis - em mais uma espécie de sujeição. Reduzidas a simples fósforos pelo poder-saber as travestis aprendem a arte da mesquinharia e a amealhar, a contabilizar algumas parcas conquistas sob a orientação da concessão do direito.

5.4.3. EMERGÊNCIAS DAS CONQUISTAS TRAVESTI: DEMANDAS

Documentos relacionados