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Parte I. Evolução da ocupação histórica do litoral português na época contemporânea:

B) Práticas e consequências da intervenção humana no litoral

1. A antropização do espaço costeiro

1.2. Grandes obras e intervenções humanas com reflexos na orla costeira

1.2.3. Florestas e agricultura

Em meados do século XIX, foi alvo de intenso debate pela opinião ilustrada o assunto da elevada extensão dos incultos e das formas do seu aproveitamento, tendo em conta a rentabilização do solo nacional. Em 1789, Domingos Vandelli referia que estavam incultas duas a três partes do país, estimando Brotero, em 1827, que estas terras representassem cerca de metade do território, incluindo grande parte das serras - desertas de arvoredo nos seus cumes - e vastas áreas em todas as províncias, cobertas de urzes, estevas, tojos, silvas e fetos. Pouco tempo antes, Andrada e Silva queixara-se da destruição progressiva dos arvoredos que cobriam o solo português, em consequência do aumento do consumo de lenhas por parte dos povos e das indústrias emergentes, e afirmara que as leis e regimentos existentes eram inúteis perante as devastações

causadas pelas populações e pela indiferença das várias entidades a quem competia guardar as matas. Segundo ele, Portugal à semelhança de outros países na Europa, deveria semear e plantar árvores em todos os baldios e maninhos sem aptidão para a agricultura, especialmente nos cumes e encostas das serras e nos areais da costa, para obstar às grandes enxurradas, ao assoreamento de barras e rios e à destruição de campos agrícolas353.

Em 1868, o Estado mandou elaborar o Relatório sobre a arborização geral do país, que já referimos (I.A.3.2.2.), com o intuito de se dotar de um instrumento de trabalho, que permitisse calcular a verdadeira extensão dos terrenos desprovidos de cultura e avaliar as possíveis utilizações desse vasto território. Segundo as indicações dos autores do relatório existiam 5 milhões de hectares desaproveitados, dos quais uma parte podia ser submetida à agricultura, enquanto a outra devia ser destinada à produção silvícola, não só pela falta de aptidão agrícola dos terrenos, mas também pela sua importância na conservação dos solos e na manutenção de um bom regime hídrico. Carlos Ribeiro e Néry Delgado referiam-se em particular às encostas das serras, às vertentes das bacias hidrográficas e às dunas do litoral (Fig. 39).

O Estado assumiu a sua responsabilidade em matéria de florestação, encarregando os Serviços Florestais de dar prossecução à tarefa de arborização das áreas consideradas prioritárias. É bom lembrar que a arborização de serras e dunas implicava elevados custos, só reembolsáveis a longo prazo; sendo por isso um investimento incomportável para a bolsa de particulares e só ao alcance dos cofres estatais. Nos anos de 70/80 de Oitocentos, aqueles Serviços deram início aos trabalhos de expansão da área florestal nacional, incidindo, numa primeira fase, na fixação das areias móveis do litoral, para protecção das barras dos rios, das obras portuárias e dos campos agrícolas adjacentes, respondendo a uma solicitação já antiga dos povos (ver I.A.3.2.2.).

Figura 39. Extracto do Esboço de uma Carta representando os terrenos cultivados e incultos de Portugal para servir à melhor inteligência o Relatório acerca da

Arborização geral do país publicada pelo

Instituto Geográfico. Legenda:

Verde – Medões do litoral Castanho - Cumeadas incultas Amarelo - Terrenos de charnecas

Estão aqui assinaladas as Matas das Dunas de Leiria:

1. Urso 2. Pedrogão

3. Charneca do Nicho 4. Galga (bacia do Lis) 5. Pinhal de Leiria 6. Casal da Lebre 7. Alvas

8. Valado

(Francisco Castro Rego, Op. cit., p. 40)

1.2.3.1. Os pinhais do litoral

Inicialmente foram feitas sementeiras nas dunas do Camarido, S. Jacinto, Gafanha, Cabedelo e Lavos, Leirosa, Urso, Pedrogão, Pinhal de Leiria, Valado, Peniche, Trafaria e Caparica, Medos e Albufeira e Vila Real de S. António. Os trabalhos efectuados até 1910 foram reduzidos e instáveis, traduzindo-se num total de 18.075ha semeados, que representam 36% da área intervencionada até 1955354 (Fig. 40 e 41). A morosidade com que estas tarefas foram executadas deveu-se sobretudo à falta de recursos dos Serviços Florestais, cujos meios eram demasiados escassos para uma tão grande extensão de areal, à ausência de um método uniforme de proceder às sementeiras e à não existência de uma rede de funcionários locais capazes de garantir a manutenção

354 Há que referir que a análise estatística dos dados pode apresentar algumas distorções. Por exemplo,

quando comparamos a área arborizada até 1910 com o que foi efectuado nos períodos seguintes, esta parece significativa e bastante relevante. Contudo, as fontes históricas apontam noutro sentido, os trabalhos de arborização das dunas durante o período da monarquia foram bastante irregulares e precários, estando sujeitos a constantes resementeiras. A distorção estatística resulta de que o valor “até 1910” engloba um período de tempo muito lato, porque alguns dos pinhais nas dunas – Camarido, Leiria – são anteriores ao século XIX. Os dados aqui analisados foram retirados de Francisco Castro Rego, Florestas

das sebes, coberturas e resementeiras, pelo que frequentemente se perdiam terrenos plantados em anos anteriores.

Depois de 5 de Outubro de 1910, não houve ruptura em relação às medidas anteriormente adoptadas no que respeita à arborização dos areais. Pelo contrário, foi reconhecida a importância desta tarefa e as leis promulgadas pela República visaram sobretudo reforçar a legislação criada nos últimos anos da monarquia constitucional. Entre 1911 e 1926, foram novamente realizados trabalhos de sementeiras nos areais de S. Jacinto, Gafanha, Cabedelo e Lavos, Leirosa, Urso, Pedrogão, Trafaria e Caparica e V.R. S. António, sendo intervencionadas pela primeira vez as dunas de Ovar, Mira, Quiaios e Alvas. O que se traduz em termos quantitativos por 5245 ha de sementeiras, significando isto que neste intervalo de tempo foram realizadas 10% das intervenções totais de arborização de dunas (Fig. 40 e 41). Contudo, apesar dos resultados alcançados, a tarefa de fixar as grandes dunas da costa continuava a ser uma luta constante contra os elementos naturais adversos, contra a falta de cabedais e de meios humanos, e contra a animadversão dos povos que contestavam a perda dos seus baldios e exigiam a conservação de velhos costumes que lhes permitia a exploração das matas355.

O Estado Novo considerou da maior importância económica terminar o trabalho de fixação das dunas iniciado no século anterior: entre 1927 e 1955, a área de sementeiras aumentou de uma forma extraordinária. Das dunas já referidas foram alvo de novas acções de plantação - Ovar, S. Jacinto, Gafanha, Mira, Quiaios, Urso, Alvas, Peniche, Trafaria e Caparica, Medos e Albufeira e V.R de S. António. Na Guelfa, Vagos e Cantanhede foram realizados os primeiros trabalhos de fixação das dunas. Neste período foi arborizada cerca de 54% da área total florestada entre o século XIX e 1955 (Fig. 40 e 41). A Lei do Povoamento Florestal (1938) veio reforçar a posição das autoridades em matéria de florestação das dunas, fixando novas dotações para a conclusão desta tarefa. Contudo, assinalou também uma inflexão na política de actuação, pois se até aqui tinham sido privilegiados os trabalhos no litoral, daí em diante passou a ser dada prioridade à florestação de serras e baldios do interior do país.

Depois da II Guerra Mundial, o sector florestal sofreu uma brusca mudança, na medida em que a industrialização do país gerou um aumento substancial na procura dos produtos silvícolas. Desta forma, intensificou-se a «pressão sobre o governo e os

Área das dunas arborizada 0% 20% 40% 60% 80% 100% Cam arido (144 ha) Gelfa (60 h a) Ovar (308 0 ha) S. Ja cinto (630 ha) Gafa nha (812 ha) Vago s (34 21 ha ) Mira (588 5 ha ) Cant anhe de (2 642) Quiai os (7 611 h a) Cabe delo e Lav os (7 60 ha ) Leiro sa (1 085 h a) Urso (631 1 ha) Pedr ogão (183 6 ha) Pinh al de Leiria (113 39 h a) Alva s (10 92 h a) Valad o (15 04 ha ) Penic he (1 44 ha ) Trafa ria e Capa rica ( 234 ha) Medo s e A lbufei ra (1 000 h a) V.R. S. A ntón io (4 76 h a) Total da ár ea ar boriz ada ( 50 0 66 ha ) Dunas 1927-1955 1911-1926 Até 1910

Figura 40. Gráfico sobre a área das dunas submetida a trabalhos de florestação, por local e por época (dados de Francisco Castro Rego, Op. cit.)

Fases de arborização das dunas

36% 10% 54% Até 1910 1911-1926 1927-1955

Figura 41. Gráfico sobre as fases de florestação das dunas (dados de F. Castro Rego, Op. cit.)

serviços oficiais do sector no sentido da expansão da área arborizada com finalidades industriais, assim como [se observou a] entrada crescente da própria indústria, não só como promotor, mas como produtor e, até mais, como grande proprietário» florestal. Isto teve como consequência o inflacionar «da conflitualidade das funções da floresta» uma vez que um dos principais objectivos desta - a “protecção” dos solos e do regime de águas fluviais - ficou secundarizado perante o factor “produção”, subordinado a altos interesses económicos356. A directriz passou a ser então a aposta na explorabilidade máxima das matas e na utilização de espécies arbóreas mais rentáveis, como o eucalipto. Face a esta nova perspectiva, as áreas florestais situadas na costa marítima

356 A.A. Alves Monteiro, “A floresta no século XX”, in Dois séculos de floresta em Portugal, Lisboa,

foram votadas a um desinteresse progressivo: os pinheiros enfezados que por ali proliferavam e a fraca rentabilidade do solo arenoso, inadequado a uma exploração florestal intensiva, não tinham grande proveito para a actividade industrial. Por outro lado, a partir dos anos 60, o litoral português ganhou nova projecção, na medida que se transformou no principal destino de férias da população. Assim, desta data em diante, assistiu-se à sucessiva subordinação destes terrenos à pressão urbanística. Em 1961, por exemplo, a Câmara de Mira pediu a exclusão do regime florestal de uma parcela incorporada no perímetro das dunas de Mira para dar execução ao plano de urbanização daquela praia357; em Pataias, a Câmara Municipal de Alcobaça pediu a cedência de duas áreas, nas Alvas da Senhora da Vitória e na de Mina de Azeche, consideradas indispensáveis para a expansão da povoação da Praia de Paredes358; e em Peniche pretendeu-se instalar um parque de campismo e edificar uma colónia de férias no perímetro florestal das dunas daquela localidade359. Nos últimos anos do Estado Novo e ao longo da década de 70, a difícil empresa de fixação das dunas, anteriormente levada a cabo, ficou por completo esquecida.

Como já referimos, durante séculos o litoral oceânico aberto foi um domínio pouco habitado, uma vez que do mar vinham muitos perigos (vento, salsugem, piratas e as areias esterilizadoras), sendo pois lógica a conversão das áreas dunares improdutivas em pinhais. Mas, quando em meados do século XX, este espaço ganhou nova dimensão económica e social, os poderes instituídos não hesitaram em desanexar várias parcelas de terreno dunar submetido ao regime florestal, sem imaginar as consequências que a destruição desse coberto vegetal viria a ter no futuro. Voltaremos a esta questão no próximo capítulo.

1.2.3.2. A arborização das serras e baldios

A partir de 1938 houve então uma inflexão no que dizia respeito à política de florestação, passando a ser dada prioridade à questão da arborização das zonas serranas. Contudo, ainda antes desta data muitos trabalhos haviam já sido feitos neste sentido, de acordo com o estipulado aquando da organização dos Serviços Florestais (1888) - que estabeleceu a constituição das Administrações Florestais das Serras da Estrela e do Gerês, e da criação do Regime Florestal (1901), que compreendia um «conjunto de

357 Diário do Governo, 05-07-1961, p. 4483. 358 Id., 21-06-1965, pp. 863-864.

disposições destinadas a assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização [fosse] de utilidade pública, e conveniente ou necessária para o bom regímen das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e beneficio do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias, no litoral marítimo»360. Este corpo de leis definia ainda as modalidades de intervenção do Estado em defesa das florestas, através das figuras legais do Regime Florestal total e parcial (obrigatório ou facultativo).

Os trabalhos de florestação começaram, ainda no século XIX, nos perímetros de Manteigas e do Gerês, mas só a partir 1909 houve condições para se tornarem mais regulares e se expandirem a outras áreas, nomeadamente às matas da Lousã (1909), Montejunto (1910), serras do Reboredo (1911), Marão e Meia Via (1916), Cabreira (1919), Buçaco (1922) Padrela (1929), Terras do Bouro e Nogueira (1930), Mondim de Basto (1933), Montesinho (1934), entre outros. Apesar destes progressos, o montante global das superfícies envolvidas ficou muito aquém do que se esperava. Segundo Nicole Devy-Vareta, os primeiros tempos destacaram-se pela lentidão do processo de submissões, acrescido da morosidade dos serviços em dar início à arborização361.

O Plano de Povoamento Florestal lançado em 1938 pelo Estado Novo forneceu novos incentivos à prossecução da florestação das serras. Do ponto de vista legislativo e técnico, o Plano não apresentava nada de novo - aproveitando as principais medidas do Regime Florestal -, dispunha, contudo, para a sua execução, de maiores disponibilidades financeiras, de mais meios humanos e materiais, e da vontade autoritária do Estado para impor as suas políticas à revelia da contestação dos povos despojados das suas terras 362. Estava prevista a arborização dos terrenos baldios situados a norte do Tejo, vocacionados pela sua natureza para a silvicultura, fixando-se como meta a submissão de uma área de cerca de 420.000 ha, a concretizar em 30 anos (1939-1968). A nova lei estabeleceu a criação de vários perímetros florestais de acordo com certas finalidades, como a defesa nacional, a correcção hidrológica e a produção de madeiras. Destes, interessa-nos destacar aqueles que se destinavam à conservação do solo e à preservação

360 Id., 31-12-1901, pp. 3779-3784. Itálico nosso.

361 Nicole Devy-Vareta A floresta no espaço e no tempo em Portugal. A arborização da serra da

Cabreira (1919-1975), Tese de Doutoramento em Geografia Humana apresentada à FLUP, Porto, 1993, p. 141. Veja-se ainda Francisco Castro Rego, Op. cit., pp. 56-70.

362 De acordo com A.A. Alves Monteiro a evolução da submissão dos baldios foi a seguinte: até 1910, 16

000 ha; de 1910-20, 20 000 ha; de 1920-30, 25 000 ha; de 1930-40, 60 000 ha. Depois de posto em prática o Plano de Povoamento Florestal: de 1940-50, 250 000 ha; de 1950-60, 120 000 ha. Contudo, em 1970, só estavam arborizados 270 000 ha dos 420 000 ha previsto no Plano. Op. cit., pp. 138-139.

do regime hídrico, por exemplo, os perímetros da Coroa, Montesinho, Deilão, Avelanoso e Pinela, Vinhas e Nogueira (Bragança) visavam (entre outras coisas) a correcção hidrológica dos rios Sabor e Tua; o grupo de perímetros do Barroso (Montalegre e Boticas) tinha influência sobre a correcção do Tâmega e Cávado; e os perímetros da Beira Transmontana determinavam o regime de numerosos cursos de água, pertencentes às bacias hidrográficas dos rios Douro, Vouga e Mondego363.

A importância do papel da floresta na conservação do solo, voltou a ser reiterada nos Planos de Fomento de 1952 e 1958, sendo que no primeiro se salientava a vocação de Portugal como país florestal, associando o problema da arborização à necessidade de correcção das bacias hidrográficas dos rios portugueses, cujos cursos de água se encontravam num tal estado de assoreamento que urgia a intervenção dos serviços de hidráulica florestal, com o fim de fixar os terrenos degradados e impedir o prosseguimento da erosão364. No II Plano, tratava-se da arborização das grandes extensões do sul do país (quase 1 000 000 ha): solos delgados e pobres, entregues sem proveito à cultura cerealífera, que só poderiam ser valorizados pela submissão ao regime florestal, para travar a intensa erosão a que estavam sujeitos. Por conseguinte, determinava-se a arborização das bacias hidrográficas dos afluentes do Guadiana e dos concelhos de Idanha, Castelo Branco, Vila Velha de Rodão e Mogadouro. O objectivo, a atingir num prazo de 5 anos, era a florestação de cerca de 81 000 ha365.

Nesta época (nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial), a atenção das autoridades centrou-se essencialmente na arborização da propriedade privada. A lei n.º 2069 de 1954 criou três modalidades de intervenção – florestação a cargo do proprietário, do Estado ou em regime conjunto –, com aplicação prioritária nas regiões a sul do Tejo e na orla raiana do centro e norte. A execução desta lei não teve, contudo, efeitos significativos a nível do fomento da arborização366. Anos depois, a iniciativa privada vingou onde os programas estatais haviam falhado: o aumento da procura de produtos florestais por parte das indústrias de celulose levou estas empresas a promover com sucesso o desenvolvimento da arborização, quer através do investimento em plantações para auto-abastecimento, quer estimulando os proprietários à produção das matérias-primas que lhes tão eram necessárias.

363 Ministério da Agricultura, Plano de Povoamento Florestal, Lisboa, 1939, pp. 32-102. 364 Diário das Sessões da Assembleia Nacional..., 21-11-1952, pp. 1054.

365 Id., 12-04-1958, p. 714.

1.2.3.3. A Campanha do Trigo

Alves Monteiro considera que no século XX os trabalhos de florestação nem sempre seguiram um caminho coerente, reflectindo a existência de alguma conflitualidade, no que diz respeito ao estabelecimento de objectivos protectivos/produtivos, públicos/privados e industriais/agrícolas367. Com efeito, a aposta na expansão das florestas portuguesas esteve subordinada a factores vários - que determinaram o ritmo das empreitadas -, dos quais se destacam as diferentes inflexões nas políticas de aproveitamento e rentabilização do solo nacional.

Mencionamos, como exemplo mais significativo, a Campanha do Trigo, lançada nos anos 30368 com o intuito de tornar o país auto-suficiente ou de diminuir a exportação deste bem de primeira necessidade. O proteccionismo concedido à produção e os subsídios de arroteamento conduziram à ocupação de todo o tipo de terras, muitas anteriormente consagradas à cortiça e ao azeite, outras incultas ou ocupadas por matos, mas sem qualquer aptidão para a produção de cereais. No período áureo da Campanha, o projecto de aumento da riqueza florestal ficou claramente em segundo plano na política agrária, dando-se prioridade a uma forma de ocupação do solo depredadora e propiciadora da erosão, em detrimento da estratégia de preservação do solo defendida até aí, o que viria a ter impactes de grande magnitude nos estuários, nas lagoas e no próprio litoral.

O ambicioso projecto cerealífero do Estado Novo extinguiu-se «à vista dos afloramentos de rochas nuas, de solos esqueléticos, erosionados. Vastas extensões ficaram perdidas ou desertificadas pela cultura do trigo que destruiu valiosos recursos nacionais, mercê do engano de se imaginar que a simples extensificação cerealífera podia assegurar a defesa do comércio externo»369. A Carta dos Solos de Portugal editada pela Estação Agronómica Nacional permitiu identificar como zonas mais afectadas os terrenos delgados de montanha de Trás-os-Montes, os xistos argilosos do Alentejo e Algarve (serras de Mértola e Alcoutim) e os solos esqueléticos a norte do Tejo. Segundo António Câmara, com esta iniciativa, «100 000 ha todos os anos [foram] atirados para os rios e daí para o mar!»370.

367 Id., Ibid., p. 201.

368 Sobre a campanha do trigo seja-se José Machado Pais, Aida Valadas de Lima et alii, “Elementos para

a história do fascismo nos campos: a Campanha do Trigo: 1928-38 (I)”, Análise Social, 2.ª série, vol. XII, n.º 46, 1976 e “Elementos para a história do fascismo nos campos: a Campanha do Trigo: 1928-38 (II)”,

Id., 2.ª série, vol. XIV, n.º 54, 1978.

369 Eugénio Castro Caldas, Op. cit., p. 485.

2. Consequências do impacte antrópico na orla costeira