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3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 Enfoques para estudos de usuários

3.1.2 Estudos orientados para os usuários

Ao longo dos anos, as pesquisas sobre usuários foram migrando da perspecti- va dos sistemas para a dos usuários desses sistemas, com forte influência da Psico- logia Cognitiva. Nesse caso, os usuários passaram a serem vistos como indivíduos, possuidores de características específicas, com necessidades próprias e formas dife- renciadas de uso da informação.

Essas mudanças já vinham sendo percebidas por autores como Allen (1969), Lipetz (1970), Crane (1971) e Crawford (1978), mas foram Dervin e Nilan (1986) (vo- lume 21) que as formalizaram procurando identificar novos rumos de pesquisa que contemplassem a construção de conceitos, o uso de modelos e a aplicação de abor- dagens para identificar as necessidades de informação dos usuários. Ao comparar diversos estudos de usuário, esses autores encontraram pouco interesse no ambiente de uso da informação e baixa distinção entre os aspectos cognitivos e sociais da in- formação (MIRANDA, 2007, p. 40). Nas revisões sobre estudos de usuário, Dervin e Nilan (1986, p. 17) encontraram três abordagens principais para a análise de necessi- dades de informação:

Valor agregado de Taylor (1986) – Leva em conta a percepção da utilidade e do valor que o usuário traz para o sistema. Pretende fazer do problema do usuário o

ponto central, identificando diferentes classes de problemas e ligando-os aos diversos traços que os usuários estão dispostos a valorizar quando enfrentam problemas. É um trabalho de orientação cognitiva em processamento da informação (problema @

valores cognitivos @ soluções). Concentra-se mais na tradução e operacionalização

das necessidades informacionais dos usuários para o sistema. Essa abordagem in- vestiga o usuário durante o processo de interação com os sistemas.

Construção de Sentido ou sense making de Dervin (1983) – Conjunto de pre- missas conceituais e teóricas para analisar como pessoas constroem sentido nos seus mundos e como elas usam a informação e outros recursos nesse processo. Pro- cura lacunas cognitivas e de sentido expressas em forma de questões que podem ser codificadas e generalizadas a partir de dados diretamente úteis para a prática da co- municação e informação (situação @ lacuna cognitiva e de sentido @ uso). Essa a-

bordagem está mais relacionada à fase anterior ao processo de busca, que é a identi- ficação e o entendimento de necessidades e comportamento informacional.

Anomalia dos Estados de Conhecimento de Belkin e Oddy (1982) – É uma teo- ria que considera as pessoas em situações problemáticas com visões da situação que estão incompletas ou limitadas de alguma forma. Nessas condições, os usuários es- tão imersos num estado de conhecimento anômalo, no qual é difícil falar ou mesmo reconhecer o que está errado, e enfrentam lacunas, faltas, incertezas e incoerências, sendo incapazes de especificar o que é necessário para resolver a anomalia (situação

anômala @ lacuna cognitiva @ estratégias de busca). Nessa teoria, o comportamento

informacional é modelado a partir da procura pela natureza da situação problemática que leva à busca de informação e aos tipos de informação buscados. Outros autores que não entraram nas revisões do ARIST também perceberam esse novo jeito de vi- sualizar estudos de usuários, dentre eles Le Coadic (2004, p. 9-10 e 34). Esse pes- quisador identificou que apenas 24% dos artigos publicados entre 1990 e 1994 conti- nham algo sobre os processos cognitivos dos usuários e, em sua maioria, eram estu- dos de usos de sistemas de informação por meio de seus usuários, não se distinguin- do necessidade e uso de informação. O autor sugeriu que os novos estudos que vies- sem a ser produzidos se interessassem pela maneira como um usuário analisa suas necessidades, entra em contato com um sistema de informação e constrói seu signifi- cado. Isso significaria separar estudos sobres as necessidades e estudos sobre os usos da informação.

No volume 25, Hewins (1990) verificou que a mudança observada por Dervin e Nilan (1986) realmente se efetivou e que os estudos foram mesmo direcionados para os usuários. A partir desse período, o ARIST não publicou mais trabalhos sob o título de “Information Needs and Uses”, mas os estudos mantiveram seu direcionamento para o usuário. Na revisão de literatura feita por Hewins (1990), ela identificou a dis- persão da literatura concernente por diversas áreas, com preocupações, métodos e objetivos diferentes, gerando uma dificuldade de unidade conceitual e ressaltou o crescimento do uso de metodologias qualitativas.

Pettigrew, Fidel e Bruce (2001, p. 43-44 e p. 67) revisaram a literatura pós- 1990, registrando que os estudos buscavam um conjunto coerente e explícito de su- posições, definições e proposições com poder explicativo. Foram encontradas três abordagens, com bases teóricas distintas: (i) cognitiva (onde o indivíduo é o foco); (ii) social (onde o contexto é o foco); e (iii) multifacetada (que considera o indivíduo e o contexto ao mesmo tempo), com prevalência da abordagem cognitiva. Para Pettigrew, Fidel e Bruce (2001), estava emergindo um corpo teórico distinto, unificado, e a cons- trução de modelos e estruturas holísticas, compreensivas e multifacetadas estava sendo iniciada. Este corpo teórico, além de centrar-se no usuário, enfatizava a influ- ência contextual dos fatores cognitivos, sociais, culturais, afetivos e lingüísticos. Os autores também indicaram que novos temas estavam surgindo nos estudos de usuá- rios: aquisição incidental de informação; importância das tarefas no trabalho informa- cional nas organizações; “horizontes informacionais”; inclusão da tecnologia em pro- posições teóricas etc. (MIRANDA, 2007, p. 41).

Nos estudos pós-1990 também foi possível perceber a grande quantidade de pesquisas de comportamento envolvendo ambientes organizacionais. Muitos concluí- ram que os recursos e regras existentes no ambiente e a relação entre as estruturas e os processos organizacionais podem facilitar ou limitar a busca por informação. O ambiente de uso da informação é a parte da estrutura na qual são encontradas as regras e recursos que afetam o comportamento informacional. Informação, ambiente informacional e estruturas organizacionais formam um conjunto inter-relacionado que reproduz constantemente a própria organização. Os recursos institucionais parecem ter grande influência no uso de fontes e canais de informação e, conseqüentemente, no resultado obtido. Isso sugere mais atenção para os modos como as pessoas sele- cionam fontes e canais de informação. Nessa linha de pensamento estão Solomon

(2002, p. 229), Savolainen (1999, p. 779), Baldwin e Rice (1996, p. 149) e Rosem- baum (1993, p. 241).

Especificamente na área de Biblioteconomia, Lancaster (1996, p. 11) descreve as cinco leis da biblioteconomia de Ranganathan, em que se verifica uma relação com estudos de usuários e a satisfação das necessidades de informação104, e Giopato (2004, p. 18 e 19) cita uma mudança de perfil dos usuários, proporcionada pela dis- ponibilidade de acesso à informação, colocando o usuário como quem elabora sua própria busca.

Calva Gonzáles (2004, p. 24) revisou, principalmente, a literatura de origem la- tino-americana e estudou o fenômeno das necessidades de informação considerando- o como separado nas fases de surgimento, comportamento de busca e satisfação das necessidades. Essa identificação deu origem a um dos modelos que será visto mais adiante neste capítulo.

Em relação ao uso da Internet, foram encontradas discussões sobre fatores que afetam o comportamento de busca dos usuários, tais como: a capacidade dos sistemas utilizados, os resultados das buscas, o nível de conhecimento e a experiên- cia do usuário com computadores (HSIEH-YEE, 2001; SAWASDICHAI, 2002).

No Brasil, os estudos de usuário alternativos também ganharam muitos adep- tos, dentre eles Bettiol (1990) e Figueiredo (1999, p.14), que procuraram formalizar os conceitos relacionados às necessidades de informação. Ferreira (1997) fez uma revi- são das abordagens encontradas por Dervin e Nilan (1986) para mapear necessida- des de informação, e acrescentou uma quarta abordagem conhecida como Processo Construtivista de Kuhlthau (1993), que tem como ponto crucial o princípio da incerte- za, como um estado cognitivo do usuário no início de um processo de busca. O eixo central dessa abordagem é o processo de busca de informações (Information Search

Process – ISP) considerado como a atividade construtivista do usuário para encontrar

significado a partir da informação, a fim de ampliar seus conhecimentos sobre deter- minado problema ou assunto. Mais recentemente, Miranda (2007) fez nova revisão da literatura procurando uma convergência conceitual de necessidades de informação

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As 5 leis são: (i) os livros são para usar; (ii) a cada leitor o seu livro; (iii) a cada livro o seu leitor; (iv) poupe o tempo do leitor; e (v) a biblioteca é um organismo em crescimento.

que pudesse ser aplicada tanto a indivíduos isolados como em organizações (vistas como grupos de pessoas).