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QUADRO 3 – TRABALHOS ANALISADOS CONFORME O TIPO DE DEFICIÊNCIA 2001 –

4 A EDUCAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO CENTRO DE ENSINO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL HELENA ANTIPOFF

4.4 Estratégias de inclusão da pessoa com deficiência intelectual no mundo do trabalho

Observamos nos relatos das professoras e do corpo técnico do CEEE Helena Antipoff, a construção de estratégias diferenciadas de inclusão da pessoa com deficiência intelectual no mundo do trabalho. Tais estratégias visam construir, ainda que de forma subjetiva, um ambiente de estudo e trabalho considerado pelos profissionais do Centro e pela sociedade, como um ambiente de inclusão, que respeite as necessidades e desejos dos sujeitos neles “incluídos”. Assim, buscamos apreender no contexto de formação educacional da pessoa com deficiência intelectual, tanto as estratégias consideradas mais inclusivas quanto as consideradas menos inclusivas.

4.4.1 Estratégias “mais inclusivas”

Todo o trabalho da equipe é percebido por seus participantes como essencialmente inclusivo, já que visa à participação social, ainda que de forma mínima, daquele(a) que historicamente era eliminado, isolado, segregado ou alijado do convívio social. Esse percurso formativo que, em todas as suas etapas, prevê a inserção da pessoa com deficiência intelectual no mundo de trabalho, é destacado pela coordenadora Cecília como includente. Ela complementa: “eu ainda considero uma prática inclusiva, a questão da formação da escola; o treinamento que é dado pela sala de formação; a qualificação através do Sistema S” (CECÍLIA).

A professora Beatriz também destaca o trabalho realizado pela equipe do Centro de modo geral, como forma de proporcionar um espaço de aprendizado à pessoa com deficiência intelectual para desenvolvimento de habilidades e competências que poderão ser utilizadas em sua vida prática:

Olha, porque todas as estratégias feitas, lá no Helena, elas são boas, todas elas. Porque em todas elas nós colocamos os alunos para participar. Não quer dizer que ele vá trabalhar numa empresa, mas ele pode também botar uma empresa para ele. Quando ele faz aquela parte lá de encadernação, ele pode, se ele tiver recurso, a mãe tiver um recurso, ela pode muito bem montar uma lojinha para ele. Porque o aluno lá do Helena já sai com algo. Como é oficina, ele já sai com algo, ele não sai zerado como ele entrou. Ele sai satisfeito com aquilo que ele realizou lá (BEATRIZ).

O discurso da professora Beatriz parece revelar, no entanto, que a possibilidade de inserção no mundo do trabalho, viabilizada pelo aprendizado que o Centro

proporcionou, por meio das oficinas, não se adequa a todas as pessoas, apenas àquelas que têm recurso, escamoteando as condições sociais, econômicas e mesmo educacionais excludentes e desiguais, nas quais vive grande parte da população com deficiência neste país.

Outro aspecto destacado pelas professoras como mais inclusivo é o acompanhamento feito ao aluno em contexto prático de atuação, tanto no período do estágio remunerado na escola, quanto na própria empresa. Rosa assevera: “[...] nós observamos muito. Tudo! O passo a passo deles, principalmente aqui dentro, a participação de cada um”. Essa proximidade com o aluno, na perspectiva de garantir-lhe suporte em sua atuação sobre o mundo, por meio do trabalho, também é destacada pela coordenadora pedagógica:

O estar próximo do aluno é a mais inclusiva. É você observar as especificidades e trabalhar com as especificidades. [...] Por exemplo, isso que a Rosa falou, de estar próximo, de observar o aluno, de ir lá no seio da família, trabalhar essa inclusão do aluno no mercado de trabalho, essa é uma atitude inclusiva para mim (ANA).

Convém ressaltar que o aspecto acima identificado reflete as concepções presentes nos documentos normativos da Educação Especial e na legislação que orienta a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, os quais recomendam o uso de procedimentos e apoios especiais (BRASIL, 1999), bem como apoio pedagógico especializado (MARANHÃO, 2008).39 Estes apoios constituem um avanço no modo de se relacionar e pensar a deficiência, uma vez que deslocam para o meio a responsabilidade pela adaptação, ao invés de exigirem o ajustamento da pessoa com deficiência aos padrões ditos “normais”. Por outro lado, quando apropriados pelo capital e utilizados de forma restritiva ou direcionados ao treinamento e ajustamento de conduta, podem ressaltar o caráter de diferenciação do estigma de “deficiente” e se constituírem, portanto, e contraditoriamente, em estratégia excludente.

Sendo assim, o fato de a percepção dos informantes caracterizar as ações relatadas como includentes, não as redimem de seu caráter essencialmente contraditório na composição da estrutura social capitalista de classes e de sua lógica excludente. Em outras palavras, ainda que as ações do Centro estejam voltadas para a inclusão, o fazem para a posterior exclusão justificada, na medida em que fornecem ao capital os elementos que

39 O apoio pedagógico especializado está previsto no Regimento Escolar dos Estabelecimentos de Ensino da Rede Oficial do Estado, em seu Art. 81 e seus incisos, que preveem a organização e oferta dos seguintes apoios: serviços de itinerância, salas de recursos, núcleos de enriquecimento e presença de intérpretes educacionais.

podem ser usados como explicação para a “não absorção” da força de trabalho com deficiência: de um lado, a formação inadequada, quando esta é uma exigência efetiva e ideologicamente amparada pelos “novos” tempos; e de outro, a falta de acompanhamento e apoios necessários ao processo de inclusão da pessoa com deficiência intelectual, principalmente nos aspectos relacionados às habilidades sociais.

As estratégias de inclusão excludente são definidas como

estratégias de inclusão nos diversos níveis e modalidades da educação escolar aos quais não correspondam os necessários padrões de qualidade que permitam a formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas do capitalismo; ou, na linguagem toyotista, homens e mulheres flexíveis, capazes de resolver problemas novos com rapidez e eficiência, acompanhando as mudanças e educando-se permanentemente (KUENZER, 2002, pp.92-93).

No entanto, ainda que fornecendo justificativas ao capital para a exclusão efetiva ou para formas precárias de inclusão da pessoa com deficiência, todas as concepções das professoras e, consequentemente, as ações a elas relacionadas, convergem para a tentativa de criar condições reais de participação (e neste sentido, de inclusão) do sujeito nos amplos e diversos espaços sociais em que ele se realiza como cidadão.

Portanto, as estratégias de formação e acompanhamento utilizadas, e relatadas pelos profissionais do CEEE Helena Antipoff têm como pressuposto a criação de vínculos de pertencimento, a construção da autonomia e o respeito aos anseios e necessidades da pessoa com deficiência intelectual e representam avanços importantes na luta pelos direitos mais básicos da pessoa com deficiência.

4.4.2 Estratégias “menos inclusivas”

Uma das estratégias menos inclusivas mais percebida pelos profissionais do CEEE Helena Antipoff está relacionada ao processo ensino-aprendizagem pelo qual os alunos e alunas do Centro passam, ou seja, todas as questões relacionadas ao aprendizado de habilidades e competências que possam contribuir para sua inclusão no mundo do trabalho. A formatação das oficinas pedagógicas, nos moldes atuais, é um exemplo citado nas falas das professoras e, conforme já mencionamos, corroborado pelas pesquisas científicas. Vejamos: “Eu acho que também deveria ter uma reformulação nas oficinas pedagógicas, para que essas oficinas viessem direcionar melhor o aluno para o mercado de trabalho, tipo assim: a hotelaria” (CECÍLIA).

Costa et al (2011, p. 205) reforça os estudos anteriores sobre o tema e destaca que as atividades comumente ensinadas nas oficinas pedagógicas “adotam práticas desvinculadas da realidade do trabalho competitivo, tornando-se mais condizentes com uma ocupação na qual a finalidade é o lazer [...] do que uma profissionalização propriamente dita”.

Outra questão prática pontuada é a metodologia de trabalho. A coordenadora do Programa de Inclusão no Trabalho observa que eles não têm atividades fora da escola, como visitas que contemplem a observação do campo de trabalho, e cita como exemplo o curso de operador de supermercado, feito em parceria com o SENAC. “Eles vão a uma visita técnica ao supermercado. É muito pouco! Eles deveriam vivenciar mais essas questões do mercado de trabalho fora da escola” (CECÍLIA).

Além disso, embora os documentos se alinhem ao discurso da formação dos alunos e alunas para o mundo do trabalho, os relatos deixam notar que as práticas estão voltadas essencialmente para preenchimento dos postos existentes no mercado de trabalho. Quando esses alunos e alunas não são encaminhados ao mercado de trabalho competitivo (por não estarem aptos, de acordo com a avaliação dos profissionais do CEEE Helena Antipoff) a tarefa do centro é considerada excludente, como se observa na fala da coordenadora Cecília:

Eu vejo também, como uma atitude muito exclusiva, é o momento que a gente devolve o aluno para a família, sem ter aproveitado o mínimo da possibilidade dele no mercado de trabalho. [...] e faz parte sim da educação especial uma oficina protegida, uma cooperativa. Então muitos alunos a gente manda embora para casa, vai para casa, aí cria uma estratégia tapa buraco de dizer que vai para uma associação fazer curso. Não vai fechar resultado com ninguém isso aí. [...] Então, alguma coisa, em forma de oficina protegida, para não devolver esse menino para a sociedade sem função. A gente inclui e, no final, a pessoa pega passa o machado e exclui, porque ele está excluído do processo. Ele foi devolvido sem continuidade, sem função. E ele teria sim função a desempenhar (CECÍLIA).

Por trás desta fala, esconde-se a exclusão da pessoa com deficiência intelectual considerada inadequada aos contextos de trabalho no mercado tradicional, em virtude do grau de comprometimento cognitivo ou comportamental pela deficiência que apresenta. A literatura científica tem apontado que as empresas, em geral, contratam pessoas com deficiência que exigem menores adaptações e demandam pouco ou quase nenhum investimento ou esforço na mudança da dinâmica de trabalho das equipes. Para estas pessoas, o mercado de trabalho não está aberto, pois não são adequadas, e por isso a

coordenadora Cecília sugere a organização de outras formas de colocação, que não são atualmente utilizadas pelo CEEE Helena Antipoff.

As concepções e atitudes dos profissionais do Centro também são destacadas como menos inclusivas ou excludentes, por revelarem o preconceito ou a visão limitante da pessoa com deficiência.

Às vezes a Cecília vem e diz assim “mas ele tem condições, eu acredito nisso”, e aí o profissional diz assim: “hum, esse menino não dá para nada!” Isso para mim é a atitude mais exclusiva possível dentro da Educação Especial: você deixar de acreditar. [...] Então, para mim, a atitude exclusiva, que a gente ainda tem aqui e ali, é esse não acreditar. É esse cruzar os braços e não fazer a coisa acontecer (ANA).

É possível perceber que as estratégias referidas pontuam ações do todo, na unidade de seus contrários, revelando o movimento contraditório das relações humanas e interações sociais estabelecidas no processo de educação: estar próximo e estar distante; acreditar e deixar de acreditar; formar para autonomia de vida e formar para o mercado de trabalho; dentre outros aspectos mencionados nas falas.

4.5 Concepções dos educadores do Centro de Ensino de Educação Especial Helena