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2. Abordagem, definição de objectivos e metodologia de trabalho

2.5. Estrutura do trabalho

A dissertação está organizada em duas partes (I. e II.): uma, dedicada ao litoral português em geral, com maior incidência na orla costeira ocidental a norte do Tejo, por razões que já explicitámos antes; a outra, consagrada ao Algarve. Estas partes dividem- se em dois grandes capítulos (A. e B.) que se subordinam a diferentes temáticas. No primeiro (A.) será desenvolvida a ideia geral que as representações do litoral são construções históricas, com carácter iminentemente subjectivo e social, porque produto de comunidades, com características políticas, económicas, culturais e mentais distintas que determinam as suas interpretações sobre o meio envolvente. No segundo capítulo (B.), trabalharemos partindo do pressuposto que pensar o litoral é atribuir-lhe um significado e/ou uma utilidade, o que tem consequências físicas sobre o meio – como a construção de estações balneares, a edificação de segundas residências, o aparecimento de estruturas de defesa costeira e outras. Depois de historiar a presença das marcas humanas na paisagem faremos uma análise das suas repercussões nos sistemas costeiros. Veremos também como a reacção da Natureza às acções antrópicas exige novas respostas do homem para lidar com as situações criadas pela sua interferência nos equilíbrios naturais.

Dentro deste esquema geral, começaremos por mencionar a situação da costa portuguesa no início do século XIX, explicando as assimetrias de povoamento entre os litorais abertos e os litorais abrigados, mostrando que as razões históricas para o despovoamento dos primeiros se prendem não só com motivos reais e concretos – pirataria e corso, naufrágios e tempestades, escassez de recursos -, mas também com todo um imaginário criado em torno do medo do desconhecido e do temor dos seres maravilhosos que se acreditava habitarem a infinitude do mar-oceano (I.A.1). Depois falaremos da invenção social da praia, sob indicação terapêutica, fenómeno que se inicia em Inglaterra e França ainda no século XVIII, mas que só se instala em Portugal na centúria seguinte. Daremos a conhecer as vivências, práticas e sociabilidades associadas ao usufruto do espaço marítimo que, reservadas inicialmente às elites, contribuíram para a democratização do uso do espaço litoral, logo que a melhoria das condições de vida, a instituição do direito às férias (pagas) e o desenvolvimento dos transportes permitiram a deslocação das massas para a faixa costeira (I.A.2). Ainda no capítulo dedicado às representações ou modos de pensar o litoral, analisaremos como o Estado português, na forma dos vários governos que se sucederam no período em estudo, perspectivou a orla

marítima nacional, considerando a sua importância estratégica, política e económica, tendo em conta a sua defesa militar, o contributo das pescas e do comércio marítimo e o peso dos portos portugueses. Depois, veremos como a sua preocupação em controlar este espaço periférico para melhor aproveitar os seus recursos se consubstanciou na criação de missões de reconhecimento científico e de representação cartográfica do litoral, no aproveitamento de extensas áreas sem utilidade – as dunas costeiras -, e na produção de legislação específica – a consignação da figura jurídica do Domínio Público Marítimo - com vista a garantir a sua jurisdição sobre este território e sobre as actividades ali desenvolvidas. Observaremos ainda como o despontar do turismo balnear, o seu desenvolvimento e importância económica determinaram o olhar presente das autoridades nacionais sobre o espaço litorâneo, definindo todo um conjunto de políticas de turismo e orientações estratégias para a orla costeira (I.A.3).

Em seguida, analisaremos as práticas e consequências da intervenção humana no litoral (I. B), começando por ver como se efectuou a antropização do espaço costeiro: quer pela transformação dos seus primitivos aglomerados populacionais – os povoados piscatórios – em centros urbanos de média/grande dimensão, sob a pressão do turismo de massas; quer pela realização de grandes obras - intervenções de carácter portuário /fluvial e alterações nos regimes agrícolas e florestais - em todo o território nacional com impacto significativo sobre a faixa costeira (I.B.1). Depois procuraremos avaliar as repercussões das acções antrópicas mencionadas, fazendo referência à evolução recente da linha de costa, especialmente aos fenómenos de erosão costeira e seus impactos sobre as populações, com base em informações recolhidas nas fontes históricas consultadas. Interpretados os dados existentes à luz do conhecimento científico actual colocaremos algumas hipóteses de explicação para o agudizar dos fenómenos de erosão na costa portuguesa nos últimos dois séculos, sobretudo a partir do século XX. Ainda no âmbito desta discussão analisaremos com pormenor o caso de Espinho, a situação mais conhecida (e bem documentada) de destruição causada pelo mar, no período de Oitocentos. Por último, referiremos as medidas de protecção do espaço costeiro adoptadas pelas autoridades nacionais, na tentativa de garantir a manutenção da linha de costa actual e de assegurar a gestão de um território caracterizado pela sua complexidade e pela multiplicidade de utilizações contraditórias (I.B.2).

Na segunda parte (II.) trataremos especificamente da orla costeira algarvia. Primeiro, faremos a caracterização do território tendo em conta as vivências e representações daquele espaço (II.A). Veremos o tipo de povoamento, as actividades

económicas predominantes, os transportes e vias de comunicação existentes, assinalando as continuidades e mudanças na região - aberta ao mundo pela via marítima, mas isolada do resto do país pelas dificuldades de comunicação terrestre -, antes da afirmação do turismo de massas (II.A.1). Em seguida, abordaremos a questão da emergência do fenómeno balnear ainda no século XIX e o despontar do turismo algarvio na centúria seguinte, explicando como, graças à propaganda e à construção do aeroporto de Faro (1965), o “segredo mais bem guardado da Europa” se transformou em destino de eleição de turistas ingleses e alemães e dos próprios portugueses, sobretudo a partir do 25 de Abril (II.A.2). Depois analisaremos o modo como as autoridades nacionais, à semelhança do que aconteceu em Espanha, procuraram converter o Algarve numa grande região turística capaz de atrair divisas estrangeiras em larga escala: faremos referência aos vários estudos e projectos que foram encomendados para aquela província e à sua (reduzida) aplicação (II.A.3). No último capítulo, que diz respeito às práticas e consequências da ocupação antrópica do litoral algarvio (II.B), trataremos da transformação das povoações costeiras sob pressão de uma intensa procura, referiremos os problemas decorrentes do crescimento urbano excessivo e falaremos ainda de algumas intervenções humanas – obras portuárias e fluviais, agricultura e florestas – com reflexo no litoral (II.B.1). Depois, dedicar-nos-emos à caracterização da linha de costa algarvia e ao impacto das intervenções antrópicas na sua evolução recente, indicando também as medidas de salvaguarda implementadas pelas autoridades e a sua (in)eficácia na resolução dos problemas existentes (II.B.2). Por fim, faremos um estudo de caso da Praia da Rocha, considerada um paradigma da antropização da orla costeira algarvia. Observaremos o despontar desta estância balnear, o seu crescimento urbanístico e os planos de urbanização de que foi alvo, verificando estas transformações em pormenor pela análise da cartografia e iconografia disponíveis. Veremos depois as razões que determinaram a sua alimentação artificial no início dos anos 70 e como este procedimento contribuiu para alterar profundamente não só a paisagem natural existente, mas também a fácies urbana sobranceira à praia, artificializando por completo aquele espaço (II.B.3).

Parte I. Evolução da ocupação histórica do