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/ 131Estudo transversal de base populacional com uma amostra de adultos de 20 anos ou mais de idade de ambos

os sexos, realizado na zona urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, estimou uma prevalência de sintomas de DST de 13,5%. Carret et al (2004) concluíram que algumas características sociodemográficas e comporta- mentais constituíram-se como fatores de maior risco à DST, tais como ser do sexo feminino, jovem e não ter usado preservativo na última relação sexual.

É preocupante também a maior exposição das mulheres grávidas às IST. Resultados recentes de um estudo do Ministério da Saúde sobre DST no Brasil com mulheres gestantes (n=3.303) estimou que 42% delas tinham apresentado pelo menos uma DST no período de um ano. Dessas mulheres, 49,2% afirmaram nunca usar preservativo com parceiro fixo. (BRASIL, 2008)

A pergunta sobre uso do preservativo na última relação sexual identificou em 2006 um alto percentual de mulheres grávidas que afirmaram não tê-lo usado, em torno de 84%. Apesar de não sabermos se por ocasião da última relação sexual essas mulheres estavam grávidas, ainda assim, supõe-se que a situação de vulnera- bilidade dessas mulheres às DST é ampliada no período gestacional.

Dados recentes evidenciam o crescimento da infecção pelo HIV entre mulheres mais velhas. Análise da série histórica da epidemia produzida pelo Ministério da Saúde indica que a taxa de incidência da doença entre mulheres de 40-49 anos foi de 12,3 em 1996 para 30,0 em 2006, e entre mulheres de 50-59 anos, essa taxa triplicou, de 6,1 em 1996 para 18,6 em 2006 (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO AIDS DST, 2008). Dentre as razões alegadas para o não-uso do preservativo na última relação sexual, prevalece o alto percen- tual de respostas “usou outro método”. Isso indica que o preservativo não é percebido como contraceptivo, muito embora os dados de 2006 mostrem ser quase universal o conhecimento do preservativo como método que protege duplamente contra a gravidez e as IST, mesmo com variações por região e faixa etária.

A resposta “confio no meu parceiro” teve uma alta percentagem de declaração (31%). Inquéritos similares e estudos localizados frequentemente apontam esse mesmo resultado (VIEIRA et al, 2004; SILVEIRA et al, 2002; GIACOMOZZI, 2004; JIMÉNEZ et al, 2001). Embora não possamos agregar as respostas “confio no meu parceiro”, “não gosto de usar” e “meu parceiro não quis” por se tratar de questão de múltipla escolha, é importante pontuar que todas elas, de diferentes maneiras, remetem à dimensão das relações de poder entre homens e mulheres.

É preciso, ainda, qualificar melhor o significado da resposta “confio no meu parceiro”. Estudo qualitativo com mulheres das cidades de São Paulo (SP) e Recife (PE) revelou que a resposta “confio no meu parceiro” não está necessariamente relacionada à confiança na fidelidade do parceiro, mas, sim, à crença de que o parceiro irá usar o preservativo em relações sexuais fora do casamento/união (GARCIA et al, 2008). Como afirma Berer (2007), o preservativo é principalmente visto como um método de proteção contra IST e não como método contraceptivo. Há uma série de preconceitos e percepções sobre o preservativo que, mantidos, não permitem que seja adequadamente promovido. Particularmente no que se refere ao sexo heterossexual, a autora ressalta a necessidade de melhor compreensão da dupla proteção com a IST/Aids. A dupla proteção significaria o uso de um método que tenha essa dupla função, no caso o preservativo, ou o uso simultâneo do preservativo e de outro método tradicional ou moderno que possa atender à necessidade da prevenção da gravidez (BERER, 2007). Problematizar essa questão nos serviços públicos que oferecem planejamento repro- dutivo é um desafio importante para a promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

Um conjunto de elementos se apresenta, em vários estudos nacionais, como inibidores do uso do preser- vativo pelas mulheres, em especial entre as mulheres em parcerias estáveis. Dentre eles, destacam-se a dificuldade de negociação com o parceiro e o receio de que os parceiros suspeitem da fidelidade femini- na (GARCIA et al, 2008). Tais estudos apontam o uso do preservativo no início dos relacionamentos e o seu posterior abandono quando o vínculo afetivo-sexual se torna estável. Isso nos leva a supor que esse comportamento está relacionado a um falso sentimento de proteção proporcionado pela estabilidade da relação, bem como pela dificuldade das mulheres em negociar o sexo seguro (GIFFIN, 1998). Todavia, estudos anteriores ressaltam que o uso do preservativo como método contraceptivo tem pouca expressão no repertório da cultura contraceptiva brasileira. Dados da PNDS 2006 mostram que apenas 12,2% das mulheres unidas citaram o preservativo como método contraceptivo atual (PERPÉTUO; WONG, 2008). A tendência de queda do uso consistente do preservativo observada entre as mulheres unidas, mais velhas, de nível socioeconômico mais baixo, de baixa escolaridade e as esterilizadas, evidencia a vulnerabilidade das mulheres desses grupos. Há a necessidade de concentrar esforços na formulação de programas de planeja- mento reprodutivo e de prevenção às IST/Aids que sejam sensíveis no atendimento a grupos específicos. Cabe destacar alguns elementos institucionais, culturais e individuais que podem contribuir isoladamente ou de forma interacional para os resultados aqui encontrados. Do ponto de vista institucional, o acesso à infor- mação e aos meios de obtenção, bem como a oferta de preservativos nos serviços públicos de saúde são componentes fundamentais, embora insuficientes para o exercício da saúde sexual e reprodutiva. A compre- ensão da organização social da sexualidade e das relações de gênero e dos sistemas de classificação usados para estruturar e definir o que é uma relação sexual, as categorias de fidelidade, confiança, prazer sexual, entre outras, poderá trazer elementos importantes para o planejamento de ações públicas nessa esfera. É nesse campo de interações sociais e culturais e sob influência das experiências pessoais mais íntimas, que se coloca o desafio da promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

REFERÊNCIAS

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CAP

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// Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: PNDS 2006

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Elza Berquó

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