• Nenhum resultado encontrado

Parte I. Evolução da ocupação histórica do litoral português na época contemporânea:

A) História das representações do litoral

3. O Estado e o litoral

3.1 A importância estratégica, política e económica da orla costeira

3.1.3. A questão portuária

O fulcro das actividades marítimas acima descritas centrava-se nas zonas portuárias, localizadas predominantemente em áreas estuarinas abrigadas. O peso significativo da pesca e do comércio na economia nacional obrigou o Estado português, primeiro na figura dos monarcas, depois na dos vários governos constitucionais, a tomar medidas e a investir financeiramente na salvaguarda dos seus interesses, nomeadamente na criação e manutenção das infra-estruturas essenciais ao seu desenvolvimento. Isto é, na construção de uma estrutura portuária capaz de responder às necessidades da navegação moderna e de melhor servir a população do país pela sua ligação a uma rede de transportes terrestres. Para se perceber melhor os contrastes que, durante séculos, marcaram a percepção/utilização dos litorais expostos e dos abrigados, é de todo fundamental perceber o papel que os portos tiveram para as comunidades costeiras e do interior. Tanto mais que a sua importância e a necessidade de investir no seu desenvolvimento tiveram implicações profundas na dinâmica costeira a partir do século XX. Daí a relevância de tratarmos neste capítulo, da forma como as autoridades perspectivaram e actuaram em matéria portuária no nosso país.

O crescimento económico produzido, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX e no século XX, em resultado do aumento da população, do desenvolvimento intensivo dos novos continentes e da consequente proliferação das relações comerciais, determinou a expansão do tráfego marítimo, que atingiu proporções impossíveis de comportar nos portos mais pequenos e/ou mais antigos. Com o aparecimento da navegação a vapor, as construções em ferro vieram substituir os navios de madeira, aumentando a tonelagem bruta das embarcações, as quantidades transportadas e os encargos de permanência nos portos. Isto significou a diminuição da afluência a alguns deles, enquanto crescia muito o movimento de outros, já que a navegação passou a fugir dos portos de acesso difícil ou perigoso, para procurar aqueles que possuíam boas condições de navegabilidade e que se encontravam ligados ao resto do país por boas estradas e caminhos-de-ferro. Os portos constituíam as bases da exploração do mar e do comércio externo e os pontos de conexão das comunicações terrestres e marítimas. Junto deles estabeleceram-se aglomerados urbanos de populações dedicadas ao exercício da pesca ou a indústrias subsidiárias e aí se fixaram valiosas actividades fabris e comerciais. Mas os portos não beneficiavam apenas os seus utilizadores, contribuíam também para o desenvolvimento de relações económicas de mais vasto alcance que interessavam a todo o país e a vários sectores de actividade. Por conseguinte, as autoridades, entendendo que os portos constituíam elementos fundamentais para a economia nacional, trataram de definir políticas portuárias que promovessem a sua segurança e eficiência por meio de obras de protecção e abrigo, de acostagem e correspondentes instalações terrestres, de forma a tornar possível a prestação de serviços com a devida regularidade e rapidez e nas melhores condições de trabalho.

Em 1901, o engenheiro Adolfo Loureiro era encarregado, por uma portaria ministerial, de proceder ao estudo das condições técnicas e económicas dos portos portugueses, o que incluía a elaboração de planos hidrográficos, observações meteorológicas, descrição de obras já construídas e seu custo, indicação das que conviria empreender, estatísticas comerciais e de navegação. O objectivo desta missão era contribuir para o desenvolvimento da riqueza pública e aproveitamento da estrutura portuária existente, pela execução das obras necessária ao seu melhoramento171. Apesar destas e de outras iniciativas do género, segundo Fernanda Alegria, não é possível falar

de uma política portuária para este período, porque não houve uma decisão concertada sobre o conjunto de portos. Somente Lisboa e Leixões foram objecto de intervenções com algum significado a nível das suas infra-estruturas172.

A definição e aplicação de uma política portuária concreta viria a caber ao Estado Novo. Assim, em 1926 surgia a lei dos portos (decreto 12.757 de 02-12-1926), que os classificava em 4 classes de acordo com a sua importância económica e militar. Os portos de primeira classe eram aqueles que tinham maior relevância para a economia geral do país, por constituírem bases navais de importância militar e/ou pontos de escala de grandes linhas de navegação, com ligações a redes de comunicação interior e grande tráfego de passageiros ou mercadorias. Nestes portos, as despesas de construção, ampliação e equipamento ficavam exclusivamente a cargo do Estado173.

Três anos mais tarde, em 1929, procedeu-se à revisão da classificação dos portos e estabeleceram-se as precedências, quer dos locais, quer das obras a executar em cada um deles. Deu-se claramente preferência aos portos de interesse nacional, Lisboa e Douro-Leixões. Depois, foram seleccionados alguns de carácter regional, de acordo com a sua importância e tráfego: Setúbal, Vila Real de S. António, Aveiro e Viana do Castelo, que serviam zonas do país de grande incremento económico e constituíam importantes centros de pesca, sendo susceptíveis de largo futuro e desenvolvimento174. Os restantes foram incluídos na segunda fase do plano portuário, que se iniciou em 1944. Nos Planos de Fomentos foram também destinadas avultadas verbas para dar prossecução aos trabalhos de renovação da estrutura portuária, confirmando a sua importância no contexto da economia nacional e a clara aposta das autoridades nestas áreas de contacto marítimo-terrestre. Sobre as obras efectuadas nos portos e seus efeitos nos ecossistemas costeiros falaremos no capítulo B. 1.2.1.

3.1.4. Disparidades regionais: os contrastes litoral/interior e litorais