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QUADRO 3 – TRABALHOS ANALISADOS CONFORME O TIPO DE DEFICIÊNCIA 2001 –

5 RELATO E ANÁLISE DOS CASOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO TRABALHO

5.2 O caso Ulisses

5.2.3 Ulisses em situação real de trabalho

Assim como Benjamin, a contratação de Ulisses foi intermediada pelo CEEE Helena Antipoff. A informação sobre a existência de vaga e as orientações sobre os procedimentos e etapas do processo seletivo foram feitas pela instituição. Todavia, Ulisses não parece compreender como se efetiva o processo de contratação em termos práticos e legais, tendo a necessidade de ser auxiliado e apoiado neste processo.

Seu emprego atual corresponde a sua primeira e única experiência no mercado competitivo. Sendo assim, Ulisses não reúne experiência de trabalho em outras áreas e/ou ramos de atuação. Sua função é cuidar da limpeza e manutenção de uma das lojas da empresa, localizada em bairro de classe média de São Luís. Trabalha em dois turnos, cumprindo 8 horas diárias de atividades, com intervalo de duas horas para almoço. Reside próximo à sua unidade de trabalho e por isso vai a pé para casa, confirmando o critério informado pela empregadora para o encaminhamento ao posto de trabalho.

É pontual e não necessita de orientações e nem de auxílio constante para execução de suas tarefas. Já conhece suas atribuições na loja e, ao chegar, vai direto para o almoxarifado da loja para organizá-lo e limpá-lo. Embora sua atribuição seja cuidar da limpeza, demonstra ter conhecimento da loja como um todo e acaba por auxiliar em todas as tarefas para as quais é requisitado. Organiza e limpa as estantes do almoxarifado; recolhe as caixas de papelão onde são acondicionadas as carnes, dobra-as e deposita-as na lixeira, além de levá-las de bicicleta até um lixão próximo, para descarte final; cuida da

manutenção da cisterna e realiza o procedimento para enchê-la sempre que necessário; varre e limpa toda a loja, tanto parte interna, quanto frente e calçada, limpa as máquinas de corte e moenda, bem como bandejas de exposição de carne e bancadas; mói a carne e participa de outras tantas atividades quando solicitado pela gerência e colegas de loja. Ulisses está perfeitamente incluído no sistema do capital, na perspectiva toyotista que sob o discurso da totalidade do trabalho esconde a mera polivalência do trabalhador. Constitui, deste modo, peça fundamental para reprodução da “máquina” capitalista.

Ulisses possui uma assimetria dos membros e por isso anda com certa dificuldade, mas isso não o atrapalha em suas atividades. Embora seja bastante tímido e reservado, e se expresse com dificuldade, interage em todos os tipos de situações. É educado com os demais funcionários e tem muita iniciativa. Atende às solicitações de todo o grupo sem apresentar nenhum tipo de dificuldade quanto à realização das tarefas, e demonstra ser capaz de apresentar soluções para problemas que surgem e/ou sugerir outras formas de fazer que facilitam a execução da tarefa.

Durante as nossas observações, percebemos que sua maior dificuldade é compreender a organização de um dia de trabalho quanto ao tempo decorrido. Assim, recorre ao gerente para perguntar quanto ao seu horário de entrada e de saída.

No que se refere aos aspectos de sua formação no CEEE Helena Antipoff que contribuíram para sua atuação no trabalho, Ulisses foca, especialmente, no aprendizado da sua função específica de limpeza, durante o estágio supervisionado. Diz que aprendeu a “varrer o pátio, limpar, tirar os papéis do banheiro”, mas não consegue estabelecer a relação entre seus aprendizados, dentro e fora da escola, e sua inclusão no trabalho.

As dificuldades em estabelecer relações e, portanto, avançar para funções superiores de pensamento, nos faz questionar se ele foi incentivado nesta perspectiva, mediante o exercício intelectual, que não se esgota em sua dimensão concreta, conforme destaca Vygotsky (1989). Isso pode ter sido o resultado de quase 10 anos em classes especiais e de uma formação centrada preponderantemente no treino de atividades práticas, em oficinas pedagógicas. Como salienta Batista e Mantoan,

Esse exercício intelectual implica em trabalhar a abstração, através da projeção das ações práticas em pensamento. A projeção e a coordenação das ações práticas em pensamento são partes de um processo cognitivo que é natural nas pessoas que não têm deficiência mental. Para aquelas que têm uma deficiência mental, essa passagem deve ser estimulada e provocada, para que consigam interiorizar o conhecimento e fazer uso dele, oportunamente (2007, p.23).

A atuação cotidiana de Ulisses se reflete e parece incidir na visão que seus colegas de trabalho têm da deficiência e de sua potencialidade. Não observamos, durante a pesquisa de campo, nenhuma ação, fala e/ou intenção discriminatória e/ou vitimizadora de Ulisses. Ao contrário, em diversas situações, o seu gerente imediato ressaltava que “ele é inteligente, que todos gostam dele e que quando está de folga, os demais funcionários sentem sua falta porque ele os ajuda demais” (CALABAR).

A percepção do trabalho de Ulisses parece retratar compreensões sobre adequação ou não de suas funções, execução da tarefa e a gestão individual de sua inserção, de forma muito similar às percepções sobre os trabalhadores sem deficiência alguma. Isso ocorre uma vez que a pessoa com deficiência intelectual consiga demonstrar, na prática, sua utilidade como trabalhador, a despeito do estigma que a desqualifica antes mesmo de comprovar seu potencial (GOFFMAN, 2008). Como constatado pela pesquisa de Carvalho-Freitas e Nepomuceno (2008, p.91, grifo nosso), as resistências quanto à contratação e/ou inclusão da pessoa com deficiência

estão associadas a um conjunto mais amplo de crenças, percepções e valores que a pessoa possui ou compartilha em relação ao trabalho delas. [...] verifica-se que a deficiência, por si só, não é um atributo que modifica a percepção das pessoas e a maneira como preferem controlar o trabalho dos subordinados.

Confirmando o relato de Carolina, não observamos nenhuma adequação ou mudança no ambiente de trabalho que pudesse facilitar a atuação de Ulisses. Por serem suas atividades consideradas de pouca ou nenhuma complexidade, de caráter mesmo instrumental e prático, bem como pela própria cultura que nos faz conceber apenas mudanças ligadas à estrutura física, não são nem percebidas as necessidades de tais mudanças para o caso de Ulisses, já que o mesmo realiza tudo quanto lhe é solicitado, a despeito de sua assimetria de membros e o desgaste físico que isso possa lhe impor.

Embora sua inclusão tenha se dado em um trabalho de natureza mais mecânica que intelectual, e isso, em geral, corresponde à compreensão social de que é a atividade, por excelência, mais adequada à pessoa com deficiência intelectual, face ao seu comprometimento cognitivo e às dificuldades que apresenta no campo das habilidades adaptativas, mais uma vez observamos que o trabalho pode se constituir em fonte de realização pessoal, por permitir que a pessoa sinta que tem uma “utilidade”. Ulisses relata que se sente bem em seu trabalho e que prefere estar lá a passar as tardes em casa. Quando perguntamos o porquê, ele afirma que é porque é melhor, “melhor do que ficar em rua fazendo coisa que não deve” (ULISSES). No entanto, sua afirmação parece dizer que ficar

no trabalho “é menos ruim” que ficar em casa. Não consegue, como Benjamin, por exemplo, enumerar os possíveis outros ganhos que o trabalho lhe proporciona.

5.2.4 Possíveis fatores que interagiram para a inclusão e exclusão de Ulisses no