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Capítulo II Ações e Reflexões em Experiência

2.2 Estrutura do laboratório e delimitação metodológica de abordagem

2.2.1 Estrutura

A estrutura de trabalho em cada laboratório foi organizada em 06 momentos:

i) Preparação e concentração: momento inicial dos laboratórios que abre o espaço para os reconhecimentos, as atualizações e as experimentações. Treinamento das bases corporais psicotécnicas de atuação, assim como do reconhecimento individual sobre os estados do corpo e da atenção, em cada dia.

Este fazer está fundamentado pela compreensão do método das ações- físicas, criado por Stanislávski (apud DAGOSTINI, 2007), associado aos princípios de movimento contínuo e mutante de expansão e de recolhimento, propostos pela prática e pela filosofia do tai chi chuan (HUANG,1979).

Reconhecemos também tais princípios de movimento que exigem o comprometimento integral do corpo em qualquer que seja a ação, próximos dos enunciados de bases indispensáveis para o ator, propostos:

- pelos princípios da antropologia teatral (BARBA E SAVARESE,1995);

- pelo comprometimento integral do ator, imaginação e atuação inspirada e atmosfera (CHEKHOV,M.1985,1986);

- pela naturalidade do agir apresentada por Peter Brook: “apenas permita que a sensibilidade guie seus menores músculos. Para encontrar uma qualidade vital temos que ser sensíveis ao eco, à ressonância que o movimento produz no resto do corpo”(BROOK,1999,58);

- pelos princípios da biomecânica de Meyerhold (s/d) sobre o comprometimento do impulso para qualquer movimento, por menor que ele seja a partir do eixo, da calma e do equilíbrio, da consciência e do aproveitamento das transições, das associações entre jogo e reserva técnica, dos deslocamentos biomecânicos em seus três momentos: o da intenção, o de equilíbrio e o da execução.

Destas compreensões dos princípios formadores podemos apontar elementos técnicos fundamentais como:

- recolhimento e expansão em movimento contínuo e mutante; - atenção, concentração, autodomínio cênico;

- bases, oposições, dilatação e irradiação;

- centro de energia vital Tan Tien ch’i, ou koshi (Antropologia Teatral) como centro gravitacional e gerador de energia;

- a fluência de energia como caminho vital à expansão dos impulsos até sua materialização como ação;

- a reorganização do tônus muscular: liberdade muscular;

- a integração de imagens como materialidade corporal, indispensável a todo e qualquer movimento para configurar outro modo de agir (apresentada por Michael

Chekcov (1996)a imaginação);

- direcionamento da atenção no momento presente em relações entre os espaços interno e externo, entre ‘forma’ e ‘não-forma’;

-‘não-agir agir’ como polaridades interadas e em movimento compondo a unidade da ação.

Estes propósitos para agir, utilizados como treinamento, têm como objetivo preparar, flexibilizar o corpo a partir do exercício da atenção voluntária como direcionadora dos caminhos da energia dentro do corpo. Assim, pelo despertar de camadas mais internas do corpo, torna-se possível perceber um pouco mais os movimentos da energia e suas transformações.

Estas ações pedem ao corpo-ator que aprenda como aproveitar a imagem e que saiba como desenvolvê-la, ou seja, a ação da imaginação como possibilidade de transformação e também como o próprio material criativo. Este fenômeno é um acontecimento que pode apresentar a forma e a matéria corporal em processos criativos.

Deste modo, o olhar inicial em cada laboratório está direcionado para o treinamento de processamentos que levem o ator do estado de percepção e de atuação cotidianos ao estado criador. Este momento também inclui os exercícios de aquecimento.

Este primeiro momento configura as bases do trabalho corporal psicofísico e disponibiliza procedimentos conscientes para o ator trabalhar sobre si mesmo, com o objetivo de atingir compreensão técnica suficiente para ser utilizada em suas composições criativas. Iniciar o laboratório com este momento tem como objetivo as investigações sobre a psicotécnica, assim como a integração deste modo de agir como uma segunda natureza.

ii) Relações dinâmicas pelo espaço: é o momento da expansão, da irradiação e do desenvolvimento das referências do momento anterior, o de preparação. O objetivo é estabelecer um sentido de ação e provocar o interesse no objeto (imaginário) e, com isso, estimular e exigir a ação da imaginação do ator.

Este tempo disponibiliza um espaço para o ator exercitar seus caminhos de automotivação, que o levem aos seus processos de autocriação. É o momento para exercitar a atitude investigativa, atenta e disponível para atuar. Entrar neste estado de atenção e de imaginação torna-se indispensável para passar ao próximo momento. Este momento também engloba os exercícios com ações imaginárias e em espaços imaginários, materializados dentro do espaço físico pré-definido.

O propósito? Desenvolver o estado que consideramos vital para ir adiante. Este modo que define o como agir está diretamente relacionado aos estados de vontade, de concentração, de imaginação e disponibilidade psicofísica, provocados e aquecidos neste momento das dinâmicas.

As dinâmicas se iniciam a partir de alguma referência objetiva e conhecida, mas pelo desenvolvimento e empenho da imaginação devem ser

criadas pequenas células, que serão trabalhadas como ação69, como acontecimentos. E este olhar pede a identificação e o desenvolvimento do objetivo e de seu conflito. Ou seja, é o trabalho do ator sobre si mesmo, tendo como objeto sua imaginação em relação com o espaço, compondo suas improvisações e, por meio delas, descobrir objetivos e conflitos corporais.

Neste momento que prepara o ator em estados corporais mais ativos, propomos ainda, diferentes velocidades e diferentes ritmos em uma mesma ação e, assim, é possível aquecer a imaginação para o momento seguinte, o de improvisações.

iii) Improvisação: é o momento em que o ator, já acordado, em estado criador e em conexão intensa com o processo criativo, trabalha ao encontro de matéria- prima.

Este é o espaço do desafio e de exercer a coragem criadora; é um espaço vivo, que atua como um tempo aberto. É o momento da pesquisa dos conteúdos dramatúrgicos.

iv) Seleção e codificação: é o olhar que observa e seleciona o material encontrado. Este momento tem como objetivo estudar e compreender quais são os critérios de seleção das imagens e encontrar os meios para capturá-las, não apenas sua forma, mas, sim, a aproximação possível da sua natureza criadora.

É a tomada de consciência que diferencia aquilo que pode integrar e compor daquilo que dispersa.

v) Repetição, investigações a adaptações: neste momento, repetir é o processo

de refazer ações e estruturas, que possibilita aumentar a compreensão e a

69 Olhar e se relacionar com a expressividade corporal, sob as leis orgânicas da ação-física e sob a luz dos caminhos dramatúrgicos que estruturam a análise ativa, configurou e direcionou o fazer investigativo em laboratório, identificando e reconhecendo na dramaturgia do corpo os elementos técnico formadores.

adaptação corporal, espacial e dramatúrgica. É o estudo detalhado e esmiuçador dos movimentos periféricos, a partir da compreensão física de seus impulsos.

Este é um recurso metodológico que possibilita a compreensão do tempo-ritmo e que dá ao ator a compreensão e a organização corporal, suficientes para agir.

Este processo de adaptação é o tratamento da matéria pelo qual ela pode se adaptar e se transformar.

Deste modo, esclarecemos que as etapas criam um fio entre elas e estabelecem um entrelaçamento que é reconhecido como a estrutura metodológica que ordenou o laboratório. Investigações e atualizações com o objetivo comum de configurar um modo de agir, “a qualidade do momento” (BROOK,1999,70).

vi) Fechamento: este é o último momento, no qual se reorganiza o corpo, compensando corporalmente algum esforço específico. Nele, também se reorganizam a atenção e o tônus muscular para o encerramento do laboratório e para sair da sala de trabalho.

No documento A imaginação do ator, um voo indizivel (páginas 131-135)