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Longevidade sexual e práticas sexuais desprotegidas: desafios para a promoção da saúde sexual e

reprodutiva das mulheres

Capítulo

6

// Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: PNDS 2006

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RESUMO

Objetivo: Avaliar os diferenciais sociodemográficos quanto à iniciação sexual e à atividade sexual de mulheres em idade repro- dutiva. Analisar a consistência do uso do preservativo nos últimos 12 meses e o uso na última relação sexual, seus diferenciais e de- terminantes, em particular no segmento das mulheres esterilizadas.

Métodos: Os dados analisados referem-se à Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006. Sempre que possível, os resultados foram cotejados com pesquisa similar realizada em 1996. Foram analisadas as informações de mulheres sexualmente ativas nos 12 meses anteriores à entrevista (em 1996 n=9.120; em 2006 n=12.724). O conhecimento do uso do preservativo como dupla proteção (contra infecções sexualmente transmissíveis e gravidez), seu uso consistente nos últimos 12 meses e na última relação sexual foram analisados segundo características sociodemográficas e situação reprodutiva das mulheres (esterilizadas e não-esterilizadas). Para se avaliar as associações entre as variáveis categóricas e comparações de mé- dias foram utilizados testes de qui-quadrado de Pearson e modelos lineares gerais, respectivamente. Para avaliar os efeitos das carac- terísticas sociodemográficas sobre o uso do preservativo na última relação sexual de acordo com a situação reprodutiva (esterilizada ou não há mais de 12 meses) foi utilizado modelo de regressão multinomial. Para o modelo e testes estatísticos foi considerada a estrutura complexa do plano amostral da PNDS.

Resultados: Independentemente do grau de escolaridade, da macrorregião (exceto a região Centro-Oeste) e situação de resi- dência, verificou-se uma redução de mais meio ponto na idade média da primeira relação sexual em 2006 comparativamente a 1996. Em 2006, mais de 80% das mulheres com idade até 24 anos usaram o preservativo na primeira relação sexual. Neste grupo etário constatou-se um aumento estatisticamente significan- te do uso do preservativo na primeira relação sexual, entre os dois períodos — de 18,0% em 1996 para 62,9% em 2006. O uso consistente do preservativo apresentou valor em torno de 19%. O percentual de mulheres entre 45 e 49 anos sexualmente ativas que nunca usou o preservativo foi de quase 80%. Do total de mulhe- res, 27% declararam o uso na última relação sexual. As principais razões alegadas para o não-uso foram: “uso de outro método” (48,3%) e “confio no meu parceiro” (31,6%). Em 2006, 8,3% das mulheres esterilizadas utilizaram preservativo em sua última relação sexual, diferença significante em relação a 1996 (2,7%).

Conclusões: O percentual de mulheres que tiveram relação sexual até os 15 anos de idade triplicou e houve crescimento do uso do preservativo na primeira relação sexual entre jovens. O uso consistente do preservativo em 2006, observado em menor proporção entre as mulheres unidas, mais velhas, de nível socio- econômico mais baixo e as esterilizadas, evidencia a vulnerabili- dade dessas mulheres. O incentivo do preservativo é importante nos programas de planejamento reprodutivo e de prevenção às DST/Aids como método de dupla proteção e promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

Palavras-Chave: Sexualidade; IST; DST; Uso do preserva- tivo; Gênero; Saúde Reprodutiva; Inquéritos populacionais; PNDS; Brasil.

ABSTRACT

Objective: To evaluate the socio-demographic differentials within the scope of sexual initiation and sexual activity of women in reproductive age. To analyze the consistent use of condom in the last 12 months and at the last sexual intercourse, their differ- entials, particularly within the group of sterilized women. Methods: Data from the 2006 PNDS were analyzed. When- ever possible, results were compared with similar 1996 PNDS data. Information about sexually active women in the 12 months prior to the survey were analyzed (1996 n=9,120; 2006 n=12,724). The consistent use of condom for double protec- tion (STI and pregnancy) in the last 12 months and at the last sexual intercourse were analyzed based on socio-demographic characteristics and reproductive situation of women (sterilized and non-sterilized). Associations between categorical variables and means comparisons were evaluated using Pearson chi-square tests and general linear models, respectively. The effects of socio- demographic characteristics on the use of condom at the last sexual intercourse according to reproductive situation (sterilized or non-sterilized for more than 12 months) were evaluated using the multinomial regression model. Statistics model and tests were based on the complex structure of the PNDS sample plan. Results: Regardless of the level of education, macro region (excluding the Mid-West region) and household situation, the average age at the first sexual intercourse reduced more than half a point in 2006 over 1996. In 2006, more than 80% of women up to 24 years old used condoms at their first sexual intercourse. This age group registered a statistically substan- tial increase in the use of condoms at first sexual intercourse, between both periods – from 18.0% in 1996 to 62.9% in 2006. Consistent condom use stood at approximately 19%. Almost 80% of sexually active women between 45 and 49 years of age never used condoms, and 27% of the total of women declared the use of condom at their last sexual intercourse. The main ex- planations for not using condoms were: “use of other methods” (48.3%) and “I trust my partner” (31.6%). In 2006, 8.3% of sterilized women used condoms at their last sexual intercourse, a significant difference in relation to 1996 (2.7%).

Conclusions: The percentage of women that had their first sexual intercourse up to 15 years of age was three times higher, and condom use at first sexual intercourse increased among young people. The smaller consistent use of condoms among older, sterilized, committed women in lower socio-economic groups reflects their vulnerability. We point out the importance of encouraging condom use in reproductive planning and STD/ Aids programs as a double protection method and promotion of women’s sexual and reproductive health.

Keywords: Sexuality; Condom use; STI; STD; Gender; Reproductive Health; Population Studies; DHS; Brazil.

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INTRODUÇÃO

A idade das mulheres na primeira relação sexual é um indicador do início de um processo de longa exposi- ção a eventos reprodutivos (como gravidez, aborto) e às infecções sexualmente transmissíveis (IST). Pesquisas brasileiras, algumas delas de abrangência nacional, têm mostrado que as mulheres têm iniciado sua vida sexual cada vez mais cedo, em que pesem as diferenças regionais e de graus de escolaridade (BERQUÓ, 2000; PAIVA et al, 2003; BERQUÓ; BARBOSA; GRUPO DE ESTUDOS EM POPULAÇÃO, SEXUALIDADE E AIDS, 2008; HEILBORN et al, 2006).

Entre as mudanças no comportamento sexual nas últimas décadas, a longevidade sexual se destaca como um dos elementos marcadores dessas transformações. Embora essa mudança de comportamento seja ob- servada para ambos os sexos, as mulheres despontam como motor dessa importante mudança (BOZON, 2003). Estudos sobre comportamento sexual realizados na França em dois períodos, 1970 e 1992, revelaram que, em 1970, somente 50% das mulheres casadas acima de 50 anos tinham tido relações sexuais durante aquele ano, ao passo que em 1992, houve um incremento de 30 pontos percentuais para essa mesma faixa etária (BOZON, 2003). Análises comparativas da pesquisa brasileira “Comportamento Sexual e Percepções da População Brasileira sobre HIV/Aids”, realizada igualmente em dois momentos distintos, 1998 e 2005, mostram um aumento estatisticamente significante da atividade sexual entre as mulheres de 55-65 anos, de 40% para 56% (BARBOSA; KOYAMA, 2008).

Além de a atividade sexual ter-se alongado para além do período reprodutivo no contexto das uniões, o crescimento dessa atividade é possibilitado pela formação de novas parcerias sexuais, independentemente do vínculo conjugal. Nesse sentido, o controle da reprodução e a prevenção das IST são desafios que se colocam mais cedo na vida das mulheres e permanecem por mais tempo.

Dentro do marco dos direitos sexuais e reprodutivos1, é importante a discussão sobre o uso do preservativo

como dupla proteção — contra IST e gravidez indesejada —, consideradas em suas múltiplas dimensões: institucionais, culturais e individuais.

As IST são adquiridas por meio de relações sexuais desprotegidas com pessoas infectadas. São consideradas epidêmicas e de caráter “oculto”, por sua presença assintomática, associada a alguns tipos de câncer — como o de colo do útero —, além de serem consideradas potencializadoras do risco de infecção pelo vírus do HIV (BASTOS et al, 2008). Além disso, as IST estão incluídas entre as cinco primeiras causas de procura pelos serviços de saúde (CARRET et al, 2004).

Dados do Ministério da Saúde evidenciam que a via heterossexual é a forma predominante de transmissão do HIV em mulheres no Brasil (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO AIDS DST, 2003, 2008). A proteção contra as IST seria possível com o uso do preservativo nas relações sexuais, de forma consistente, independentemente do uso de outros métodos contraceptivos. O Programa Nacional de DST/Aids recomenda a utilização do preservativo 1 Resoluções aprovadas pela Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, Cairo, 1994 e Quarta Conferência Mundial

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masculino como método mais eficiente de proteção, com uma efetividade estimada de 90% a 95% na preven-

ção das IST e do HIV (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO AIDS DST, 2003). Entretanto, apesar das várias ações ins- titucionais nessa direção, pesquisas têm recorrentemente mostrado que permanece baixo o uso do preservativo entre as mulheres casadas ou em união, as mais velhas e as de baixa escolaridade (BERQUÓ, 2000; PAIVA et al, 2003; BERQUÓ; BARBOSA; GRUPO DE ESTUDOS EM POPULAÇÃO, SEXUALIDADE E AIDS, 2008). No que se refere ao uso do preservativo como meio eficaz de prevenção à gravidez, o estímulo institucional para essa finalidade é insuficiente. Investigações internacionais sobre as práticas anticoncepcionais de casais indicam baixos níveis e pouco aumento do uso de preservativos nos últimos anos (CLOSING..., 1999).

De fato, é difícil estimar o uso de preservativos em nível global. Há divergências quanto às informações produzidas pelas pesquisas sobre comportamento sexual. Há pesquisas que pretendem compreender as ati- tudes e práticas sexuais das distintas populações no enfrentamento da epidemia da Aids, e aquelas de planejamento reprodutivo. Dados mundiais estimados por estas últimas informam que 44 milhões de casais usam preservativos dentro do casamento. Por outro lado, resultados de inquéritos populacionais em países desenvolvidos — US Centers for Disease Control Family Health Surveys (FHS) — mostraram que apesar de os níveis de uso dos preservativos entre os solteiros sofrerem grandes variações, são superiores em relação aos casados. (CLOSING..., 1999). Similarmente, esse achado foi concluído por uma pesquisa brasileira na qual se observou maior prevalência de uso do preservativo entre os não-unidos em comparação aos casados/em união (BERQUÓ; BARBOSA; GRUPO DE ESTUDOS EM POPULAÇÃO, SEXUALIDADE E AIDS, 2008). O fato é que, mesmo após 25 anos de epidemia da Aids, com investimentos robustos em pesquisas e pro- gramas de prevenção, e a crescente prevalência do uso do preservativo entre os mais jovens e mais escola- rizados, as mulheres continuam a usar menos que os homens. Portanto, o risco de as mulheres adquirirem alguma IST ou se infectarem pelo HIV é preocupante. Informações recentes do Ministério da Saúde (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO AIDS DST, 2008) indicam o crescimento da epidemia da Aids entre as mulheres. Houve redução da razão de sexo desde o registro das notificações, passando de 15 casos em homens para 1 caso em mulher em 1986, para 15 casos em homens e 10 em mulheres em 2006. Em relação às mulheres nas faixas etárias 50-59 e 60 anos ou mais, a taxa de incidência de Aids por 100.000 habitantes triplicou entre 1996 e 2006, com tendência de crescimento dessa taxa a partir dos 40 anos. De acordo com a análise da série histórica produzida pelo Ministério da Saúde, a via de transmissão sexual entre as mulheres sempre foi a mais importante, assumindo proporções cada vez maiores, de 85% em 1996 para 96% em 2006 (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO AIDS DST, 2008).

Com base nos dados das duas pesquisas, 1996 e 2006, este capítulo trata da iniciação sexual e da atividade sexual das mulheres nos últimos 12 meses.

Em função da relevância da prevenção das IST para o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mu- lheres, a proposição principal deste capítulo foi analisar o uso do preservativo pelas mulheres em idade fértil, seus diferenciais e determinantes, segundo variáveis sociodemográficas e situação reprodutiva (esterilizadas e não-esterilizadas), a partir dos achados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) 2006. Ainda em relação à última relação sexual, foram investigados os motivos alegados para o não-uso.

MÉTODOS

A PNDS 2006 é uma pesquisa domiciliar de representatividade nacional das cinco macrorregiões brasileiras, urbanas e rurais. Os domicílios foram selecionados nos dez estratos amostrais e as entrevistas foram feitas com mulheres em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos).

O conhecimento da mulher sobre a função do preservativo foi avaliado a partir da questão 516 da PNDS 2006 (“Você pode me dizer para que se usa a camisinha masculina?”) de múltipla escolha. As categorias de respostas eram “Só para evitar gravidez” (mulheres que assinalaram somente “Para evitar a gravidez”), “Só para proteger de doenças e Aids” (mulheres que assinalaram somente “Para proteger de doenças e Aids”), ambas (mulheres que assinalaram “Para evitar a gravidez” e “Para proteger de doenças e Aids”) e não sabe. A variável situação de trabalho foi gerada considerando-se como “Sim” aquelas mulheres que assinalaram a questão Q706 (“Além das atividades domésticas, você trabalha?”) como sendo “Sim” ou que, apesar de responder “Não”, assinalaram “Sim” na questão Q707 (“Como você sabe, algumas mulheres trabalham em alguma ocupação pela qual recebem pagamento em dinheiro ou em bens, vendem algum produto, tem um pequeno negócio ou trabalham nos negócios da família. Tem atualmente alguma dessas atividades?”). Para se verificar a associação entre as variáveis, foram utilizados testes de qui-quadrado de Pearson, e as médias foram comparadas via modelo linear geral, ambas incorporando as informações do plano amostral da PNDS de 1996 e 2006.

Foi utilizado o modelo de regressão multinomial (WOOLDRIGE, 2002; GREENE, 2000) com a finalidade de se avaliar o efeito de cada uma das características da mulher — faixa etária, estado conjugal, anos de estudo, região de residência, cor da pele, classe social, situação de trabalho, uso do preservativo na primeira relação, conhecimento de como e onde obter o preservativo, conhecimento da função do preservativo e frequência com que lê o jornal, vê a televisão e ouve o rádio —, controlado pela presença das demais (efeito marginal). Nesse modelo, a variável dependente foi o uso do preservativo, analisado em quatro categorias (combinação de uso do preservativo na última relação e vida reprodutiva): uso do preservativo na última relação em mulheres que estavam esterilizadas, não-uso do preservativo na última relação em mulheres que estavam esterilizadas, uso do preservativo na última relação em mulheres que não estavam esterilizadas, não-uso do preservativo na última relação em mulheres que não estavam esterilizadas. A regressão multinomial consiste em uma generalização da regressão logística quando a variável dependente apresenta mais de duas categorias de respostas. Este modelo foi ajustado somente para os dados da pesquisa de 2006, pois a amostra da pesquisa de 1996 não se mostrou suficientemente grande para a desagregação nas quatro categorias da variável dependente.

RESULTADOS

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