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QUADRO 3 – TRABALHOS ANALISADOS CONFORME O TIPO DE DEFICIÊNCIA 2001 –

5 RELATO E ANÁLISE DOS CASOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO TRABALHO

5.1 O caso Benjamin

5.1.4 Possíveis fatores que interagiram para a inclusão e exclusão de Benjamin no mundo do trabalho

Para concluir este caso, nos propusemos analisar os possíveis fatores que interagiram nos múltiplos processos de inclusão e exclusão de Benjamin no mundo do trabalho. Múltiplos porque compreendemos que ocorrem e se inter-relacionam nos

diferentes espaços em que Benjamin atua e se faz (ou fez-se) sujeito dessa ação, seja no trabalho, na escola ou na vida. Além disso, a multiplicidade também se manifesta por serem processos complexos e contraditórios que não se realizam isoladamente, mas que coexistem e, muitas vezes, podem se confundir (ou se fundir). Sendo assim, e objetivando a compreensão desses fatores coexistentes, estabeleceremos nossa análise a partir desses espaços diversos: a família, o CEEE Helena Antipoff e o trabalho.

Um primeiro aspecto relevante, no que diz respeito à dinâmica familiar de Benjamin, é a forma como sua mãe (e sua família, de acordo com os relatos coletados) se relacionaram com o sujeito e com sua deficiência. Em virtude da situação socioeconômica desfavorável de seus pais, bem como, da compreensão pouco abrangente (e tardia) sobre a deficiência de Benjamin, arriscamos inferir que o foco das relações que se estabeleceram posteriormente não recaiu sobre a deficiência, mas sobre a construção da autonomia do sujeito, vez que a mãe não poderia contar com cuidados extras de babá, tampouco teve uma rotina de consultas médicas, que lhe ajudassem a entender o que se passava.

Somente em seu processo de escolarização, quando encaminhado para uma sala especial, que sua mãe começou a compreender que ele se diferenciava das demais crianças. Para Dona Madalena, Benjamin tinha um “problema no cérebro” e, ainda hoje, assume que o que ela sabe sobre a deficiência de seu filho “é que ele não sabe leitura, de jeito nenhum”.

Essa aparente falta de conhecimento de seus pais, aliada às necessidades econômicas da família, pode ter contribuído para que Benjamin, desde cedo, fosse estimulado a conseguir um emprego, de modo a suprir suas próprias necessidades. Além disso, o entendimento de que há instalada uma dificuldade em aprender as coisas, descola o significado da deficiência da noção de doença e, portanto, de incapacidade. Desta forma, Benjamin não acaba por ser limitado em suas possibilidades de atuação sobre o mundo e constrói cotidianamente sua autonomia nas tarefas em que realiza sozinho: do deslocamento ao trabalho às decisões sobre o que fazer com o seu salário.

Por outro lado, este mesmo desconhecimento e a falta de condições financeiras não oportunizaram ao Benjamin, por exemplo, acesso a um fonoaudiólogo, numa instituição pública ou privada, para que fosse tratada ou amenizada sua dislalia, conforme sugerido por profissionais da Educação Especial da SEDUC. Vez que este é um aspecto que explicita para o outro sua diferença, embora não esteja diretamente relacionado à deficiência intelectual, Benjamin acaba sendo alvo de imitações de sua fala no ambiente de trabalho e no seu dia a dia, ocasionando assim sua inclusão perversa. Segundo Furtado

(2011, p. 87-88), “isso ocorre porque a dimensão subjetiva que justifica a nova condição é uma forma de inclusão que mantém a exclusão”, pois ressalta uma característica que simboliza sua inferioridade social e que pode significar, ao invés de aceitação, sofrimento.

A educação também contribuiu com os processos de inclusão e exclusão de Benjamin no mundo do trabalho. Sua formação, desassociada das demandas do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, perfeitamente integrada ao modelo imposto pelo capital, reproduz a divisão social e técnica do trabalho e fortalece as exigências de um processo produtivo que, embora articule no discurso a unificação de competências variadas, esvazia de sentido a atuação do trabalhador.

Assim, dois aspectos de sua formação, mediada pelo CEEE Helena Antipoff, chamam nossa atenção. O primeiro diz respeito à sua formação na oficina pedagógica de encadernação e xerox e seu encaminhamento para o trabalho em atividades de serviços gerais. Aqui, aparece uma formação que em nada se relaciona com as atividades para as quais, em geral, os alunos são encaminhados, e que pode servir de justificativa para sua inadequação ao mercado do trabalho.

É assim que observamos muitas pessoas com deficiência, particularmente com deficiência intelectual, como é o caso de Benjamin, na periferia do mercado de trabalho, realizando atividades simples, de baixa complexidade, justificadas em sua formação inadequada ou sua “incapacidade mental”, corroborando os achados de outras pesquisas científicas (LANCILLOTTI, 2001, RIBEIRO; CARNEIRO, 2009, VELTRONE; ALMEIDA, 2010, ROSA; DENARI, 2013).

Rita, empregadora de Benjamin, afirma ser essa uma das dificuldades de contratação da pessoa com deficiência intelectual: sua parca ou nenhuma formação. Neste sentido, a responsabilidade da pouca empregabilidade da pessoa com deficiência intelectual se justifica na sua falta de formação e responsabiliza o próprio sujeito por seu maior ou menor potencial empregatício. Essa compreensão da realidade acaba por obliterar as causas mais profundas da produção da exclusão e da descartabilidade dos trabalhadores excessivos, legitimada pela ideologia das competências e reforçada por um modelo que vê a inadequação do outro como uma responsabilidade (e até culpa) individual.

Benjamin não percebe os determinantes de sua inclusão precária, porque foi ensinado a se ajustar, assim como seus demais colegas de trabalho, considerados sem deficiência. As exigências do capital então se justificam, são aceitas e incorporadas como justas.

O segundo aspecto de sua formação que chama nossa atenção é a ênfase no seu disciplinamento que, com a intenção de melhor “incluí-los” no mercado, molda-o aos interesses do capital, reduzindo sua formação ao simples ajuste comportamental e ao aprendizado das atividades de vida diária e autônoma. Mais uma razão para sua colocação nas atividades mais simples, em geral de limpeza e organização, tal como elas se apresentam no seu dia a dia. É o que estamos chamando de inclusão condicionada ou limitada.

Por outro lado, embora a exclusão e a inclusão condicionada ou limitada se assentem em justificativas de formações inadequadas ou na matriz de normalidade, observamos, a partir da década de 90, uma maior participação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. O próprio Benjamin revela isso ao se referir às vagas do mercado de trabalho quando afirma que “antigamente não tinha, agora hoje tem demais”.

No caso da pessoa com deficiência intelectual, esse aumento se faz notar, em números absolutos, pela razão expressa por Benjamin, mas que revela um momento histórico-político específico: o da imposição das cotas para pessoas com deficiência. No entanto, essa inclusão, é por vezes, condicionada ou limitada pelas concepções de deficiência e pelos interesses do capital. A pessoa com deficiência intelectual só é absorvida à medida em que serve aos propósitos econômicos do capitalismo. Conforme constata Lancillotti (2003, p. 84),

a despeito do discurso de que o trabalho vem exigindo níveis mais elevados de formação por ser mais complexo, vê-se a ampliação do trabalho simples, que exige menos do trabalhador. E como o sistema automático permite, progressivamente, a substituição dos trabalhadores mais hábeis pelos menos hábeis, muitas funções poderiam ser desempenhadas por trabalhadores com deficiência.

Como quer o movimento ideológico da acumulação flexível, Benjamin acumula funções sob o discurso da unidade, da capacidade de realizar várias tarefas. No entanto, sob essa aparente unidade, na verdade, se esconde apenas um “tarefeiro”, alguém que realiza muitas atividades, obedecendo ordens bem específicas, a partir de uma rotina aprendida com a experiência. Como analisa Kuenzer (2002), trata-se apenas de juntar partes de um todo e ampliar a tarefa do trabalhador, o que não implica totalidade do trabalho.

No entanto, ressalte-se que o trabalho tem se constituído na forma, por excelência, de assegurar a sobrevivência do trabalhador, e, ao mesmo tempo, por sua dimensão subjetiva, de lhe atribuir sentido enquanto ser. Benjamin “é” porque trabalha e

isso lhe confere valor social e reconhecimento pessoal. Nas relações que estabelece durante a realização de sua rotina, acha-se no mundo como sujeito de ações e, contraditoriamente, e simbolicamente, como sujeito capaz de transformar o mundo a sua volta e a si mesmo. Deixa simplesmente de ser socialmente “incapaz”. Ele existe, está lá e é capaz. Isso já representa uma grande conquista para a pessoa com deficiência intelectual.

Por fim, vale recordar que Benjamin vive em seu ambiente de trabalho as contradições do capital. Nas diversas formas de inclusão no mundo do trabalho (precária, excludente, condicionada ou limitada) são gestadas as condições para a superação da lógica excludente. A presença da pessoa com deficiência intelectual estabelece novas possibilidades de pensar a deficiência, de pensar a inclusão (de si e do outro) e de pensar o próprio processo de trabalho, de modo que outro modelo societário, realmente includente, igualitário e socialmente justo, possa ser gestado.