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Parte I. Evolução da ocupação histórica do litoral português na época contemporânea:

A) História das representações do litoral

3. O Estado e o litoral

3.3. Emergência e afirmação do turismo balnear

3.3.1. Os primórdios do turismo nacional

3.3.1.1. Primeiros debates sobre o turismo

Numa conferência pública, proferida em 1912, Magalhães Lima salientava a necessidade de Portugal se fazer integrar nos circuitos turísticos internacionais: «Carecemos de valorizar o nosso território, a nossa natureza, as nossas paisagens, o nosso sol, se me é permitido dizê-lo, atraindo o estrangeiro e criando a indústria do turismo. É uma necessidade instante, reconhecida por todos os países que desejam progredir e que se impõe como a primeira solução económica: uma questão, para nós, de vida ou morte»231. Com efeito, para a jovem República portuguesa, instaurada pouco antes, o turismo podia ser a chave para ultrapassar os graves problemas financeiros e adquirir uma imagem mais positiva junto da opinião pública internacional. Não admira, pois, que Magalhães Lima, republicano federalista e maçom, reiterasse a sua convicção no carácter universalista do turismo e na sua importância estratégica, política e económica para Portugal.

Os primeiros discursos sobre a regeneração económica do país através do fomento das actividades turísticas propugnavam o aproveitamento da situação geográfica nacional - a meio caminho entre a Europa da Norte e as Américas - para converter Lisboa num ponto de embarque e desembarque de passageiros em trânsito entre os dois continentes. «Transformemos este velho canapé da Europa, símbolo deprimente de preguiça e indolência, num majestoso e movimentado cais de Europa». Ponta de testa da península, a capital, tinha todas os requisitos para ser o primeiro porto de escala dos navios que navegavam entre o velho continente, a África e a América, poupando aos viajantes a travessia dos perigosos mares do norte e permitindo-lhes seguir directamente para Paris, através do Sud-Express que ligava diariamente as duas

230 Paulo Pina, Portugal. O turismo no século XX, Lisboa, 1988, p. 23.

231 Sebastião de Magalhães Lima, O turismo em Portugal. Necessidade de desenvolver esta indústria no

cidades232. Lisboa, enquanto ponto de entrada no país, seria também a base para o futuro desenvolvimento do excursionismo nacional, promovendo as outras regiões junto dos turistas. «Não foi por acaso que o primeiro cartaz genuinamente turístico produzido por Portugal, em 1907, o proclamava aos quatros ventos como «the shortest way between America and Europe», ao mesmo tempo que consagrava Lisboa e o seu porto como pólo de irradiação do turismo nacional»233 (Fig. 18).

Figura 18. Cartaz da Sociedade Propaganda de Portugal, 1907 (alexandrepomar.typepad.com)

Quando, no início do século XX, se expandiu a ideia do aproveitamento turístico do país, surgiram dois sérios entraves logísticos, a falta de transportes e vias de comunicação e a ausência de infra-estruturas hoteleiras para alojamento condigno dos excursionistas. A rede de estradas existente era ainda a do século passado, concentrada junto às grandes cidades e em mau estado de conservação, esquecida a favor da aposta nos caminhos-de-ferro; que, por seu turno, também não cobriam de forma regular a extensão do território nacional e se encontravam desactualizados face aos seus congéneres internacionais. Quanto à questão da hospedagem, esta não só enfermava de um défice significativo em número e qualidade, como havia também uma distribuição regional desigual, já que a grande maioria dos equipamentos hoteleiros se concentrava

232 Constâncio Roque da Costa, Problemas da economia nacional. Agricultura, comércio e navegação

nas suas relações com o mercado mundial, Lisboa, 1909, p. 349. Segundo este autor em 1905, o Sud- Express, que ligava Lisboa a Paris, tornou-se um serviço diário.

nas principais cidades e junto ao litoral. Apesar das deficiências crónicas ao nível das infra-estruturas básicas de apoio ao sector, José de Ataíde, director da Repartição de Turismo em 1912, acreditava que Portugal tinha condições para desenvolver a “indústria do estrangeiro” que tanto enriquecera já outros países, sem os seus recursos naturais: «se não tivéssemos o clima, a montanha, o mar, as paisagens, a situação geográfica, compreende-se que tal indústria nunca passasse dum devaneio de caturras»234. Mas o país dispunha de inúmeros factores de atracção, fundados no clima suave – com temperaturas médias superiores às das estâncias mais famosas (Biarritz, Nice, Monte Carlo) -; na diversidade regional - «Sintra, Buçaco, Batalha, Alcobaça, Coimbra, Mafra, as regiões pitorescas do Minho»235 -; no património histórico, no folclore e na gastronomia.

3.3.1.2. As instituições responsáveis

Os primórdios do turismo português e as primeiras medidas no sentido de atrair a Portugal uma parte do fluxo de viajantes que oferecia proveitosos rendimentos a países como a França, a Itália e a Suíça, ficaram entregues às iniciativas da Sociedade Propaganda de Portugal (SPP), instituição para-oficial, criada em 1906.

A SPP definiu um ambicioso projecto de promoção turística, no contexto nacional e internacional, que não pode pôr totalmente em prática por falta de recursos. No entanto, coube-lhe o mérito de desenvolver um conjunto de acções de divulgação e de sensibilização da população para a problemática relativa a esta nova indústria de serviços, através da imprensa e de conferências proferidas pelo país. Foi responsável pela formação de uma estrutura embrionária regional, com o objectivo de contribuir em termos logísticos para o fomento das actividades turísticas a nível local. E revelou-se também prolixa na produção de material de propaganda, espalhando pela primeira vez no país e no estrangeiro panfletos, cartazes e brochuras de promoção de actividades e destinos turísticos em Portugal236. Em 1911, a realização do IV Congresso Internacional de Turismo em Lisboa trouxe algumas mudanças ao sector, que se consubstanciaram na criação da primeira instituição de carácter oficial dedicada exclusivamente a esta

234 José de Ataíde, Serviços da Repartição de Turismo. Setembro 1911 – Junho 1912. Relatório, s.l.,

1912, p. 22.

235 Constâncio Roque da Costa, Op. cit., p. 362.

236 Paulo Pina, Op. Cit., p. 15. Destas obras podemos destacar: Portugal. Seus múltiplos aspectos como

país de excursões, 1908; Portugal. Clima, paisagens, estações termais, etc, [1912] (edições em português, francês, inglês e espanhol); e As nossas praias. Indicações gerais para uso de banhistas e

indústria. O Governo Provisório, a braços com a necessidade de reconhecimento internacional, achou por bem acatar as recomendações do Congresso que sugeriam a constituição de um organismo estatal dedicado ao turismo. Assim, o Ministro do Fomento, Sebastião de Magalhães Lima, decretou, em 16 de Maio daquele ano, a constituição da Repartição de Turismo, orientada por um conselho de 7 membros.

Com a criação da Repartição de Turismo, o Estado assumia, pela primeira vez, a sua responsabilidade na gestão dos interesses turísticos. Contudo, «para erguer a obra ciclópica da implementação duma indústria ao nível das potências turísticas do tempo» faltavam os recursos financeiros e um projecto de turismo estruturado. «Mas mesmo que este estivesse disponível, a sua execução, nesses agitados tempos, seria por certo desfeiteada pela descontinuidade administrativa resultante das convulsões político- sociais»237. A instabilidade dos governos da República, a instauração da Ditadura Militar em 1926 e as provações bélicas e económicas que atormentaram a Europa não só impediram a implementação metódica de um conjunto de medidas turísticas, como também provocaram a diminuição do caudal de viajantes em trânsito pelo velho continente. Só a partir da década de 50 houve realmente condições para um investimento planificado no sector do turismo, consubstanciado na formulação do conceito de utilidade turística (Lei n.º 2.073 de 1954), na instituição do Fundo de Turismo (1956) e na criação do Comissariado de Turismo (1965), instituição que precedeu a Direcção-Geral do Turismo (1968), hoje Secretaria de Estado. Foi a partir destas datas que «as estruturas institucionais do turismo começaram a demonstrar uma vitalidade e intenção programática efectivas»238, com repercussões significativas no crescimento das estruturas turísticas, tendo o desenvolvimento do sector sido reforçado com a inclusão do turismo nos planos de fomento de 1965-67 e 1968-73.